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Aos mestres com carinho

Mariana Cruz

Dos filmes que têm como tema a profissão “mestre”, eu destaco cinco com carinho. Cada um, à sua maneira, traz uma peça do quebra-cabeça – sempre incompleto – sobre o significado dessa profissão.

Tais películas falam de professores revolucionários, excêntricos, autoritários, afetuosos, sofridos, obstinados, mas, sobretudo, com uma imensa vontade de transformar seus alunos em pessoas melhores.  São profissionais cuja função não se limita às quatro paredes de uma sala de aula, têm suas próprias vidas modificadas pelo oficio que escolheram e dessa forma, vivendo visceralmente sua profissão, conseguem transformar a vida de seus alunos. Encarnam de tal maneira o personagem-mestre em suas existências que os versos de Fernando Pessoa em Tabacaria bem que serviriam para descrever o efeito do oficio na vida pessoal desses docentes: “Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara”.

O primeiro filme marcante – para mim – sobre o tema é o clássico Ao mestre com carinho. Quem tem mais de trinta deve se lembrar da história protagonizada por um professor negro que dava aula para uma turma barra pesada da periferia londrina. A película é de 1966, mas não só os quarentões se beneficiaram com os ensinamentos do Sr. Thackeray; a geração dos anos de 1980 também aprendeu muito com ele. Na época em que foi exibido tornou-se um grande sucesso dos cinemas e, posteriormente, na sessão da tarde. Digo “grande sucesso” porque o filme passava toda hora, virava-e-mexia lá estava a fita com aquele coloridão típico das produções sessentistas a ofuscar os olhos da criançada dos anos 80.

O professor, Sr. Thackeray, interpretado por Sidney Poitier, era um engenheiro negro, desempregado, que começava a dar aula em uma escola pobre cujos alunos tinham como maior diversão agredir os professores até fazê-los pedir as contas. Não bastasse isso, os transgressores juvenis eram também racistinhas imberbes, pois encontravam na cor da pele de seu novo mestre ainda mais munição para suas ofensas. 

Sr. Thackeray põe os pré-delinquentes para cozinhar, dança com eles, fica por dentro de seus problemas pessoais, faz quase uma terapia em grupo. Embalados pelo hit To Sir, with love, após várias dificuldades, tensões, broncas, discursos, enfrentamento diário das provocações, medições de força etc., os pupilos começam a se afeiçoar ao mestre, que transforma profundamente suas vidas e torna a classe harmônica e respeitadora.

Findo o ano letivo, o professor é convidado para voltar a trabalhar com engenharia, mas ele decide continuar dando aula e continuar educando os jovens da periferia.

O elegante mestre que dava aula de terno e gravata ensinou muito sobre ética, solidariedade, perseverança e luta contra preconceitos, não só a seus alunos como aos espectadores do filme. E, se a memória não me falha, o filme termina com Sr. Thackeray entrando na sala da aula no ano seguinte e se deparando com uma nova turma de jovens revoltados. É o mito de Sísifo em versão pedagógica, com a diferença de que Thackeray gostava do levar a pedra para cima da montanha.

Mais de duas décadas depois de Ao mestre com carinho, foi vez de estrear na tela outro grande filme sobre professor: o mestre da vez é Mr. Keating, um tanto mais extrovertido e excêntrico que Mr. Thackeray.

Apesar do aspecto ariano de John Keating, sua entrada em sala de aula causa tanto choque quanto a do personagem Sidney Poitier, vinte e três anos antes. Ele entra assoviando em sua turma da  Welton Academy – uma escola ultraconservadora e tradicionalíssima, só para rapazes. Isso é apenas uma amostra do estilo nada ortodoxo desse professor de literatura. O filme se passa em 1959; Keating  foi aluno da instituição e teve sua vida estudantil retratada no "Year book" da escola. Lá consta sua participação em uma tal "Sociedade", uma turma de alunos que se reunia para ler poesias e levar para a vida os ensinamentos dos grandes poetas e escritores. Empolgados com a descoberta, seus atuais alunos resolvem ressuscitar a "Sociedade dos poetas mortos".

Os estudos poéticos, as aulas inusitadas de literatura e o espírito iconoclasta e libertador de Mr. Keating causam grande descoberta existencial na vida dos alunos. Mais do que ensinar literatura, o professor lhes ensina uma filosofia de vida, estimula-os a tornarem-se agentes de sua própria existência, não trilharem o caminhos que já estão há muito traçados para eles e aconselha seus contidos alunos a carpe diem, isto é, a aproveitarem o dia.

O embate entre originalidade X tradicionalismo fica cada vez mais intenso até chegar a situações-limite que acabam gerando sérios problemas ao mestre. O apoio da sala ao professor se manifesta na cena antológica em que os alunos sobem nas mesas e repetem o “capitain, my capitain”.

Essa cena, aliás, digam o que disserem: pode ser hollywoodiana, piegas, cinemão... mas é inesquecível. E Robin Williams sem dúvida está em uma das suas melhores interpretações (senão a melhor).

As ficções em torno da figura do professor movem e comovem muitas gerações. Quando essas histórias são baseadas em fatos reais, podem ser ainda mais inspiradoras do exercício da profissão. O milagre de Anne Sullivan é um exemplo disso. O filme conta a história da persistente professora do título, contratada para ensinar Hellen, uma menina de seis anos surda e cega desde bebê, a adaptar-se ao mundo. A força de vontade, vocação e fé de Sullivan é tanta que nada parece ser obstáculo para ela, nem mesmo os próprios pais de Hellen, com quem vive entrando em conflito, pois sempre sentiram pena da filha, mimando-a, sem nunca lhe terem ensinado algo concreto.   Durante anos, Hellen Keller tem comportamento selvagem e indisciplinado (como ela mesma irá descrever em um de seus livros posteriores). Anne Sullivan a estimula a utilizar o tato como o elo de ligação entre ela e o mundo; desenha palavras na mão da menina a fim de que ela compreenda a relação entre as palavras e seus significados. O tato passa a ser a via pela qual a menina “enxerga” o mundo, até que, em um momento, compreende realmente a linguagem. A partir daí, aprende o alfabeto braille e aos dez anos começa a falar. Em 1904, formou-se com louvor, e foi a primeira aluna cega e surda e terminar um curso universitário.

Na linha dos documentários sobre educação, está o brasileiro Pro dia nascer feliz, de 2006 (leia a resenha), que mostra o cotidiano de professores e alunos das escolas de diversas classes e regiões brasileiras. Na produção de João Jardim estão presentes as dificuldades que os professores passam, sua dedicação exaustiva, o sentimento de desvalorização profissional, a difícil relação com alguns estudantes, a falta de condições básicas nas escolas, a descrença de alguns professores em relação ao talento de seus alunos, as atividades criativas que fazem com que os jovens se descubram e várias outras questões relacionadas ao tema.

Para finalizar, fica a lembrança de um documentário francês, Etre et avoir, de 2002, traduzido literalmente aqui por “Ser e ter”. A história é sobre a escolinha de uma cidade do interior da França, Auvergne. O foco está em uma única classe, com duas turmas de idades diferentes: uma com crianças de até cinco anos, a outra com pré-adolescentes. A classe é ministrada por apenas um professor, Georges Lopez, que se desdobra para atender às demandas de alunos de idades tão distintas. O professor acompanha a turma desde o jardim de infância até o último ano do primário. Lopez, ao mesmo tempo que mostra atenção, cuidado e afeto, de forma alguma mima seus alunos; chega a ser, por vezes, duro e autoritário. O filme mostra a importância do trabalho em grupo e da solidariedade entre pessoas de diferentes idades e como é possível educar com carinho sem ser paternalista. Ou como ser duro, sem perder a ternura.

Feliz dia do Mestre!

Publicado em 16 de outubro de 2007.

Publicado em 16 de outubro de 2007

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