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Fazer ou não fazer greve? it’s a question

Rosemary dos Santos

Fui chamada para uma reunião às pressas no auditório da escola. Eu já imaginava o que me esperava. Deixei os alunos no laboratório de informática com os monitores e me dirigi para lá. No caminho encontro alguns professores andando apressados.

Entro, sento e começo a observar. O professor de Geografia, com sua camisa de listras azuis, dizia algo para o grupo, mas ninguém ouvia ou prestava atenção. Todos falavam ao mesmo tempo. Pergunto a alguém do meu lado o que está acontecendo e me responde com outra pergunta: você não sabe, não? Balanço a cabeça negativamente e a professora me olha com cara de ET e diz: "Querida, vamos decretar greve! E estamos decidindo aqui quem vai aderir ao movimento", disse, fitando-me séria.

Volto os olhos ao professor de Geografia. Alguém se levanta e pede silêncio. Pude perceber pela voz rouca que era a professora de História. Ela falava alto e dizia o que devíamos fazer, como devíamos falar aos pais, a importância da greve. Ouço tudo calmamente.

Luciana chega, como sempre lentamente, todos olham para ela.  Procura-me e aceno para que ela se aproxime no meio daquele tumulto. Novamente todos falam ao mesmo tempo. Ela me passa um papelzinho com um bilhete dizendo que tem um encontro no portal para o projeto Re-vivendo, da USP, e não poderá ficar até o fim. Que sorte a dela.

Novamente outro professor levanta-se, pede a palavra e discursa sobre a importância de cruzarmos os braços, sobre o governo, sobre política. Penso nos alunos, no projeto e penso mais ainda nos alunos do noturno. Por qualquer coisa eles desistem. Saio dos meus pensamentos quando percebo a professora Graça, nordestina forte, bochechas rosadas, linguajar apurado, pedindo a palavra e dizendo que não quer aderir, que não gosta de fazer greve. Ouço um berro vindo de trás: outro professor agora mais exaltado criticando a atitude dela, dizendo que este é um país sem democracia e, quando as pessoas tinham chance de mudar, sempre aparecia um covarde. Todos concordam e olham-na, fuzilando-a. Vi a professora Graça ficar pequenininha na cadeira, as bochechas mais vermelhas ainda.

Será que eu estava equivocada ou democracia é aceitar a opinião do outro mesmo que esta não seja nem parecida com a nossa? A professora Graça tinha o direito de não participar. Olho-a com carinho. Solidarizei-me. Deram-nos um tempo para pensar. Olho para Luciana e vejo que ela espera a minha resposta para saber se vai ou fica.

Entro em conflito com meus valores, com meu senso político e crítico. Devo ou não fazer greve? Penso no meu salário. É, ele é bem magro. Penso nos alunos do noturno. Salário, solidariedade. Conflito, convívio. Começo a escrever os motivos pelos quais faria greve e os motivos pelos quais não faria. Luciana se aproxima acotovelando todo mundo. Chega perto de mim, olha meus rabiscos e murmura: “Pelo amor de Deus isso não é hora de fazer crônica, Rose. O que vamos fazer? Se não aderirmos à greve, como vamos olhar para o grupo depois?” Mas e os projetos? Desejei não ter que decidir.

Pensei na greve: alguns dias em casa, acordar mais tarde, ver a novela, participar de algumas assembleias, não ter que dar aulas. Nossa, eu precisava tanto de um descanso... E o meu salário sempre um horror. Seria um “sacrifício”. Tudo por uma causa. Mas qual era a minha causa? Penso nos alunos voltando para casa. Nos alunos do noturno (idosos) que provavelmente não voltariam mais. Qual seria a minha causa? Nossa!! Tenho causas demais, sou um perigo para o governo.

Começa a votação. Burburinho geral. Peço a palavra.Todos me olham.Digo que não vou aderir. À noite venho trabalhar. Do que adiantaria minha greve se quando eu voltasse os velhinhos do noturno não estivessem mais aqui? A professora Graça me olha, agradecida. Os outros simplesmente ignoram-me. Para que as minhas palavras não tivessem efeito sobre os outros.

Saio satisfeita, embora ainda confusa se a decisão tomada foi a certa ou não. De qualquer forma, algo me alegra, decidi fazer greve das minhas causas, aliás fiz só uma paralisação, pois preciso tanto que os jovens e adultos não desistam, afinal, a vida inteira deles foi uma greve de cidadania.

Volto ao trabalho cantarolando. Gosto de ser responsável pelos meus atos.

Publicado em 13 de novembro de 2007.

Publicado em 13 de novembro de 2007

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