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A participação da sociedade no espaço escolar: reconhecimento das diferenças nas singularidades
Marcelo Bezerra Martins
Como a escola é o principal eixo norteador da intermediação sociedade/indivíduo/instituição, a família recorre a esse espaço justamente para que a criança, ao adentrar no seu contexto, sinta-se à vontade e familiarizada, vendo-a como uma extensão social; urge, pois, à escola propiciar o pleno intercâmbio entre os variados setores sociais, a fim de que se consiga um arcabouço que permita às crianças e jovens a compreensão do espaço que lhes cerca, dos desafios que irão encontrar e como superá-los.
A escola é, em suma, formadora de opiniões, pois a multiculturalidade em seu cotidiano é ora instigante ora excludente; através desta pode-se criar determinismos e, assim, inferir que algo é superior ou inferior. Grosso modo, criam-se os conflitos dentro do espaço escolar e boa parte dos educadores não conseguem entendê-los, haja vista a ínfima formação humana adquirida nas vivências educacionais, em virtude de não alcançar a articulação indispensável do quefazer pedagógico: vivência social embutida na vivência acadêmica.
Os equívocos que acontecem na escola são muitos, boa parte deles decorrentes de uma prática que parece corriqueira mas que causa profundos transtornos nos educandos: a mitificação e a estereotipação. Criaram-se os rótulos bom ou ruim; quieto ou terrível; inteligente ou ‘burro’, perpetuando relações verticais de poder, como perpetuadoras dos estigmas educacionais.
A escola como espaço social e político implica a reflexão sobre a pertinência e a relevância histórica, contextualizada em nossa prática educativa escolar. A função primordial da
escola é garantir a contundência histórica da prática educativa e a integração do conjunto da prática pedagógica na escola. A reflexão sobre a gestão democrática da escola é um exercício constrangedor, de um lado, e gratificante, de outro. De um lado, desafia nossos brios e nos faz ferver em virulenta indignação diante das condições concretas das escolas brasileiras e diante dos resultados reais do trabalho escolar. De outro lado, as conquistas da humanidade em nossos dias, os avanços do conhecimento humano sobre a aprendizagem e inteligência e as experiências concretas na educação brasileira, coordenadas por processos competentes de efetiva democratização, nos enchem de fundadas esperanças (Wittmann, 2005, p. 1).
A escola, por ser articuladora e formadora de opiniões, engendra nos educandos uma cultura elitista, elaborada para um grupo específico, e a generaliza, provocando as grandes frustrações decorrentes dos inúmeros “espetáculos” que ocorrem entre professor e aluno, quando este, estigmatizado e constrangido, se vê à mercê do desprestígio e motivo de chacota, por não pertencer à “normalidade” passada pelo professor e repassada na fisionomia, costumes e ideologias de seus colegas, sem entender o porquê disto.
Elias José, na sua obra Uma escola assim eu quero para mim, retrata, a partir da visão de um aluno, a história de muitos que já foram deturpados e marginalizados por ter uma cultura adversa à elitista, mostrando fielmente o quanto a escola pode contribuir para o desprestígio social e a manutenção das infindas desigualdades culturais. Assim, nega o saber produzido socialmente e construído a partir da história dos cidadãos e cidadãs que concederam a essa mesma escola a oportunidade de inserir culturas diversas num só espaço.
Dessa maneira, a escola é um tanto paradoxal: o que deveria ser um espaço de mudança de ideologias, comportamentos e troca de saberes, extirpa brutalmente toda a história que é construída coletivamente pela criança, obrigando-a a adotar costumes diferentes, ideias desconexas com sua realidade, reforçando o apartheid social.
A formação de uma criança não cabe dentro da adaptação ou do treinamento. É preciso criar condições para educá-la. A educação é a formação humana que transcende o que pode ser obtido por treinamento, domesticação ou adaptação. Para educar, os meios, os procedimentos e as oportunidades de aprender são diferentes daqueles usados para treinar (Caderno 03, p. 15).
Assim, os educadores precisam tornar-se articuladores de um processo crítico-reflexivo, usando a práxis como mediadora entre o que se faz no espaço escolar e como o “mundo” perceberá, através dos educandos, o cumprimento da função social da escola. Como hoje, ao conversar com um educador, ele me disse que “ela é utopia”, mas assegurava que não há outra forma de melhorar o país se não voltarmos ao tradicionalismo na escola.
Jamais haverá mudanças significativas na concepção de homem e sociedade se as escolas, juntamente com a equipe de colaboradores, não pensar dentro desse contexto. “Para que a escola cumpra sua função de criar as condições para a aprendizagem do estudante, sua prática deve contribuir, antes de tudo, para a emancipação das pessoas” (Caderno 03, p. 18).
Outros estudiosos que apregoam a mudança paradigmática da escola são autênticos ao afirmar que o problema educacional, hoje, não reside apenas na vontade política, partidária, mas prioritariamente na mudança conceptiva de boa parte dos educadores, afirmando até algumas experiências de países que provocaram profundas mudanças na prática pedagógica, na valorização do docente e tampouco conseguiram grandes mudanças nos resultados. Ou seja: se o educador não concebe seu premente papel social, a escola perde boa parte de sua essência.
José Eustáquio Romão, no livro A dialética da diferença, elucida que essa concepção subjacente ao projeto econômico neoliberal, em que as universidades – embora sejam uma concepção de homem e sociedade equivocada com a real necessidade da população – vêm sendo tratadas como comércio, o que diverge a concepção de educação humanista, onde por ser pública, deve ser de qualidade e, realmente, para todos. Jamais uma mascaração do laico, porque ainda temos um sistema que privilegia alguns. A universidade pública é bem latente nisto, ao apresentar uma visão bem autêntica desse exemplo.
A intervenção educativa da escola só faz sentido se, de fato, contribuir para a formação das pessoas, dos estudantes. Caso não se preste atenção às diferenças e não se integre no processo pedagógico o saber que as crianças, os adolescentes e os jovens têm, sua vida e sua cultura, a escola não poderá contribuir para ampliar o conhecimento e intervir significativamente na educação das pessoas. Pode, até, tornar-se um lugar de negação da educação (Caderno 03, p. 21).
Assim, é tarefa precípua da escola oportunizar a discussão e a implementação de propostas que contemplem tais diversidades, prezando o saber constituído pelos variados segmentos sociais nela inseridos e, neste espaço, o conselho escolar tem importante papel, haja vista sua função de consultar e deliberar as diretrizes que norteiam a prática pedagógica. Assim, cabe ao conselho procurar momentos em que esta reflexão aconteça para, a partir daí, implementar no projeto político-pedagógico tais metas e, assim, garantir a inclusão de fato na escola.
A construção do projeto de trabalho pautado na valorização do conhecimento humano parte do princípio de que o aluno traz importantes experiências que precisam ser valorizadas, para que os demais entendam as variações culturais e, consequentemente, entendam que nossa história é pautada na junção de muitas histórias, consolidando dessa maneira o saber social. “O trabalho escolar pode tratar o estudante como objeto, como depósito de informações (conhecimento como produto/informação) ou como sujeito, autor de sua educação (conhecimento como saber, como construção/processo) (Caderno 03, p. 37).
O grande dilema do educar reside nesse fragmento: a opção que damos ao nosso quefazer pedagógico. Assim, o conselho pode interagir na prática, provocando uma “revolução” no pensar dos educadores, para que estes consigam, assim, apresentar maiores e melhores projeções para a educação. Isto sim, é exercer a cidadania e o pleno valor dos direitos e deveres. Saber entrar e sair em qualquer contexto, em qualquer situação, demonstrando a perspectiva de melhores dias.
Publicado em 21 de novembro de 2007.
Publicado em 21 de novembro de 2007
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