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A valorização do negro para uma sociedade menos desigual

Mariana Cruz

Entrevista com a cientista social Cristina Lopes sobre o Dia da Consciência Negra

A fim de fomentar a discussão sobre Dia da Consciência Negra, o Portal da Educação Pública realizou uma entrevista com Cristina Lopes, que trabalha com desenvolvimento local e questão racial no Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.

Para quem não conhece, o Ibase visa ao desenvolvimento comunitário como estratégia para qualificar a luta por uma política de desenvolvimento urbano que inclua as pessoas pobres na plenitude de seus direitos e que crie condições para a elaboração de políticas públicas democráticas e participativas.

O momento é necessário para a explanação do pensamento sobre a questão racial, não como uma mera comemoração do Dia da Consciência Negra, mas sim como uma reflexão sobre os rumos que essa questão vem tomando no país. Por tal motivo, nesta entrevista são abordados, de forma clara e direta, assuntos importantes relacionados ao tema, como o sistema de cotas, a inserção do negro no mercado de trabalho e o combate ao racismo.

Qual a importância do Dia da Consciência Negra?

O Dia da Consciência Negra é uma data que, além de celebrar um personagem negro da História de nosso país, Zumbi dos Palmares, dá visibilidade às demandas do Movimento Negro e de outras organizações engajadas na luta antirracista. O que eu gostaria de chamar atenção é que o combate ao racismo e às desigualdades raciais são de fundamental importância para pensar um país mais justo e democrático, uma vez que essas questões são fundantes das desigualdades que temos hoje. E isso deve ser feito todos os dias, todos os meses do ano, é uma luta cotidiana: seja nas escolas, exigindo a aplicação da Lei 10.639 (que torna obrigatório o ensino da História da África e a História Afro-Brasileira), seja na universidade através das cotas, ou no dia-a-dia, em situações de discriminação racial.

A Lei 10.639 possibilita uma ressignificação do ensino brasileiro pois, pensando somente o campo da História, apresenta o negro como um ator político de fundamental importância para a construção dessa sociedade e não mais o escravo passivo ou fujão.

As cotas raciais, por outro lado, permitem que novos profissionais sejam formados, e isto amplia o olhar para questões da população negra, seja pressionando a universidade a ter conteúdos mais plurais, seja atuando em suas áreas de trabalho com esse olhar.

De uns tempos para cá, está havendo ações para uma maior valorização dos negros (participação em novelas em papéis principais, e não apenas como escravos e empregados domésticos, sistema de cotas). Como você percebe tais mudanças?

Tanto a valorização dos negros na mídia quanto a implantação do sistema de cotas são avanços importantes, mas que marcam passos de um longo caminho que ainda temos a trilhar. Não reconhecer os avanços é silenciar a luta e a conquista dos vários segmentos do movimento negro. A principal emissora de televisão do país colocou uma atriz negra no papel principal de uma novela. No entanto, a personagem se chamava Preta, e a novela, Da Cor do Pecado. Quanto ao sistema de cotas, a discussão segue o mesmo rumo: apesar dos resultados positivos dos alunos, ainda há uma resistência enorme de universidades a implantar o sistema de cotas raciais. Já as cotas para alunos de rede pública são bem mais aceitas - e não resolve o problema dos alunos negros, que são minoria nas escolas públicas de prestígio. Essa facilidade de aceitar as cotas para alunos oriundos de escolas públicas e a resistência às cotas raciais são mais uma evidência da dificuldade que temos de debater a questão racial no Brasil. A miscigenação, que é tão benquista na teoria, encontra dificuldades na prática, pois, por mais misturados que sejamos, os mais escuros têm experiências bastante diferentes dos mais claros.

Como você se posiciona em relação às cotas?

Sou a favor das cotas raciais. Dentro do Ibase desenvolvemos um trabalho chamado Rodas de conversa - cotas raciais, por que sim?. São encontros nos quais debatemos a questão da implementação de cotas raciais nas universidades. Em 2005, quando começamos as rodas de conversa, percebemos que muitos dos jovens que são alvo dessa política pública tinham resistência em fazer uso dela por falta de informações, por repetir o discurso que circula na grande imprensa, que é majoritariamente contra as cotas. Desses encontros surgiu a cartilha de mesmo nome, que já esgotou a segunda edição. Distribuímos a publicação para os Estados do Maranhão, Pará, Amazonas, Amapá, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Para o próximo ano, lançaremos uma nova edição, atualizada. Quem quiser consultar a cartilha pode baixar o arquivo na página do Ibase (www.ibase.br).

Que tipo de trabalho tem sido feito para comemorar este Dia da Consciência Negra (dentro e fora do Ibase)?

Como já mencionei, acho que o 20 de novembro deve ser uma data de reflexão e cobrança de toda sociedade pelos direitos da população negra. As discussões concentradas neste mês deveriam se estender para o resto do ano, incorporando a agenda das instituições de forma mais transversal. Da mesma forma, a questão de gênero. É isso que temos buscado no Ibase.

21/11/2007

Publicado em 21 de novembro de 2007

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