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ESCOMBROS

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

"Desenho, legado e latência das
deficiências do 'corpo social' dos
esquecidos da 'cultura escravista' no
cotidiano carioca (1870-1898) e suas
complexidades modernas em uma era
participação globalizada"

Os escombros da sóciocultura escravista urbana do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX sob um olhar crítico e amostral do seu comportamento social na economia informal da capital do Império pelo pela lente dos cronistas da época

INTRODUÇÃO

Importante pelas circunstâncias, meticuloso na abordagem, valorizado também pelas transformações por que tem passado o mundo na transição do 'Breve século XX / XXI', principalmente no amanhecer do novo milênio de um país que nasceu 'a sombra da cruz', o presente trabalho tem como tema central: "ESCOMBROS": "Desenho, legado e latência das deficiências do 'corpo social' dos esquecidos da 'cultura escravista' no cotidiano carioca (1870-1898) e suas complexidades modernas em uma era de participação globalizada", por entendê-lo inovador, contributivo, e capaz de servir de combustível ao polêmico debate acadêmico do universo histórico-científico contemporâneo. Pretendemos observar o comportamento do escravo existente na cidade do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, no interior do que se pode considerar hoje, como 'economia informal', principalmente privilegiando os anos de 1870/71 até 1898 do século XIX.

Escolhemos estas datas principalmente por que, por exemplo, no ano de 1870/71, o país vivia a efervescência da fundação de um partido oposto ao regime que vigorava como um todo, abrigando já uma ECONOMIA INFORMAL e/ou subcapitalizada, marcada por atividades profissionais não regulamentadas, ou seja, fora da lei, cuja renda não era, como ainda não é tributada. Ela também hoje é chamada de 'economia invisível'. Pregava, também, a transformação do modelo político-administrativo para de República. Internamente, reivindicava-se com mais força a abolição da escravidão, fazendo avançar aceleradamente um processo abolicionista. A Corte do Rio de Janeiro fervia em contradições sóciopolíticas, principalmente, no comportamento administrativo e governamental, com claros sinais de esgotamento do seu regime imperial. Externamente, as exportações sofriam muito com a crise da economia capitalista internacional. O mundo passava por uma segunda etapa do processo revolucionário industrial, iniciava-se a troca da produção manufatureira pela produção manomecanica. O Crack da Bolsa de Londres, na ordem de 40% de desvalorização na moeda pólo mundial (Libra Esterlina) de uma hora para outra, desbancava notórias fortunas. Devido à rapidez dos acontecimentos, principalmente econômicos, como a inflação monetária acompanhada de um severo processo de superprodução industrial, consequentemente acompanhado de grande oferta de produtos industrializados no mercado, sem encontrar sequer comprador no espaço formal, ou legal, da economia, era desesperador. Tudo fazia crescer a economia informal, multiplicando seus personagens pelos centros urbanos, burlando a lei e a ordem. O comportamento das potências industriais do mundo capitalista, agora na fase do imperialismo, mudava, assim como também o modelo de gerencial do capital.  Aparentemente, no plano das políticas, entrar-se-ia na fase da chamada dominação políticoterritorialista, viabilizada pelo modelo de exportação de capitais. Mas, logo após, essas políticas, revelaram-se equivocadas, pois, se descobriria que a dominação territorial não seria mais necessária. O movimento do capital rapidamente  adquiriu um novo contorno cuja marca era a internacionalização veloz. Tudo contribuía para provocar a multiplicação dos abalos sócioeconômicos e culturais na capital do Império Brasileiro.

Surpreendentemente foi a fase também que para cá aumentou o fluxo de imigrantes. Aumenta o número de refugiados da seca para a capital (RJ), vindos de toda a parte do país, principalmente do nordeste. Sem falar no episódio da Guerra do Paraguai que provocou fortes  reflexos  no conjunto  sociocultural urbano da cidade do Rio de Janeiro. Guerra que teve um trágico resultado para a construção da nação. Ocorreu contra os paraguaios externamente, mas, também contra os negros oriundos do regime de escravidão, internamente. Foi uma guerra feroz em todos os sentidos. Representou o combate à ameaça paraguaia, mas também foi uma maneira de se praticar o extermínio dos escravos, ou ex-escravos que ainda permaneciam como marca forte de nossa maior contradição como nação. A data final foi escolhida por nos remeter aos estertores de um regime político-administrativo que, cansado, inadequado, extemporâneo e esgotado em suas propostas governativas, não havia conseguido, até então, ver claramente os sustentáculos que mantivessem vivas suas esperanças de poder. O Pacto das Elites fragmentava-se em disputas de interesses de grupos e subgrupos, na proporção e velocidade da oscilação das preferências do mercado externo. Aqui, as discussões políticas faziam colidir liberalismo e liberismo frequentemente, com reflexos claros no comportamento cotidiano da vida carioca.

Certamente no interior deste complicado desenho social está o nosso objeto central, ou seja, o comportamento do escravo ao ganho, personagem de singular destaque na vida cotidiana carioca, mas que observado com acuidade revelará a mais verdadeira cara do abandono em que ficaram aqueles oriundos da escravidão.

Seu comportamento sóciocultural se transmutava velozmente. Insistimos aqui em sua observação por acreditarmos que sua presença na vida cotidiana, que construiu o nosso processo cultural de encaixe e assimilação como 'corpo' do cotidiano social carioca, promoveu um esquecido desenho de cultura corporal. Abandonado nos "ESCOMBROS" da história sóciocultural construída até aqui, ela é talvez a única capaz de nos revelar uma face ainda oculta do comportamento do negro exigido a ser cidadão, patriota, para uma guerra que não era sua, embora estivesse definitivamente ainda sem pátria. E, até hoje, sua presença acarreta constrangimento em determinadas ordens sociais ditas seletas. Vive ainda, pelas suas práticas e latências de vida, introjetadas na cultura carioca que se configura por essa razão, como um 'corpo deficiente'.

I - DEFICIÊNCIAS DO 'CORPO SOCIAL' DOS ESQUECIDOS DA 'CULTURA ESCRAVISTA' NO COTIDIANO CARIOCA (1870-1898)

Aguçou-nos o interesse pelo espaço das atividades de ganho na economia informal do império por se tratar de área comercial ainda pouco explorada pelos pesquisadores na história. Fonte inesgotável de informações e novidades e, ainda necessitando de muito estudo, representa o espaço onde suspeitamos ter sido grande o emprego de negros escravos, libertos e livres. Viventes de um ambiente de relacionamentos sociais novos e diferentes. Observá-los, verificá- los, estudá- los, pode permitir a tradução da face mais sutil e surpreendente de um cotidiano vivo citadino, marcado pela pompa e o brilho de ostentar a posição de centro administrativo do Império. Inovador para nós será abordá-lo como a face mais matreira e um misto de alegria/tristeza, tanto quanto mais definidora do espírito inventivo da vida econômica carioca. Fica difícil esquecer que a economia informal guarda laços fortes com ela.

Usaremos as crônicas de Luiz Edmundo, Vivaldo Coaraci, Vieira Fazenda e João do Rio, dentre outros, pois esses tiveram acesso a ela in time.Verificar, com a máxima precisão, o comportamento social por seus olhares, verificar movimento, ritmo e relacionamentos que marcavam a vida na cidade do Rio de Janeiro no período em tela é para nós de grande valia. Por um lado, o escravo ao ganho e o vendedor livre; os bares e o gentio da cidade é aqui o foco central. As figuras sociais presas às raízes legais que não deixavam dúvidas sobre sua condição.

Parecem desaparecer no cotidiano das relações sociais urbanas, onde o escravo de ganho assume o espaço de um negociante informal é claro, mudando, portanto, sua condição social. Por outro lado também, o cocadeiro, o sorveteiro etc., parecem-nos adquirir um ar de alguém abrigado pela cultura da cidade, muito mais que execrado e explorado ou banido. Acreditamos ser ele um personagem imprescindível à vida da urbanidade fluminense da época. Suspeitamos que sua condição escrava, sofredora, perdesse muito desse significado e importância no universo das relações sociais urbanas no corpo social urbano do cotidiano da capital, na medida em que se tornava componente indispensável à vida da cidade. Fica precário e difícil acreditar que pudessem ser descartados da cena como coisa, objeto, como algo que não fizesse falta. Acabavam, por consequência, como componentes formadores de escombros culturais esquecidos no corpo sóciocultural da história do cotidiano do Rio de Janeiro, cuja sociedade da ordem, condenada ao progresso, não lhes deu a devida atenção, escondeu, ou ignorou. Mais estranho, tanto quanto surpreendente, é o fato dela ter vivido no esquecimento, evoluído e aprimorado seu desenho social, de tal forma que hoje, gigantesca em demografia com os novos ares da economia urbana, ameaça a estabilidade pública e, quiçá, a segurança coletiva.

Por tudo isto, acreditamos estar aí um viés bastante relevante para uma pesquisa se justificar. Formamos um corpo deficiente na sociedade moderna hoje, pela maquiagem simbólica de preconceituosos conceitos sociais. Não conseguimos ainda desenhar seus contornos sociais mais ocultos e definidores de velhas novidades. Possivelmente, a leitura dos cronistas tenha sido algo adequado e comum para a época. Eles jamais se poderiam ver o todo social com os olhos críticos que hoje nossas lentes permitem ver. No passado, uma economia subcapitalizada que produzia tipificações sociais, no universo simbólico, cujas características foram desprezadas. No presente, desafios sócioeconômicos gigantescos de uma urbanidade complexa cujo mundo acadêmico se esforça para entender. Não podemos mais viver como moscas presas a nova teia de relações globalizadas, prontas ao apetite da devoradora aranha dominadora do capital globalizado sem termos a mais verossímil tradução de nosso histórico desenho sóciocultural. Certamente sem eles, nos faltarão suportes e armas eficientes para o enfrentamento dos novos e difíceis diálogos que abalam o mundo moderno das relações internacionais, onde o conflitam encontros e desencontros que guardam desafios do novo e complexo embate: Localismos globais e os Globalismos Locais.

Assim, quem está mais próximo da realidade? Quem analisou ou mesmo descreveu com mais precisão a sociedade urbana carioca composta, dentre outros, do escravo liberto e do livre, do cronista ou do cientista? Não seria a economia informal o espaço da liberdade praticada pelo conjunto de uma sociedade adequada a seu tempo? Por tudo isso, o propósito de verificar o quadro das relações sociais e culturais através da condição de adaptado e adequado ao ambiente da rua, leva-nos a suspeitar que fosse o escravo um elemento de grande sofrimento e menosprezo no ethos que a cidade praticava e respirava.

Sob a suspeita de que a Cidade do Rio de Janeiro não vivia uma escravidão urbana tão cruel na 'economia informal' é que nos lançamos a pesquisar as relações sociais dela na época.

II - ESCOMBROS: COMPLEXIDADES MODERNAS EM UMA ERA PARTICIPAÇÃO GLOBALIZADA"

Entendemos que "ESCOMBROS' da cultura social popular da escravidão urbana da cidade do Rio de Janeiro, neste período, configura os variados espaços dos esquecidos personagens da cultura popular urbana no cotidiano da época, remanescente hoje, em sinais simbólicos da cidade. Preferimos olhá-los assim, por valorizar seu 'conjunto e desenho corporal'. Com o fito de identificar comparativamente sua presença e latência no conjunto cultural da nossa sociedade fluminense, acreditamos ser possível estabelecer um fio condutor que os explique. Trata-se de buscar pela correlação, denominação e/ou classificação,  o desenho mais claro do 'fio condutor' explicativo do que habita o 'corpo sóciocultural moderno complexo que chamamos de deficiente' carioca no interior da denominada 'cultura da economia informal urbana' de hoje. Contudo, cabe lembrar que nosso interesse aqui é apenas o viés cultural de sua composição e correlação. Pretendemos, sob a lente critica da produção historiográfica do século XXI, através dos cronistas de época, desenhar os contornos de um 'legado cultural de hábitos e comportamentos' ainda não vistos com a propriedade que merecem. Acima de tudo, insistimos nesse olhar por entender a história da sociedade como processo. Reiterando ainda, gostaríamos de deixar claro o fato de, até aqui, não se ter resgatado os"ESCOMBROS' da construção de nossa história social  com a profundidade e o criticismo de que são merecedores . A história do presente sempre iluminou a do passado. A cada olhar há uma história nova para se descobrir e contar. Por isso mesmo, acreditamos residir aí um importante diferencial. O tempo não pára, as mudanças sociais também não. Conscientes e interessados na ampliação e esclarecimento do conhecimento das mais candentes questões do nosso tempo social é que estamos dispostos a desenvolver a presente pesquisa. São muitas as inquietações e, principalmente, a existência de uma enorme esperança no homem através de um exercício historiográfico coletivo para formular conceitos e ideias oriundas de novas pesquisas sociais brasileira. Produzir conhecimento histórico-científico que possam ser capazes de trazer a luz problemas modernos é vital para nossa vida coletiva. Preocupados com os novos desafios sociais que o Brasil tem pela frente no terceiro milênio mais do que nunca, sabemos que sem olhar sempre o nosso passado com criticismo não dá! A história das complexidades do presente fica mais fácil quando entendemos melhor o passado!

Responder qual o significado de tão forte presença de resquícios comportamentais, hábitos e costumes do uso do 'escravo ao ganho' daquela época na vida econômica dos 'vencidos' nos parece, por si só,  desafio mais estimulante, enriquecedor e inquietante.. Expressões como 'excluído social', 'extralegal' de uma economia subcapitalizada hoje é nosso principal problema de pesquisa. Não se pode esquecer que se corporificaram e cresceram.

Assim, que valores e comportamentos permaneceram no 'corpo' da história de nossa cultura social dos quais não conseguimos nos desvencilhar e, latentes, continuam coabitando o espaço da chamada economia informal? Seriam 'escombros' de uma inventividade dos que nada tinham? Poderíamos chamar de sobreviventes, ou viventes os que se achavam nesta condição? Será que culturalmente reinventavam maneiras de permanecer participando do todo cultural, da complexa sócioeconomia urbana de hoje? Quais razões explicariam a ligação da cultura do 'ambulante moderno' a do 'escravo de ganho da época' no moderno caldo de cultura dos extralegais urbanos do século XXI? Somente o fenômeno da 'extra legalidade' seria insuficiente para esclarecer a delicadeza do problema, se sua identidade hoje nos foge o controle? Sem dúvida, elas existem nos 'escombros' da cultura urbana 'carioca' e hoje possui um 'corpo', ou constitui uma importante 'polaridade simbólica' ameaçadora em nosso 'corpo sóciocultural deficiente' inserido no todo de nosso desenho social.

Constituiriam hoje, o 'chorume' oriundo do transbordamento dos esquecidos nos escombros do corpo sóciocultural de nossa formação social. Esquecido no oculto da história popular de nossa cidade, contamina, ameaça à ordem estabelecida e a tranquilidade individual e coletiva. Seu tamanho concreto configura-se gigantesco e assustador hoje? A culpa da sociedade carioca foi não ter efetuado a tarefa de inserção social deles? Por isto É ela, a única responsável pelo quadro de desordem que enfrentamos? Por ter sido 'condenada ao progresso' a partir do século XX, relegando ao esquecimento aquela formação sóciocultural de seu cotidiano corporal, para melhor esclarecimento hoje, não seriam deficiências de um corpo? Qual o 'legado' deixado por aqueles que hoje sustentam e torna viva e dinâmica a polaridade de 'Corpo sóciocultural deficiente que temos? Em que pese o tamanho do lapso temporal, não há dúvidas que algo os liga. Algo os explica em uma relação de causa e efeito. Pois, trata-se de 'escombros esquecidos de nossa história'.

Aparentemente são incomunicáveis, mas, de alguma forma, possuem um fio condutor que explica sua permanência, latência e imanência. São marcas de um passado cultural ainda não abordadas com a profundidade que merecem. A população envolvida ainda se comporta expressando-se como se estivesse em um universo simbólico surpreendentemente do passado europeizado latente no presente. Por ter sido pouco alterado e, agora vitimado pela velocidade espantosa do progresso tecnológico, representam parte do mundo da barbárie que habita o corpo sóciocultural urbano deficiente. Insistimos na sua leitura mais aguda, pois, acreditamos poder contribuir no esclarecimento de algumas cicatrizes da cidade, no que diz respeito ao mais fino desenho de seus contornos sociais e culturais. Estamos convictos que uma verificação do ritmo, comportamento, movimento e composição do escravo ao ganho no conjunto da sociedade carioca estão exigindo um tratamento mais detalhado. Estes esquecidos culturais da história do cotidiano urbano da cidade são para o presente trabalho o problema central, cujo estudo de sua condição de liberalidade/liberdade poderá dar resposta as inquietantes questões abraçadas aqui. Acreditamos que o sentido de corpo utilizado pelo olhar científico do presente projeto, motivo de querelas teóricas candentes na atualidade do meio acadêmico, reforça, embasa e ancora nossa iniciativa de pesquisa.

O mundo globalizado da infomotricidade, infotecnologia onde o velho objeto de pesquisa rapidamente se torna um infobjeto, inexoravelmente tem facilitado abordagens mais audaciosas no campo da história da sóciocultura. Com a pretensão de vasculhar os desafiadores espaços sociais que a ideia de progresso, do fim do século XIX, não permitiu ver. Por acreditarmos havê-la esquecido no passado do cotidiano sóciocultural, principalmente da vida econômica urbana fluminense, hoje, seus sinais denunciam a caracterização de um corpo deficiente na composição de sua história social. Sinais como estes, escondidos, em que pese os vários esforços até aqui, ainda não lidos com a total clareza, dificultam o entendimento dos ethos sócioculturais composto. Desvendá-los é o que nos impulsiona. Descobri-los seria o desafio. Desenhar suas ligaduras e corporização é nosso propósito.

Não temos a pretensão de esgotar o tema. Desejamos apresentar uma contribuição para o esclarecimento desta inquietante e problemática questão. Para tanto, acreditamos em um olhar diferente sobre o passado social da cidade do Rio de Janeiro. Observá-lo nos seus flancos sócioculturais mais obscuros.

III - OS ESCOMBROS DA SÓCIO-CULTURA ESCRAVISTA URBANA DO RIO DE JANEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX .

No passado (segunda metade do século XIX), os contornos sócioculturais do cotidiano do Rio eram de uma cantoria comercial, formadora de uma "ambiência peculiar". Embora com seu ritmo próprio da época, possuía um simbolismo corporal da sonoridade cotidiana da cidade. O cocadeiro, o sorveteiro, o tigre, o vagabundo, o bebum e outros, todos, ou quase todos, personagens cotidianos do universo cultural da população, maioria composta de escravo de ganho. Sofriam uma forma dinâmica de assimilação pelo corpo cultural da cidade. Podemos perceber pelas letras dos cronistas da época que, simbolicamente, faziam parte de uma aceitação social geral. Pouco objetada pelos consumidores livres e libertos e, até mesmo, pelos súditos do Império, não ameaçavam a ordem estabelecida. Faziam parte do todo. Faziam parte de uma espécie de localismo global. Enquanto escravos representavam algo concreto e já exaustivamente explorado por nossa academia, mas, enquanto escravos ao ganho, ou seja, uma segunda condição, não assumiriam outro status no ethos cotidiano da cidade?  Se torna central esta polêmica personagem, uma variedade simbólica o cercava. Em princípio não seria o secundário escravo de ganho, profissionamente imbricado no todo da composição sóciocultural construída, aquisitor de um outro status social, cujo sabor e a cultura de encaixe que produzia, traria ao corpo da sociedade carioca elementos novos capazes de negar a maquiagem conceitual construída até aqui sobre seu papel? É inquietante não priorizar este esquecido compartimento de nossa formação sociocultural. A sua simbologia no cenário histórico é ainda latente em nossa cultura econômica de crise em nossa economia informal? Obviamente, não temos mais a figura do escravo de ganho, porém, estranhamente, suas sinalizações culturais permanecem até hoje nos escombros da história de nosso corpo cultural. É comum vê-los nos ambulantes da periferia, inclusive com mais clareza de desenho, jeito de ser, agir, se comportar, transacionar, enfim, viver. Formam, por certa ótica, uma velha novidade que nos obriga a enxergar, encontrar sentido, construir história, enfim, traçar a trajetória de sua cultura até os nossos dias. Formam hoje, retratos esparsos do velho no novo. Formariam também retratos de um velho/renovado que nos ameaça pelo abandono que se encontram?

Considerando que a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Império e sofria fortemente os reflexos das instabilidades políticas que vivia o país, buscaremos descrever as mudanças mais significativas no cotidiano dos relacionamentos sociais focando nosso olhar crítico na figura do escravo ao ganho, que acreditamos, já neste período, ser uma figura participativa do lado comum da vida urbana. Ou seja, figura encaixada na ambiência social, para quem sabe, compor um inevitável personagem social ainda não visto como merece no urbano, como os cronistas de época tão bem conseguiram percebê-los.

Principalmente no que se refere à insegurança individual e coletiva do súdito daquela época, assim como do cidadão de hoje, viveu-se tempos diferentes, mas, guardando-se as devidas proporções, temos a conjugação da mesma sombra do medo e do temor no coletivo social. Certamente, por um lado, momentos preocupantes, mas, pela composição sóciocultural híbrida que ainda temos na cidade, a primeira pode esclarecer a outra época. Centrados na História Social da Cultura entendendo dois corpos de uma mesma sociedade, mas que no conjunto formam um 'corpo deficiente' observaremos como polaridades dinâmicas da vida carioca em uma dupla face interativa no cotidiano da nossa história social. Corpos em conflito de uma sociedade do desejo para uns, e da verdade, para outros.

Principalmente no que se refere à insegurança individual e coletiva dos

súditos da Corte daquela época, assim como do cidadão de hoje, viveu-se tempos diferentes, mas, guardando-se as devidas proporções, temos a conjugação da mesma sombra do medo e do temor no coletivo social. Sabemos que é muito difícil entendermos o que realmente nos move na vida. A sociedade que temos talvez nos leve a  ver com mais clareza que somos movidos pelo híbrido medo/violência sempre ocultas. Como diz o ditado esloveno:

...temos medo que nos vejam com clareza.... Temos medo de nos vermos com clareza...
(Autor desconhecido lápide de um túmulo na antiga Eslovênia)

Certamente, por um lado, momentos preocupantes, mas, pela composição sóciocultural híbrida que ainda temos na cidade provavelmente a primeira época lida esclareça a outra. Centrados na História Social da Cultura entendendo dois corpos de uma mesma sociedade, mas que no conjunto formam um corpo deficiente observaremos como polaridades dinâmicas da vida carioca em uma dupla face interativa no cotidiano da nossa história social. Corpos em conflito de uma sociedade do desejo para uns, e da verdade, para outros. Com este espírito o presente projeto pretende verificar os comportamentos, hábitos e costumes dos escravos ao ganho na visão dos cronistas da época, como corpo sóciocultural da cidade no interior do que se pode considerar como espaço da economia informal, principalmente nos anos de 1870/98, lendo seus contornos sociais nebulosos.

Escolhemos estas datas por que no ano de 1870/91, o país vivia a efervescência da fundação de um partido oposto ao regime como um todo, propondo a República.

Reivindicava-se a abolição com mais força, fazendo avançar o processo abolicionista e, a Corte do Rio de Janeiro fervia em contradições no comportamento político-administrativo,apresentando claros sinais de esgotamento do regime imperial. As exportações sofriam muito com a crise da economia capitalista internacional com o Crack da Bolsa de Londres na ordem de 40% de desvalorização na moeda pólo mundial (A Libra Esterlina). Tudo contribuía para provocar abalos sócioeconômicos

relevantes na capital do Império brasileiro. Fase também que aumenta o fluxo de imigrantes e o número de refugiados da seca. Sem falar no fato da Guerra do Paraguai gerar resultados sociais que desorganizavam a ordem interna na cidade.

Primeiramente, aguçou-nos o interesse pelo espaço das atividades de ganho na economia informal por se tratar de uma área comercial ainda fértil em intrigantes e nebulosos acontecimentos sociais.

Representa o espaço, suspeitamos, do grande o emprego de negros libertos e livres, viventes de uma ambiência social nova e diferente. Acreditamos que observá-los em movimento, ritmo e associação no todo social urbano da cidade contribuirá para a tradução, mais sutil e surpreendente, de faces que o cotidiano da vida da época pode revelar. Uma cidade marcada pela pompa e o brilho de ostentar a posição de centro administrativo do Império. No olhar de muitos cronistas, inovadora e matreira, alegre tanto quanto definidora do espírito inventivo que fervilhava, escondia o retrato do encaixe, do ajuste e da aceitação como 'corpo de sua cultura cotidiana' o que não deveria ser visto como tal. Figuras como os escravos cocadeiros, sorveteiros, e outros, visto pelo lado corporal de sua formação cultural, pareciam parte não assimilada como escrava, no imaginário coletivo de viventes da sócioeconômica carioca.

Nas crônicas de Luiz Edmundo e outros que tivemos acesso, com o fito de verificar com a máxima precisão o comportamento, movimento, ritmo e relacionamentos que marcavam a vida na cidade do Rio de Janeiro deste período pareciam componentes indispensáveis ao corpo cultural imaginário. O que nos leva a duvidar que sua aceitação como escrava no sentido de coisa, fosse algo indubitável. Certamente eles eram indispensáveis não só como homens reduzidos a coisas na prática comercial, ou seja, mercadoria, mas, temos a certeza que, no universo de relacionamentos cotidianos, passavam a ser um componente vivo e participativo da alma social carioca.

O escravo ao ganho e o vendedor livre; os bares e o gentio da cidade é nosso foco central para nele observarmos o comportamento humano do escravo enquanto excluído social na pós-escravidão, pois, certamente gozavam de certo tipo de espaço não admitido, lateral, se observarmos pelo econômico-social. Sua figura, presa a raízes legais que não deixavam dúvidas sobre sua condição, parece desaparecer no ethos do cotidiano da cidade, cujas relações sóciourbanas aparecem sempre como um negociante não incluído na vida econômica legal, porém admitido, ou tolerado. Que cultura os sustentava? Como se relacionavam? Eram realmente laterais? O velho cocadeiro, a cocadeira, o sorveteiro, e outros, parecem-nos ter um ar de alguém abrigado pela cultura da cidade!?

Representavam o "extralegal" da cidade? Será que podemos lê-los somente assim? Muito mais que execrados, continuavam a ser explorados. Acreditamos serem eles  personagensimprescindíveis à vida da urbanidade fluminense. Talvez fosse pelo lado a legal, ou extralegal que a cidade comportava os que ficaram sendo tratados pela historiografia oficial até aqui como brejeiros, malandros, etc. Suspeitamos que sua condição escrava, ou até ex-escrava, sofredora, perdesse muito do significado e importância no universo das relações sociais da urbanidade no cotidiano.

Na medida em que se tornava componente indispensável à vida a legal ou extralegal da cidade, fica, ao nosso entendimento, precário e difícil acreditar que pudessem ser simplesmente encartados, ou descartados da cena como coisas apenas, uma vez que se tratava de gente. Um objeto que não fizesse falta? É muito provável que tal conceito precise de revisão, ou relocação. Acreditamos estar aí um viés bastante relevante para uma pesquisa se justificar. Formamos uma sociedade que não conseguimos ainda desenhar e revelar seus contornos socioculturais mais ocultos e definidores. A cada olhar as novidades nos surpreendem. Possivelmente, a leitura dos cronistas tenha sido algo adequado e comum para a época. Jamais se poderia ver o todo social complexo, com os olhos críticos que hoje nossas lentes permitem ver.

Assim, quem está mais próximo da realidade? Quem analisou ou mesmo descreveu com mais precisão a sociedade urbana carioca composta, dentre outros, do liberto e do livre, principalmente na condição que aludimos o cronista ou o cientista? Não seria a economia informal o espaço da liberdade praticada pelo conjunto de uma sociedade adequada a seu tempo, ou seja, de excluídos sociais? Por tudo isso, insistimos que ainda carecemos de uma melhor análise que desenhe um quadro das relações sócioculturais através da condição de adaptado e adequação ao ambiente da rua. Até agora tudo nos leva a suspeitar que fosse o escravo e o ex-escravo um elemento de óbvio e grande sofrimento e menosprezo no "ethos urbanus" que a cidade praticava e respirava.

Sob a suspeita de que o Rio de Janeiro não vivia uma escravidão urbana tão cruel na economia informal como podemos constatar nos relatos de alguns cronistas, é que devemos nos lançar a pesquisar as relações sociais do que poderia ser denominada economia informal ou extralegal da época.

Hoje, com relação à segurança individual, ressaltamos que algo mudou no que tange ao modelo envelhecido e, talvez inadequado de "conceituar e entender cidadania" no Rio de Janeiro moderno. Hoje, acreditamos merecer uma nova leitura pelo complexo conjunto de contornos de suas relações sociais.

A recente História Social da nossa cidade macrocéfala fluminense vem apresentando no urbano do tempo presente, mudança radicais onde "corpos" sócioculturais convivem em disputa por um espaço claramente marcado pelo espírito de territorialidade. Com relação à segunda, ou seja, Segurança coletiva pode-se afirmar que o corpo de sua memória na cidade está marcado pela ameaçadora presença da síndrome do medo. O que aconteceu? Porque ficamos assim? Quão maléfica foi nossa construção social para nos legar tão triste destino? Seria o peso da escravidão ou o do processo de desescravisação o responsável? Afinal, nossa macrocefalia urbana tem síntese legível para podermos diagnosticar os estranhos desenhos de ocorrências de hábitos coletivos comuns de violência. Certamente inadequados ao modelo de civilização ensinada, ou adquirida por "atribuição", a qual nos identifica até hoje? Certamente, faz-se mister um mergulho mais fundo e incisivo na leitura do que representamos até agora, tanto quanto também uma (re)leitura crítica de nossa construção sóciocultural para desvendar a nebulosa social que nos apresenta o todo sóciocultural complexo que apresentamos e representamos.

Somos uma cidade multifacetada, complexa, onde corpos sócioculturais disputam espaços até hoje!? Oriundos de uma nova e variada tipologia de comportamentos sociais, a violência se alastra com pouco e eficiente freio por todo o Estado. Sempre de forma estranha e inusitada. Em nosso entender, representa um dos corpos culturais diferentes, mas, ocultado por um longo tempo, e que agora, se apresenta aos olhos e olhares de nossas, talvez ainda por força de vício dos tempos de colonizados, importadas instituições como um grande e importante desafio. Sendo, por isto mesmo, objeto de nossa verificação. Com relação ao componente corpóreo em que se constituem hoje os desinentes de tal população, moveu-nos a vontade de lê-los em seus supostos corpos e almas no jogo de choques e associações que sua construção sócio-histórica guarda. A nossa preocupação é com as razões históricas de sua corporificação mais concreta, introjetada na sociedade da cidade como um diferencial sóciocultural que pelos seus discursos, jargões, calões, em fim, desenho etc., acreditamos poder revelar o desenho moderno mais verossímil de concretude.

O confronto, aparentemente, seria entre favela, área de habitação de excluídos sociais, com história solidificada nos velhos cortiços do império e, a sociedade cidadã amedrontada que, constantemente, esconde choques de corpos culturais plenamente identitários e independentes que ganham notoriedade quando a cidade começa a viver o modelo da globalização. Começa a se beneficiar de vantagens tecnológicas novas e ainda não decodificadas totalmente. O medo que uma causa na outra é absolutamente paralizante para a última. Surpreende-lhe o ethos. Altera-lhe os sentidos e desmascara o que o historiador esloveno Evgen Bavcar afirma ser a maquiagem do conceito de cidadania, como podemos ver abaixo:

Para além das expressões que, a título de maquiagem
conceitual, designam o 'corpo deficiente', prefiro lançar a
hipótese de que o 'corpo deficiente' apenas de uma
'consciência do corpo' um pouco mais aguda e um pouco
mais dolorosa, sem poder dizê-lo, devido a toda a
aparelhagem conceitual que impede essa mesma
consciência de dizer sua própria visão da história. Se o
corpo não pode dizer o que é , já está do lado dos vencidos
do progresso, de todos aqueles que não participam de
pleno direito do trabalho da história e que, em
consequência, não podem escrevê-la. Os cronistas da
história, os observadores documentaristas dos
acontecimentos do passado, por exemplo, notam e
inscrevem os acontecimentos do passado, por exemplo,
que se destacam do comum, e o mesmo acontece com o
direito à palavra, uma vez que a tradição oral não tem
direito à escrita, se não lhe derem a possibilidade de se
tornar também letra, como fez Braille no século XIX e o
Abbé de PÉpée, com a linguagem codificada dos
gestos."

Por ter sido uma referência identitária da sociedade fluminense tanto quanto do brasileiro em geral, a vida urbana da cidade do Rio de Janeiro merece um olhar mais crítico, capaz de traduzir os que não tem nem tiveram direito à  palavra em seus novos, desafiadores e reveladores contornos sociais. A população da cidade, componente importante do conjunto patrimonial da História Social do Brasil, nosso melhor espelho, foi por muito tempo nacional em dimensão e presença. Carregou e até hoje carrega a responsabilidade de sustentar-se como espelho, síntese sóciocultural de um País inteiro. Ostentou, aproximadamente por 320 anos, o peso de centro referencial político administrativo e cultural dos nossos 506 anos de existência. Não se pode ficar impassível diante da síndrome do medo que ameaça desestabilizá-la. Será que fomos sempre uma sociedade de viventes da sombra da insegurança individual e coletiva? Certamente, é inexorável que a era do conflito inclusão social (X) exclusão social, atropelado pelo velocíssimo mundo da informação globalizada nos desorienta até institucionalmente.

IV - SOB UM OLHAR CRÍTICO E AMOSTRAL DO COMPORTAMENTO SOCIAL NA ECONOMIA INFORMAL DA VELHA CAPITAL DO IMPÉRIO HOJE PELA LENTE DOS NOVOS CRONISTAS.

A infomotricidade comanda as ações humanas na quase totalidade das relações sociais. Hoje o cibercidadão se impõe como uma exigência imperiosa e requisito indispensável para a inserção no mundo global. Porém, a nossa macrocefalia urbana, multifacetada e complexidade social dificultam a tarefa eficaz nesta direção. Os desníveis de escolaridade, acesso ao emprego, qualificação profissional, estruturação e padrão familiar demonstram a impossibilidade de realização de tal tarefa, ou para não sermos tão radicais, dificultam bastante.

Claro que é urgente uma releitura de toda essa situação. Ela mudou radicalmente e seguramente precisa ser redescoberta em corpo e alma de sua construção histórico-social e cultural em um mundo convulsionado pela informação. Quem sabe associada ao chamado crime-negócio da atualidade.

Por tudo isso, também em um segundo momento, centramos nosso olhar nas mais gritantes diferenças entre os citados relacionamentos dos corpos sócioculturais, privilegiando-os no espaço ou quem sabe agora já ciberespaço urbano em que se comprasam.

Exatamente onde são desenhados e construídos suas colisões e subornos? Talvez, farsa de ambos, num Balé Excelsior de conveniências, conivências, sempre em prol da história de bem viver de uma cidade surpresa, que vê se agigantar o outro sem saber como estabelecer um freio ao seu implacável e, talvez, mimético e autoritário comportamento de violência que paralisa a sociedade cidadã.

Para tanto, faz-se necessário aqui estabelecer um elo entre as várias faces de nossa construção sócio institucional, ou seja: possuidor de uma complexa e variada prática de escravidão, vivida por quase 400 anos, cuja durabilidade temporal após Cristo, nenhum país no mundo apresentou. Uma catequese imperiosa de cidadania esdruxulamente implantada, ou transplantada por uma Constituição imperial de grande durabilidade, centralizadora, unitária e contraditória; um poder fundado no célebre "Pacto das Elites" que se apoderou de um Estado que sempre cultuou o desaconselhável hábito de imaginar uma nação sem tê-la. Em fim, um país que somente se encontra identitáriamente na velha capital, Rio de Janeiro.

Por último, acreditamos que leituras de sua História Social recente, os relacionamentos sociais dos viventes do espaço da exclusão social no urbano da cidade, poderão esclarecer melhor os elementos mais ocultos que alicerçam as razões do nosso movimento na abordagem do referido tema. Acreditamos que sua leitura possibilitará a revelação de um corpo multiface, ou corpos multifaces, capaz de contribuir na difícil tarefa de melhor entender os nocivos efeitos dos novos e complexos contornos sociais com os quais convivemos. Convictos que tanto no campo sóciocultural quanto no educacional, a cidade está exigindo uma leitura mais verossímil de seu cotidiano recente, advogamos a necessária tarefa aos pesquisadores mais audaciosos.

Concentrado em História Social e Cultural, mas com um viés sociológico, tomaremos como eixo de observação o urbano das relações sociais de uma cidade nascida a fórceps, espremida entre o mar e a montanha. O Rio nasceu lutando para ser a cidade do desejo das elites, cidade maravilhosa como se assim o fosse. Escondeu uma Historia Social peculiar e de um singular quadro de injustiças sociais. Focando o viés das relações sociais o Rio guarda a construção do fenômeno da "Capitalidade irradiadora". Foi capital do Brasil por 320 anos. É a única cidade da América Latina a ter expressão diferenciada de todas as outras. A única capital que não teve e nem tem adversários intranacionais e tampouco extra nacionais. A única capital a saborear um forte processo de aceitação, admiração e assimilação por identificação entre a esmagadora maioria da população do território nacional.

Guardando-se as devidas proporções, ostenta ainda a condição de ser a "convergência de todos os Brasis". Externamente, não enfrenta adversidades e oposições ferozes. É ainda a síntese do desejo e da identidade de um Brasil multicultural complexo, que somente se vê no espelho quando se reporta ao Rio de Janeiro. Muito de tudo isto se deve a história de irradiação comercial provocada pela velha condição de capital imperial e nacional. Provocou e disparou com mais intensidade a "interiorização da metrópole" pelo comércio, feito nas tropas e tropeiros da fase colonial, rumando para o interior do país, mascateando pelo sertão brasileiro.

Levavam um modelo de sociedade daqui, construída e idealizada sob o signo da prosperidade europeizada, progresso e vida modernas. Passava por suas terras, grande parte desse revolucionário processo transformador do interior do Brasil. É inexorável a importância fluminense no cenário da construção identitária de sociedade e cidadania que praticamos.

Porém, ainda sem rosto definido pela efervescente ebulição de raças, ideologias, culturas, comportamentos e práticas. Lutou e ainda luta por uma identificação mais acabada. Ainda vive a urgência da exigência de novas leituras sociais e culturais do seu todo social. Classificações tipológicas das práticas de relacionamentos sociais dos vários corpos sócioculturais produzidos no caldo de sua sociedade urbana moderna. O seu desenho polêmico, complexo, múltiplo e sua (re) leitura sempre revelam uma parte do Brasil surpreendentemente novidadeiro.

Contudo, optamos por usar a lente do urbano, para direcionar o foco de nossas observações nos revolucionários e muitas vezes até inadequados hábitos sociais, costumes, comportamentos, manifestações culturais e, principalmente, relações políticas dos excluídos sociais (favela), que afloraram e se cristalizaram como prática e reflexo da violência da "cidade do medo" nas várias faces que se apresentam no tempo presente (passagem do século XX/XXI). Antes "corpos calados", hoje, presença marcante no cenário urbano da cidade, introjetada na sociedade dos incluídos, como se assim o fossem, quase sempre representam um componente desestabilizador da ordem social estabelecida.

Definitivamente, a importância do presente trabalho, está no fato de também abordar a questão da segurança pública, pois o medo é arma poderosa, capaz de causar a paralisia, o engessamento da iniciativa de resposta de qualquer cidadão. Afeta a psique de quem quer que seja, individual ou coletivo. Hoje essa questão não causa apenas temor, que pode provocar diferentemente do anterior, uma ação de resposta-defesa. A situação do especial conflito que se nos apresentam os corpos em disputa é de evidenciar o primeiro. Daí sua gravidade e urgência de leitura, decodificação e possível solução. O "corpo calado",  tem a marca dos estranhos costumes dos supostamente dominados, mas, excluídos sociais. A abordagem tradicional em muitos aspectos nas últimas décadas, sem, no entanto, perder muitas das suas características, não percebeu que se constituía um universo de barbárie social no urbano da cidade. Devemos deixar claro, que não se trata apenas de cuidar da cansada dialética dos vencidos e do fanatismo vitorioso dos vencedores. Queremos ver mais.

Recentes conceitos, como o de 'corpo calado' e 'espaço do sagrado', com toda a sua habitual pertinência dentro da temática que optamos aqui, ganha uma inovação independente do seu uso, em relação aos trabalhos anteriores de outros pesquisadores. Ela está em aplicá-los a vencedores e vencidos dialeticamente, conquistadores e conquistados, cortiços e/ou favelas e condomínios de luxo. Comparando ambas no que tinham e apresentam até hoje de comum e, ainda no que possuíam de particular, acreditamos ser necessário compor um amplo quadro, significativo e, o mais completo possível de suas relações, tomando como pano de fundo uma cidade tanto "lusófona" quanto "afrófona" da construção histórica refletida no que há de recente na cidade. A visão ideológica da questão, na qual a fórmula mental  orienta a atuação dos principais protagonistas da história, assumirá o primeiro plano da análise, constituindo-se no fio condutor da nossa narrativa.

O destaque deste aspecto aparece explícito no título desse trabalho. Insistimos que essa hipótese funcione mais como um alerta quanto à ênfase adotada em primeiro plano e não quanto à sua exclusividade. Diante disso, advertimos que se deve assumir uma visão integrativa do problema do desafio de desenhar os corpos em conflito, na qual as unidades constitutivas do tema superam o cansado particularismo da análise puramente cartesiana.  Deve-se avançar para além deste olhar.

Deve-se discorrer sobre a forma o mais clara e incisiva possível, sob os conceitos empregados no interior do todo social complexo dos dois corpos. Expô-los continuadamente ao longo de sua construção. Acreditamos que não se tratam somente de dois corpos distintos, separados até então por um oceano físico e ideológico, mas sim, de dois conjuntos sociais que podem se identificar por conceitos gentílicos de origens diferenciadas. Que compartilham, em muitíssimos aspectos, de formas similares de encarar o outro. Assim como, também, a natureza circundante. Centrando nossa análise nos dois pontos já referidos, utilizando-os como elemento organizador, o nosso trabalho tentará construir um parco, tímido desenho do mundo de conflitos e de realizações, na criação e identificação de nova e complexa sociedade urbana do Rio de Janeiro, anestesiada pela síndrome do medo da violência em que está mergulhada.

Para tanto, não podemos esquecer que a história da construção da cidade oficial é apesar da identidade conhecida como europeizada, dividida hoje em um conjunto de supostos micro-Estados, cujo território é defendido pelas armas de um exército não oficial criminante. E ela somente se deu conta disto recentemente. Fato que se deve a seu caráter contemplativo, voltado para discutir todos os problemas externos. Hábito herdado do comportamento cultural do "Pacto das Elites", e tradicionalmente estabelecido no país desde longa história. Assim, é fundamental, ainda, observar que em ambos formava-se uma organização multicentralizadora de poderes violentos, ainda que baseada em gênesis diferenciadas. A convergência não se reduz ao movimento similar da esfera político-administrativa interna. Ambas se baseiam, também, no papel exercido pela conquista de territórios. Território do morro, local de abrigo da malandragem que denominam os policiais que os combatem, de 'alemão'. Vistos como de fundamental importância para a sobrevivência de seu Estado (corpo calado, ou que se cala), ainda que no caso especial, aqueles assumiam papéis variados nas relações sociais com os conquistadores. Eles convivem, ou lutam? Seria essa "guerra" o agente efetivo de aglutinação de poder e a religião afro-brasileira a incentivadora do processo de sua identificação, ou seja, a mantenedora dos resultados por sua dupla face de ritos e prática de fé?

Julgamos que aqui reside o principal elemento de disparidade, pois a tecnologia de produção, vinculada aos objetivos a serem alcançados em qualquer análise, se materializam de forma diferenciada, explicando em parte o sucesso dos cidadãos urbanos formais. Os cidadãos formais entendiam e entendem a territorialidade do espaço dos povos, como a submissão completa ao Estado dominante, ou seja, o deles. Com a imposição de suas leis, língua, hábitos e costumes. A catequese da ordem era e é a única reconhecidamente capaz de tornar o dominado um ser integrado, aceitável, tolerável ao novo sistema de vida que sempre lhe impunha e impõe.

Desenvolvidos, era este o presente e o resultado do conjunto das partes, cada qual desempenhando um papel segundo a sua importância. Neste mundo organizado, segundo valores hierarquizados, o outro vencido e conquistado, ocuparia um lugar subalterno e desprezado, são os excluídos sociais, ou seja, talvez, os "eliminados sociais", cuja história se encontra nos escombros esquecidos e abandonados que não valeria a pena olhar, pois atrasa o objetivo maior que é o progresso desejado.

Supomos que estas diferenciações quase que se anulam durante o confronto, no qual valores e conceitos mais amplos se impõem e, de alguma forma, permanecem dentro do desafiador mundo novo que se forma hoje na cidade.

O sagrado talvez signifique o poder e a posse, a consagração do espaço recém-conquistado, talvez simbolize a transformação do caos em cosmos, pelo ritual divino da "cosmogonia. Possivelmente, o dominador acabe por comemorar falsas conquistas. A cosmo-visão que, pautada pelo sagrado numa relação intrínseca com os deuses afro-descendentes, "cosmogoniza" o território ao conquistá-lo, repetindo os atos divinos que organizavam o suposto caos, espaço dos esquecidos. Dava-lhe estrutura, normas e formas marcadas sempre pelo poder tirânico da violência causadora do medo. E este paralisa, engessa, imobiliza e faz refém às almas dos dominados, composta por um batalhão de despossuídos nas favelas, e, como foram no passado os antigos cortiços da cidade do Rio de Janeiro.

Possivelmente, somente estão assim pela absoluta ausência do Estado formal. Dessa maneira, os "Corpos deficientes",  mereçam atenção e constituam algo realmente especial. Pois refletem sempre o retrato do temor do conflito e não do medo. Seriam aqueles que vivem cotidianamente nas favelas que mais sofrem a síndrome do medo que desejamos constatar aqui. Como afirma o historiador Bavcar:

O direito à palavra deve então existir para todos os
que, de um modo ou de outro, representam uma
consciência do corpo diferente, reconhecida ou velada,
evidente ou dissimulada, mas, seja como for, um saber
reconhecido pelas instituições, pelas mentalidades e pela
terminologia contemporâneas."

É sabido que ocupam espaços sagrados distintos, aproximam-se pela suas concepções mentais religiosas e fanáticas, mas só não têm direito a palavra. São tolhidos pelo preconceito do outro. Possivelmente, diferenciem-se nas suas representações, confundem-se nos seus rituais. Assim, a delimitação contextual torna-se necessária para evitar as generalizações. A partir das constatações das analogias das concepções mentais entre um e outro, em relação à construção dos seus "espaços sagrados", procuramos estabelecer as questões relativas à alteridade, ao etnocentrismo, evangelização, sincretismo e resistência. "Michel Certau" embasa e dispara o nosso reexaminar para além dos códigos, gírias e jargões utilizados pelo outro.

Sabemos que a complexidade deste tipo de análise residiu nas circunstâncias dos objetos a serem estudados. Representações simbólicas, que foram interpretadas pela historiografia social de acordo com os paradigmas quase sempre eurocentricos, acolheram  os espectros do outro sob a condição de se calarem para sempre, mas não se calara como vemos constantemente. Certamente, interpretar pela ótica etnocêntrica, muitas vezes não apreendendo aquilo que o outro fez, é inquietante. Trata-se, sim, daquilo que consideramos que fosse o real. O que para os da sociedade formal constituí o inteligível, pois a inteligibilidade se instaura numa relação com o outro, se desloca modificando aquilo que faz seu outro, não considerando o outro do imaginário. Segundo Certeau, nesse contexto é que se situou a complexidade do saber dizer a respeito daquilo que outro cala. Apesar de o outro consistir no "fantasma da historiografia", a produção historiográfica que nos foi legada representará um acervo valioso para recuperar a história das sociedades em conflito no urbano da cidade do Rio de Janeiro no referido particular do tempo presente, ou seja, no alvorecer do novo milênio para inserção em um mundo complexo da globalização que será, de agora em diante, uma das preocupações centrais do que iremos fazer.

Os procedimentos utilizados para a análise das fontes e do reexame de suas representações reinterpretam o não-dito. O oculto nos documentos dos sem direito a palavra escrita (história social oral) é indispensável. Na historiografia oficial, o conhecimento do outro pode ser captado com aquilo que excluiu, criando assim um espaço próprio, e que encontrou sua segurança nos dados que se extrai do dominado. Constrói-se o saber sobre o outro e a compreensão do seu passado. O querer saber ou querer dominar o corpo transformou a tradição recebida em texto produzido sem escrita, que não se "interessou por uma verdade escondida que será necessária encontrar". O corpo se revelará, supomos, como um código que aguarda ser decifrado. Por esse motivo, o corpo excluído torna-se o objeto da nossa análise.

Segundo Michel Foucault o corpo se converte em extensão, em interioridade aberta, em cadáver mundo exposto ao olhar. O corpo visto, transforma-se em corpo sabido e as "heterologias"se constroem em função da separação entre o saber que contém o discurso e o corpo mundo que o sustenta. Todorov analisou o corpo que cala, o outro como uma tipologia para tratar a alteridade. Destacou três planos fundamentais para se compreender essa problemática: axiológico, o paraxiológico e o epistêmico. Eles precisam também de novas leituras, uma vez que todos estão envolvidos em um mundo marcado pelo grande conflito mundial da globalização, ou seja: a falta de diálogo entre as "globalizações locais e as localizações globais". O primeiro, quando se faz um julgamento de valor, o segundo, por meio de uma ação de aproximação ou de distanciamento, adotando seus valores, identificando-se com o outro ou então lhe impondo submissão e o último, quando se conhece ou ignora a identidade do outro. Embora haja uma interligação entre os três, não significa que possam se reduzir um ao outro. Sabemos que a historiografia europeia não reconhece a alteridade. Os dominados foram tratados como inferiores. Seus valores culturais foram ignorados e a política empenhou-se em assimilá-la junto aos princípios cristãos. Porém, aqui se vivia a liberdade do abandono por um momento, e o dilema da lei do império, tanto quanto o império da lei, em um jogo de poder do clube do "Pacto das Elites". Todorov,  destacou como mais importante foi a ideia de divindade, a religiosidade, e não a religião que permitiu uma nova discussão sobre a alteridade e o etnocentrismo, por isto os corpos ganham em complexidade em suas leituras de conflitos. Segundo ele, a igualdade não se estabeleceu à custa da identidade, pois "cada um tem o direito de se aproximar de Deus pelo caminho que lhe convier". Isto nos permite lê-los com mais independência, pois podemos suspeitar que se aproprie de seu Deus, fazendo dele um instrumento da luta territorialista no cotidiano da cidade. Evidenciam uma nova relatividade da noção de barbárie.

Os estudos da etno-história e da arqueologia, sobretudo os de Alfredo Austin, Angel M. Garibay e Pina-Chan, entre outros especialistas, sobre a escrita e a língua, apresentaram excelentes resultados para maior compreensão dessa sociedade. A reconstituição das concepções mentais dos dois corpos faz-se urgente. "Mikhail Bakhtin", em sua obra sobre Rebelais, revelou a visão do mundo elaborada no correr do século pela cultura popular que se contrapõe, sobretudo na Idade Média, ao dogmatismo das classes dominantes, dados que nos leva a inferir, como Bakhtin, que temos, por um lado, dicotomia cultural, mas por outro, circularidade. Influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica, particularmente intensa na primeira metade do século XVI. Podemos utilizá-la para o trabalho.

Sabemos que segundo "Carlo Guinsburg" o que tem caracterizado os estudos da história das mentalidades no campo de observação cultural do corpo é a insistência nos elementos inertes, obscuros e inconscientes de uma determinada visão de mundo, mas, hoje, a maior violência é a inexorável necessidade de se globalizar. Diz ele que as sobrevivências, os arcaísmos, a afetividade e a irracionalidade da violência delimitam o campo específico da história das mentalidades, distinguindo-a com clareza de disciplinas paralelas e hoje consolidadas como "história das ideias". Ideias que distinguirão a centralidade inexorável da pesquisa que o presente trabalho sugere.

Acreditamos que a cidade do Rio de Janeiro tenha vivido, no período que escolhemos para esse estudo, o seu mais complexo universo de relacionamentos sociais urbanos. Suspeitamos ter sido um momento de  nossa história social que deve ser levantado sob o signo da complexidade, ou seja, sob o signo do início da fase aguda da construção do comportamento de liberdade para os escravos que viviam no espaço urbano.

A partir desse período, a cidade passou a apresentar uma ambiência social que merece particular atenção. Não se pode desprezar os registros dos cronistas da época, tanto quanto os mais recentes, os quais nos apresentam uma cidade comercialmente diferente. Crônicas dos principais cronistas da velha cidade como Vivaldo Coaraci, Luiz Edmundo, Vieira Fazenda e outros que se encontram na Biblioteca Nacional e no Arquivo Público Nacional.

CONCLUSÃO

Assim, com o propósito de descrever a vida cotidiana da Cidade da Cidade do Rio de Janeiro durante o início do período mais agudo das lutas político-ideológicas e abolicionistas; descrever o comportamento da vida econômico-social informal tem o fito de apresentar os novos contornos dos relacionamentos sociais da cidade na ótica dos cronistas. Considerando que a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Império e sofria fortemente os reflexos das instabilidades políticas que vivia o país na época, tentamos descrever as mudanças mais significativas no cotidiano dos relacionamentos sociais, focando nosso olhar crítico na figura do escravo ao ganho, que acreditamos , já neste período de que nos ocupamos, ser era uma figura participativa do lado comum da vida urbana. Ele se encaixa na ambiência social, mas não se sabe quase nada de sua corporalidade sóciocultural, o seu corpo ainda carece de melhores desenhos na sua vida livre. Compor um inevitável personagem social, talvez de um outro mundo social paralelo, no "urbano da cidade", é um desafio que reputamos de grande monta. Os cronistas tão bem conseguiram observá-lo, mas pelo lado romântico da cidade.

Os "ESCOMBROS': desenho, legado e latência das deficiências do 'corpo social' dos esquecidos da 'cultura escravista' no cotidiano carioca (1870-1898) e suas complexidades modernas em uma era participação globalizada". Os escombros do sóciocultural escravista e ex-escravista no urbano do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, tudo sob um olhar mais crítico, que nos permitam fazer uma coleta de fatos capazes de construir um quadro amostral da sua comportamentalidade social dentro da economia informal na capital do Império, fica difícil se somente nos concentrarmos na lente dos cronistas da época.

Os documentos mostram o nosso personagem de forma diferenciada. Algumas vezes aparecem como cocadeiro (a), sorveteiro (a), vagabundos (as), vadios (as) etc. Habitantes de um espaço sóciocultural ainda não absolutamente desenhado pela historiografia recente, em que pese os vários esforços até aqui. Alegar que era apenas o espaço da rua como querem muitos, é limitar uma incursão mais audaciosa.

Assim, fica o alerta que o esforço deve continuar no sentido de decodificar os corpos que habitavam e habitam o espaço da rua. Principalmente com o alerta para o fato de serem corpos socioculturais que viviam e vivem até os dias atuais em conflito. É inexorável que possamos promover uma real inclusão social dos mesmos na sociedade da ordem. Muitos, até hoje, vivem portando carteira de identidade sem serem economicamente reconhecidos. Suas latências reverberam preocupantemente de maneira surda no mundo da empregabilidade em nosso meio. Precisamos dar um basta a tudo, de uma vez por todas. Não se pode tolerar que em um "Rio dos vários brasis...", como afirma Carlos Lessa, tenhamos que conviver com tão triste retrato social.

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Publicado em 27 de janeiro de 2007.

Publicado em 27 de fevereiro de 2007

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