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Uma questão de mercado

Pablo Capistrano

No final dos anos oitenta era costume que um ou outro colecionador de vinis ganhasse uma grana gravando coletâneas em fitas K7. O negócio era simples, alguém entregava uma lista de músicas e, mediante um pagamento módico pelo serviço, recebia uma fita com suas canções prediletas. Qual o motivo disso? Geralmente quem procurava o serviço não tinha o desejo de comprar os discos, ou mesmo gostava só de uma ou duas músicas do LP de uma banda qualquer e não se sentia confortável em levar o "bolachão" inteiro. Nos carros não existiam os aparelhos de CD nem as conexões de IPOD. Se você quisesse se livrar da programação das rádios necessitava de um belo estoque de fitas K7 dentro do porta-luvas. Ah! Ainda havia as tais festas nas garagens e nos terraços das casas de praia e como ninguém havia descoberto ainda o prazer de passar boa parte da festa trocando vinis, algumas pessoas recorriam aos serviços especializados dos gravadores de fita K7 para fazer a trilha sonora do roquezinho de fim de semana. Esse era um negocio promissor que morreu antes de crescer, junto com o advento do CD. O fato é que eu nunca, em toda a minha vida, ouvi falar de alguém que houvesse sido processado por alguma gravadora por ter em casa um aparelho três em um, uma coleção de uns mil vinis e algumas listas de músicas para gravar.

No fim de Outubro a Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD) anunciou que iria iniciar 20 processos civis contra usuários que se utilizam de programas como Kaazaa, SoulSeek ou LimeWire, numa onda que começou com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Você pode estar se perguntando, qual a diferença de se baixar gratuitamente uma música da Internet e se mandar gravar uma fita K7 na casa de um amigo? A rigor nenhuma. Nos dois casos a gravadora não recebe dinheiro pelo consumo do seu produto. A diferença fundamental está no rombo da conta.

Nos últimos anos a arrecadação da indústria fonográfica brasileira caiu pela metade. Isso tem um impacto imenso em toda a cadeia produtiva. Hoje, as bandas precisam se apresentar mais, e ninguém se dá ao luxo de manter uma vida musical dentro de estúdios de gravação como o Legião Urbana levava na década de 90. O próprio conceito de "álbum", que moveu toda a indústria da música da segunda metade do século passado para cá, parece que está sendo revisto. Hoje, o single volta triunfante, como a chave da introdução de novas bandas no mercado digital. A ideia de construção de uma obra completa e fechada, lacrada numa caixa de acrílico e com um encarte colorido parece que pede terreno para a simples informação codificada. A grande dificuldade do mercado está justamente no fato de que o produto, o objeto físico, está desaparecendo. Pergunte a seu filho ou a seu irmão mais novo, quantos CDs ele tem. Talvez ele te olhe com uma cara estranha e diga: "Ehnn?".

No universo da pirataria virtual são as músicas e não os álbuns que fazem as regras. Sem suporte físico, o produto se torna a pura informação e não uma coisa. Mas a dificuldade de se controlar a transmissão da informação pelo meio virtual é justamente a maior virtude da internet e o maior calo das corporações que querem lucrar cobrando diretamente dos usuários. Quando o objeto do desejo é a informação sempre vai aparecer uma possibilidade, na rede, de se conseguir de graça aquilo que teoricamente se precisa pagar. Então a saída dos desesperados é mesmo a de encontrar vinte bodes expiatórios e tentar algum impacto no volume de downloads com uma espécie de política do terror. No final das contas, se você baixa uma música paga, por 2,50 (se você ficar só com o single), pode até sair no lucro, mas se você resolver baixar o disco todo, acaba gastando o mesmo que um CD, e nem ganha a maravilhosa caixinha de acrílico nem o fantástico encarte colorido com as letras e o agradecimento da banda a todos aqueles que contribuíram para etc etc etc. Ou seja, acaba saindo no prejuízo, enquanto as gravadoras maximizam os lucros sem custos adicionais de  prensagem, distribuição e armazenamento. Pois é, parece que a guerra pelo domínio do mercado virtual começou. Agora, o importante, para quem tem a boa vontade de encontrar uma saída justa, é não esquecer que, onde não há verdade, não há paz.

Publicado em 20/06/2005

Publicado em 27 de fevereiro de 2007

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