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Retalhos no crepúsculo

Cláudia Dias Sampaio

A mulher lê, ainda.
O marido chega em casa, logo pergunta pelo jantar.
Ela não sabe o que a prende ali
- na teia sempre-viva-vermelha -
a perpetuar esperanças e neuroses da vida a dois.

No descompasso de quem procura forma e espaço,
prossegue,
saudosa do que não foi.
Triste pelo que é.

O que é isto?
Essa repartição a espelhar o cinza escuro dos dias mais sombrios?
O mal-estar de quem pensa que a vida é jogo, e a vez é sempre do outro?

Prossegue no descompasso.
Sempre-vivo-vermelho,
ora melancolia, dia-a-dia vigor.

Ora, vigor!
Raiz combativa.
Apesar de...

Pois o que a prende à vida é o cintilante da borda do mar.
Sobre areia e sal,
da tarde viva-vermelha de Ipanema.
Ainda e sempre.

Não que desconheça Vidigal, Rocinha ou Dona Marta.
Sabe do Azul e dos Prazeres.
E se derrama quando pensa na concórdia que há por lá.
Quase utópica para os do asfalto.

Mas a luta, neste momento, é pelo caleidoscópio,
feito de palavras, versos, estrofes...
O trabalho missionário de produzir azuis.

Talvez ela possa colocar,
ou alguém ver nele,
a escuridão da dor dos que vivem nas favelas.

A poesia é tanto isso quanto tudo o mais.

Seria justo chamá-la de superficial?
Mero souvenir, distante do que vemos ou somos neste XXI?

Não há dúvidas:
a dor da morte de um menino favelado
- a pauladas -
por roubar no Guimarães,
é mais urgente que um poema.

Intraduzível.
Lance pusilânime de um mal-estar terrivelmente pior.

Naufragamos.

Hoje o espaço é raro.

Mas ela segue,
à procura de forma e espaço.

Um instante de liberdade.

Quem sabe o encontre,
no dia em que se colocar na partida.
Ou perceber que o naufrágio será mais terrível,
quando sacolejar seu caleidoscópio e perceber que não há mais amarelos ou rosas.
Quiçá azuis prateados da borda do mar de Ipanema.

Apenas os vidros de sempre,
cinzas e sangue.

Pubicado em 1/4/2008

Publicado em 01 de abril de 2008

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