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Desconstruindo discursos

Leonardo Soares Quirino da Silva

Desde 2002, a cada terceiro domingo de cada mês, o Museu da Vida, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), realiza o evento Contadores de Histórias, em que textos literários servem de introdução a um tema a ser apresentado por um pesquisador ou por um divulgador científico para discussão com o público, formado em sua maior parte por pais e crianças de 5 a 12 anos.

Em suas apresentações nesses eventos, pesquisadores e divulgadores tendem a misturar termos tecnocientíficos com palavras do dia-a-dia para conseguir criar empatia com o público e passar seu recado. Esse comportamento foi observado pela pedagoga Adriana Assumpção durante a pesquisa de sua dissertação Práticas Discursivas em um Evento de Divulgação Científica – Programa Leitura e Ciência da Fundação Oswaldo Cruz, defendida em julho de 2007 no Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde (Nutes) da UFRJ.

Segundo Adriana, com base nos resultados da dissertação será possível melhorar o formato de atividades como a Contadores de Histórias para conseguir que elas tenham maior interação e consigam aproximar público e pesquisadores, que é um dos objetivos do evento.

A hipótese de trabalho de Adriana era de que o discurso dos divulgadores constituiria uma cadeia, ao trazer elementos da ciência e os transformando em divulgação. Com isso, a divulgação constituiria um discurso próprio.

No fim, o que se observou foi que “o discurso era um imbróglio que ia misturando o discurso científico com o dados do cotidiano”, disse Adriana. Em geral os divulgadores recorriam a analogias, exemplos, metáforas e ao uso do diminutivo inho, este na tentativa de se aproximar das crianças.

Pesquisa

Para realizar sua pesquisa, Adriana teve que assistir e ouvir 49 apresentações feitas entre 2002 e 2006 para selecionar as que atendiam aos critérios da pesquisa. Todas as apresentações e perguntas foram gravadas em vídeo e áudio, o que facilitou seu trabalho.

Entraram na pesquisa cinco apresentações que relacionavam ciência e saúde. Esse critério foi escolhido por estar em sintonia com a missão da Fiocruz. Depois foram organizadas por tema, área de atuação, gênero, tempo de atuação que o expositor tinha na área, visando conseguir o grupo mais heterogêneo possível segundo a pesquisadora.

Para analisar o discurso, a exposição do raciocínio por parte dos apresentadores, Adriana tomou como referencial teórico a metodologia de análise do discurso de Bakhtin e trabalhos de autores que estão trabalhando com divulgação científica em museus – tendo Bakhtin como referencial ou não – para ver como pesquisadores estruturavam seu discurso durante as apresentações.

O primeiro ponto estudado desses discursos era o contexto de produção. “Aí, queria ver como eles estruturavam suas apresentações, as razões pelas quais mudavam sua linha de argumentação, se ignoravam ou não o público, se tentavam usar recursos dialógicos”, disse Adriana.

A pesquisadora também ficava atenta aos chamados já-ditos, palavras ou expressões que o apresentador, inconscientemente ou não, achava que eram do conhecimento de todos. Além disso, foram elaborados perfis de pesquisadores e divulgadores, para ver como influenciavam seu discurso.

Adriana lembra que, para Bakhtin, a vontade discursiva do falante se realiza, antes de tudo, na escolha de um certo gênero do discurso; essa escolha é determinada pelo campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta de comunicação discursiva e pela composição pessoal dos seus participantes.

Por sua vez, a Divulgação Científica incorpora aspectos linguísticos do discurso científico e do discurso cotidiano, buscando a formulação de um discurso compreensível para grupos sociais distintos dos pesquisadores e seus pares.

Assim, é possível considerar o discurso da Divulgação Científica como um híbrido constituído por re-significações do discurso científico. A Divulgação Científica realizada nos museus de ciências pode representar um lócus privilegiado para inserção dos sujeitos em outras comunidades discursivas que os aproximem da compreensão do discurso da ciência.

Ao mesmo tempo, compreender as implicações teóricas da produção discursiva na Divulgação Científica pode contribuir para a construção de um novo campo do conhecimento, que, segundo Marandino, ainda está se constituindo num amplo movimento social e cultural.

Adriana acrescenta que percebe que a variável origem (em relação à formação e à área de atuação) não representou um ponto a ser considerado na formação discursiva, pois, mesmo aqueles sujeitos que têm sua origem na pesquisa e atuação estritamente ligada a esta área, constroem discursos muito próximos daquelas pessoas que atuam na Divulgação. Alguns priorizam a construção do conhecimento científico, enquanto outros estabelecem como prioridade a história da instituição articulada com a sua história pessoal e a escolha pela área de atuação.

A estrutura do discurso produzido é do cotidiano, mas a seleção e as escolhas de abordagem partem do que o convidado prioriza para essa esfera de comunicação.

A estratégia institucional de articular leitura, literatura e ciência parece mais clara nos eventos em que o convidado inclusive relaciona os textos abordados com sua apresentação.

As variáveis formação acadêmica e área de atuação parecem não interferir na forma como cada convidado se apresenta e na estrutura do seu discurso. Na verdade, isso não ocasionou diferentes práticas discursivas.

O contexto social e histórico é extremamente importante, por isso foi assumido como categoria de análise nesta pesquisa. Essa premissa permitiu compreender que as cadeias enunciativas são construídas mediante o contexto imediato de produção e sofrem muitas variáveis, a começar pelo público de final de semana, o que difere muito de outras práticas de Divulgação Científica, em que o contexto social de produção é controlado (por exemplo, jornalismo científico e atividades para grupos determinados).

A construção do discurso da Divulgação Científica não se caracteriza como uma reformulação do discurso científico, mas utiliza enunciados com características de diferentes gêneros, em que o principal objetivo é a compreensão da ciência; neles se utiliza um léxico que pode dar novo sabor às palavras.

Fazendo uma analogia com as considerações de Barthes, o sal das palavras é o que torna o saber fecundo. Acreditamos que a Divulgação Científica seja uma estratégia para dar um novo sabor às palavras já utilizadas nos enunciados construídos, tendo como base a linguagem científica. Esse sabor pode propiciar uma experiência diferente no contato com a ciência, através da degustação de novas palavras que possibilitem outras descobertas.

Publicado em 15 de janeiro de 2008

Publicado em 15 de janeiro de 2008

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