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Nosso Circo
Pablo Capistrano
Ocorre um crime brutal em um bairro de São Paulo. Imediatamente a polícia isola o local e começa o recolhimento das pistas. No rastro da polícia, aparece a imprensa e a notícia surge meio capenga, isolada, perdida no vaivém de um telejornal.
Logo, logo, uma autoridade constituída, responsável pelo inquérito, começa a vazar aqui e acolá para um repórter amigo uma ou outra informação sobre as investigações. Subitamente o espaço no noticiário aumenta e iniciam-se as especulações sobre o crime. À medida que as primeiras hipóteses vão surgindo, são levantadas novas teses, contradições, aparecem dados novos, outras hipóteses, mais discussão. Rapidamente, na fila de banco, na padaria, no cinema, no elevador, as pessoas começam a especular sobre o assunto.
Nesse momento o telejornal começa a ceder mais e mais de seu tempo para os arredores do crime; as autoridades do inquérito agora dão entrevista coletiva. Especialistas são chamados, e, nos programas de fofoca da tarde, os cronistas do vazio se ocupam em repetir neuroticamente a mesma coisa por duas ou três horas seguidas, sob o pano de fundo de uma sequência tocante de fotos da vítima com seus familiares.
Repentinamente, a opinião pública entra em comoção. Pessoas com problemas emocionais e psiquiátricos se dirigem ao local do crime para chorar. Gente solitária reza em memória da vítima, criam-se vigílias, redes de discussão, associações; de súbito, enquanto centenas de jornalistas se acotovelam para conseguir mais uma imagem dos suspeitos saindo da delegacia, entrando em casa ou voltando para a mesma delegacia de onde saíram, um tema emerge.
Surge um problema, uma questão, um assunto de importância fundamental para a sociedade brasileira. Os partidos se movimentam, professores universitários são chamados para dar opinião nos programas de TV, nas escolas, as aulas são marcadas por debates calorosos sobre o tema, com grupos de cinco ou seis alunos tomando posições. Por fim, propõe-se um projeto de lei para alterar alguma coisa, e uma delegação de ilustres deputados é nomeada para falar com o presidente.
Um mês depois, tudo volta à mais tediosa e absoluta normalidade. Os acusados continuam sua via crucis processual, a vítima continua morta, enterrada em alguma caixa de concreto; a família da vítima continua a sofrer em sua solidão, em meio ao vazio sem fim daquela ausência; a imprensa vai procurar outro assunto; os delegados, advogados e promotores perdem seus cinco minutos de fama e voltam à rotina obscura de suas profissões, as associações se desfazem, os professores são confinados novamente no seu porão acadêmico, os partidos políticos voltam a se preocupar com o mais importante (a próxima eleição) e o projeto de lei criado para resolver qualquer coisa encalha em alguma comissão do Congresso.
Foi assim com Tim Lopes, foi assim com João Hélio, foi assim com Liana Friedenbach, está sendo assim com Isabela Nardoni; e será assim com a próxima vítima. Esse é o circo de nossas ansiedades. O show de nossa vida, tão carente de sentido e emoção. Saber o porquê de tantas pessoas serem possuídas de súbito por um estado histérico em função de um único, irredutível, e instantâneo tema é um belo enigma humano.
Como diz a história: certo dia dois homens caminhavam apressadamente, por longas horas, até que um perguntou ao outro: “Fulano, afinal de contas, para onde estamos indo?”. O outro sorriu e respondeu: “Não tenho a mínima ideia, mas sei que a gente está quase chegando”.
Publicado em 15 de julho de 2008
Publicado em 15 de julho de 2008
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