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Os grupos de encontro de Carl R. Rogers
Andersen Viana
Andersen Viana é maestro e compositor, professor e produtor cultural
Histórico, objetivos e seus tipos
Nos Estados Unidos, em época anterior a 1947, Kurt Lewin, psicólogo do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), desenvolveu a ideia de que o treino das capacidades em relações humanas era um importante mas esquecido tipo de educação na sociedade moderna. O primeiro grupo, intitulado T-Group, foi realizado em Bethel (Maine) em 1947, após a morte de Kurt Lewin.
Seus colaboradores continuaram a desenvolver esses grupos no MIT e, mais tarde, na Universidade de Michigan. Os grupos reunidos em Bethel durante o verão ficaram muito conhecidos, tendo gerado a organização dos National Training Laboratories, com sede em Washington. Direcionada a administradores e diretores do campo industrial, surgiu a primeira tentativa dos grupos National Training Laboratories, pois a indústria podia arcar com os custos do experimento inicial. A designação T-group foi inicialmente adotada para grupos de relações humanas, em que se procurava ensinar a observação da natureza, das suas interações recíprocas e do processo de grupo. Partindo desta observação, presumia-se que o grupo seria mais capaz de entender sua própria maneira de funcionar num grupo e no trabalho, bem como o impacto que poderia ter sobre os outros, tornando-se mais competente para lidar com situações interpessoais difíceis.
Nos grupos organizados pelos National Training Laboratories, constatou-se que as mudanças nas experiências pessoais eram profundas. O pensamento lewiniano e a psicologia gestaltista, de um lado, e a terapia centrada no cliente, por outro, foram as bases pelas quais o movimento foi inicialmente desenvolvido. Dentre os variados tipos de grupos existentes destacam-se os T-groups – grupos que foram criados para desenvolver as capacidades das relações humanas, porém ganharam significados e perspectivas muito mais vastos. Esses grupos dividem-se em diversos tipos, reunidos por uma direção determinada: o grupo de encontro básico, que objetiva o crescimento pessoal, o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e das relações interpessoais através de um processo de amadurecimento e experiência vivencial; o grupo de treino de sensibilidade que pode assemelhar-se a qualquer dos grupos referidos; o grupo centrado na tarefa, que é largamente utilizado na indústria e foca na tarefa de grupo e no seu contexto interpessoal; os grupos de percepção sensorial, grupos de percepção corporal, grupos de movimento corporal, estes relacionados com a expressão do corpo; o grupo de desenvolvimento da organização que tem por objetivo principal desenvolver a capacidade de liderança nos participantes; o grupo de formação de equipe, que é amplamente usado na indústria para desenvolver maiores laços de união entre equipes de trabalho eficientes; o grupo gestáltico, que se baseia na terapêutica gestaltista, em que um terapeuta experiente se concentra com um indivíduo de cada vez sob um ponto de vista diagnóstico e terapêutico.
Há grupos de dirigentes de organizações, pessoas associadas na vida diária na indústria, na educação e em todas as possibilidades encontradas nos locais de trabalho. Existem inúmeras possibilidades para a criação dos grupos, desde grupos de encontro de pais com crianças na UTI neonatal até grupos musicais que apenas se encontram no palco para a repetição do espetáculo – este seria um tipo especial de grupo, centrado apenas no interesse econômico da atividade, não se constitui de fato num exemplo eficaz de grupo de encontro.
Podem existir também grupos maiores que se reúnem através de workshops ou laboratórios, em que todos os grupos se juntam através de uma conferência; os grupos de casais, que se reúnem na possibilidade de ajuda recíproca; o grupo de família, em que várias famílias se agrupam e os pais aprendem com os próprios filhos e com os filhos dos outros e vice-versa.
Para todos estes grupos existem as diferenças oriundas do tempo reunido – fins de semana, semana ou várias semanas –, além de grupos maratona, que se reúnem continuamente durante vinte e quatro horas ou mais.
O processo
A ansiedade, a surpresa e a irritação são a marca registrada de qualquer grupo na fase inicial; isso se deve geralmente à falta de infraestrutura; o maior problema que se apresenta aos participantes é a maneira como vão passar o tempo juntos. Aos poucos vai ficando visível que a meta principal do participante é encontrar meios para se relacionar com os outros e consigo próprio. As primeiras mostras são fachadas e máscaras, pois somente gradativamente se começa a explorar os sentimentos e atitudes para consigo mesmos e de uns para com os outros. Apenas depois de algum tempo e com o devido cuidado emergem os verdadeiros sentimentos, revelando verdadeiras pessoas. Dessa forma, os participantes acabam por conhecer mais a si próprios e a cada participante, o que não seria possível na relação cotidiana. A partir desse ponto, inicia-se uma relação melhor com os participantes do grupo e, futuramente, nas variadas situações do dia-a-dia. Durante as vinte, sessenta ou mais horas de sessões, nota-se a complexidade das interações que surgem, descobrindo certas linhas que podem ter interseção. Isso pode acontecer cedo ou tarde, não existindo uma sequência definida. Rogers reafirma ser uma metáfora de “uma rica e variada tapeçaria”, diferindo de grupo para grupo, embora certas espécies de tendências fiquem evidentes na maior parte desses encontros intensivos.
A criação de um grupo de encontro é algo invulgar. Inicialmente, o facilitador, ao dizer que se trata de um grupo que tem total liberdade, acaba por trazer ao grupo uma tendência natural a um período de confusão, silêncio desconcertante, de comunicação superficial, conversas sem profundidade, frustração e descontinuidade, pois pessoas que não se conhecem deverão permanecer um bom tempo juntas. A confusão e a frustração são naturais nesse processo inicial. A tendência a provocar uma reação ambígua no grupo acontece no período de hesitação, em que atitudes pessoais podem ser vistas. Essa experiência pode ser descrita como “experiência da existência de dois eus”: um eu que se mostra ao mundo e o outro que existe apenas intimamente.
Frequentemente o líder é atacado por não conseguir imprimir uma orientação conveniente; a primeira expressão do eu verdadeiro tem tendência para surgir em atitudes negativas em relação aos outros membros do grupo ou ao líder. Uma das melhores maneiras de avaliar a liberdade e a confiança do grupo são as expressões negativas como os primeiros sentimentos. Conclui-se que os sentimentos profundos e positivos são mais difíceis de exprimir que os negativos. A espontaneidade e o sentimento benéfico podem ser rejeitados, expondo a vulnerabilidade da pessoa, ao contrário do ataque do qual se pode defender com as mesmas armas (“chumbo trocado não dói”). Quando o indivíduo se encaixa naquilo que pode ser encarado como “seu grupo”, inicia-se a sensação de confiança, através de um processo que pode ser chamado “viagem ao centro do eu”, diversas vezes muito doloroso. Nos grupos de encontro, os participantes são expostos a confrontações diretas. Tanto a aceitação como a repulsa fazem parte do processo de grupo.
O início de qualquer mudança no nível pessoal é a autoaceitação, e a partir do processo de autoconhecimento é que são lançadas as bases para as mudanças. A dinâmica do grupo de encontro reside no fato do não-consentimento ao indivíduo para que ele se esconda atrás de uma máscara, exigindo que cada participante seja ele próprio e não outro “eu”. Nesse processo de integração ao grupo, o indivíduo obtém informações sobre a maneira como está sendo visto pelos outros, o que lhe proporcionará subsídios para mudanças. O termo feedback é a forma que os integrantes do grupo desenvolvem para interagir entre si, e o mesmo pode vir a se desenvolver sob a forma de confronto, que poderá ser positivo ou negativo.
Nos grupos de encontro, o chamado “encontro básico” é o contato mais diretamente ligado a uma maior intimidade social – usual na vida cotidiana –; um dos fatores de maior estímulo nos grupos de encontro é quando o indivíduo se esforça ou sofre com um problema e o grupo o ajuda. Esse fato está entre os aspectos mais importantes no âmbito da experiência de grupo, pois pode se expandir fora da ação do próprio grupo, o que é muito estimulante e benéfico. Rogers diz que, quando existe a livre expressão dos sentimentos e eles são irrestritamente aceitos, acabam por trazer a positividade e a irmanação entre os participantes; isso acontece cada vez que as sessões prosseguem em mútua confiança, com o desenvolvimento de um maior compromisso afetivo do grupo, que tenderá para desenvolver o sentimento de positividade – e de forma especial a verdade, seja ela positiva ou negativa.
O desenvolvimento da confiança acaba por gerar uma maravilhosa e real solidariedade entre os indivíduos, mudando a postura e o gestual, concluindo por se tratar das variadas e significativas mudanças vivenciadas.
Após a experiência
A experiência de grupo não é um fim em si, mas seu significado é mais importante quando reside na influência que tem sobre o comportamento mais tarde, fora do grupo. É onde se constatam as verdadeiras mudanças e influências na vida de cada indivíduo, resumindo-se em diversos cambiamentos, em nível pessoal, vocacional, profissional, intelectual e filosófico, dentre outros, o que pode significar mudanças na qualidade da comunicação entre pais e filhos, na escola, nos negócios; enfim, na vida. À mudança e ao crescimento pessoal, segue-se a agitação na vida dos indivíduos e, inequivocamente, nas instituições. Contudo, existem casos em que as pessoas se desenvolveram, mas as instituições não. No âmbito acadêmico, podem ocorrer mudanças nas posições dos professores e na comunicação entre professores, administradores e alunos. A libertação de maus hábitos adquiridos, o encontro da felicidade na liberdade, o enfrentamento da ausência e dor na vida pessoal, a autoconfiança e a coragem, entre tantos outros fatores, são os resultados da vivência dos grupos de encontro, que, se seriamente conduzidos, podem vir a ser uma das mais importantes experiências na vida de um indivíduo.
A solidão
Nunca antes na história da humanidade a solidão pertenceu a tantos. Numa era em que as máquinas substituem progressivamente o ser humano em todos os campos de atuação, a solidão vem se colocar como algo quase que irremediável na vida das pessoas. A arte contemporânea criada por escritores, pintores, escultores, músicos, cineastas e poetas, dentre tantos outros, vem também exprimir o verdadeiro eu e sua solidão, na esperança de que se possa ser compreendido, obtendo a resposta e a aceitação que se procuram para atenuar a própria angústia. A superpopulação do mundo e a pasteurização da cultura apenas influem no processo de crescimento da solidão, acrescido pelo medo que as pessoas possam ter das relações íntimas.
Nesse aspecto, a Internet veio preencher um espaço na vida contemporânea, mas criou outra questão: uma nova forma de solidão e relacionamento no domínio digital – impessoal e ultrafrio – moldando um novo modus operandi de comportamento social no qual sequer Rogers poderia imaginar-se inserido. Na experiência de um grupo de encontro pode residir também a solução para a solidão e para a ausência de relacionamento com os outros. Ao indivíduo resta a solução de arriscar-se a tentar um contato humano direto, despindo-se da armadura que vestiu para se proteger das armadilhas da vida, aliviando-se de sua inexorável solidão e compartilhando-a com outros indivíduos, mostrando, de forma digna, aspectos de sua personalidade que antes o envergonhavam.
Constatar-se-á que os participantes do grupo mostrarão muito mais interesse pelo eu verdadeiro – com todas as imperfeições que possa ter – do que pela armadura construída ao longo dos anos.
Aplicação
Variadas aplicações dos grupos de encontro situam-se também no âmbito da indústria, em que o grupo centrado na tarefa tem sido usado nas organizações industriais. Uma das mais inventivas utilizações foi o tratamento de problemas psicológicos que aparecem quando duas companhias se fundem e nas igrejas que adotaram o grupo de encontro como parte dos seus programas, em seminários, com grupos de líderes religiosos, com membros de ordens e com paroquianos. Numa instituição religiosa, o objetivo específico é construir o sentido de comunidade, fomentando a comunicação entre as gerações mais velhas e as mais novas.
Relações raciais
Rogers aborda a questão de criar grupos de encontro nos quais possa ser colocada a questão racial, mas cita a dificuldade de financiamento e o medo que os indivíduos podem ter de um contato mais próximo com outras pessoas que podem ter atitudes, pensamentos e sentimentos muito diferentes entre si. Até 1970, pouco se avançou na questão interracial entre negros e brancos e entre mestiços e brancos, o que poderia ser de grande valia para tratar as tensões interpessoais e intergrupais; os grupos de encontro são um excelente ponto de partida.
Instituições de educação
Em algumas instituições de educação têm sido encontradas possibilidades de aumentar a participação nos programas de grupos de encontro por parte dos educandos e da melhoria da comunicação entre professores e alunos, administradores e professores, administradores e alunos. Tem havido experiências suficientes nessa linha, e é perfeitamente possível aumentar a comunicação em todas essas relações; é lamentável que a educação tenha demorado tanto para utilizar essa nova ferramenta social. É possível conseguir um número muito grande de mudanças nas estruturas administrativa, social e política das organizações, além de todos os tipos de inovação nas aulas, que podem incluir também as famílias.
Futuro
Segundo Rogers, o conceito dos grupos de encontro pode ser uma presa fácil para oportunistas e exploradores que, em síntese, objetivam benefícios próprios, financeiros ou psicológicos. Nesse âmbito se inserem os nudistas, os manipuladores, os desejosos de poder e fama, que podem vir a dominar o universo dos grupos de encontro. Nesse caso, todas as proposições levarão ao charlatanismo e ao benefício dos líderes, não ao crescimento pessoal dos participantes.
Em uma era cada vez mais tecnológica, industrializada, impessoal e de superpopulação, parece óbvio que os grupos de encontro se propõem a ser uma grande alternativa à desumanizacão da sociedade moderna. A partir do desenvolvimento ainda maior desses grupos, pessoas poderão vir a ter as devidas ferramentas para uma maior humanização do meio em que vivem para contrabalançar forças iguais e opostas. De modo sistemático, os grupos de encontro podem ser um valioso instrumento contra a solidão e a alienação do ser humano na sociedade contemporânea. De meados do século passado até o presente momento, os avanços e constantes desenvolvimentos dos grupos de encontro têm sido saudáveis e amplos, suscitando pesquisas no Brasil que resumem bem o espírito deixado por Rogers, como os trabalhos de Regina Lúcia Leal Barros da Silveira.
Os grupos de encontro têm refletido em sua síntese a necessidade de uma maior comunicação social e psicológica para que a sociedade como um todo possa superar os grandes desafios estruturais da modernidade, em uma era de contradições e grandes mudanças.
Proposta
Uma boa proposta que poderemos sugerir é a criação de um grupo que se beneficie mutuamente em três direções distintas: física, social e comercialmente. Esse grupo seria formado exclusivamente por atores da cadeia produtiva da cultura – artistas de todas as áreas, produtores executivos da área das artes e promoters, entre outros – que sintam a real necessidade de se beneficiar da sua criação. Esse grupo se reuniria para “caminhadas culturais”, por exemplo, em algum parque da cidade onde os participantes poderiam se exercitar fisicamente em caminhadas de duas horas de duração. Além do benefício obtido com o exercício físico, reconhecido cientificamente, durante o trajeto os participantes teriam a oportunidade de se socializar com os outros participantes e de trocar informações que podem ser úteis para a concretização de novas parcerias entre artistas e empresários, possibilitando a concretização de novos negócios e geração de renda.
Sobre o autor
. Graduado em Composição Musical pela UFMG, é doutorando em Música-composição na Universidade Federal da Bahia. Especializou-se em Composição Musical e Música para Cinema na Itália, com Ennio Morricone, Luca Salvadori e Polizzi, e na Suécia (Accademia Chigiana di Siena, Reale Filarmonica di Bologna, Arts Academy of Rome, Royal College University of Music in Stockholm). Recebeu 18 premiações por sua obra musical na Bélgica, Brasil, EUA, França e Itália. Em 2001, sua obra foi objeto de tese de mestrado defendida na UniRio. Em seu catálogo musical constam 242 obras, abrangendo de canções populares a sinfonias, ópera e música para filmes. Possui um banco de projetos com variadas propostas artísticas e culturais. Além do Brasil, tem desenvolvido estudos e trabalhos na Bélgica, EUA, França, Grécia, Honduras, Itália, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Rússia e Suécia.
Site: www.andersen.mus.br
E-mail: vianabr2005@yahoo.com.br
Publicado em 15 de julho de 2008
Publicado em 15 de julho de 2008
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