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Diálogos entre História e Educação: O ensino de História e a diversidade cultural

Bruna Marques Cabral

Graduanda de História do Instituto de Filosofa e Ciências Sociais da UFRJ

O presente artigo visa discutir o ensino de História como uma responsabilidade social, e os problemas que a escola brasileira enfrenta, em virtude da diversidade cultural presente em nosso país e, por conseguinte, não sabe lidar com as crianças e jovens dos estratos sociais mais pobres, constituídos, na sua grande maioria, de negros e mestiços.

Segundo muitos pensadores contemporâneos, vivemos na pós-modernidade. No entanto, não cabe discutir esse conceito aqui, mas podemos constatar que pelo menos num aspecto, todos os pós-modernos concordam: atravessamos uma crise de paradigmas. Contexto em que o conhecimento é sistematicamente colocado a prova, ao mesmo tempo em que se afirma o relativismo das verdades historicamente construídas pela Modernidade. É nessa configuração, que discutimos o ensino de História.

O ensino dessa disciplina, até a década de 70 do século XX, centrava-se na concepção, diríamos, reprodutivista e positivista da História. Reprodutivista porque tal modelo, ao destituir o aspecto dialético e crítico da disciplina, serviu como instrumento de reprodução ideológica do Ditadura Militar. E positivista pela crença de que o desenvolvimento histórico é resultante de um “progresso” natural, desdobrando-se numa sucessão de fatos explicados para uma relação lógica de causas e efeitos, cujos atores são sempre os grandes nomes da História política.

Nesse sentido, uma análise mais acurada da história das instituições educacionais em nosso país, por meio de currículos, programas de ensino e livros didáticos, mostra uma preponderância da cultura dita “superior e civilizada”, de matriz europeia. Os livros didáticos, sobretudo os de História, ainda estão permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos, escamoteando assim a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do país. Dessa forma, despreza-se a participação das minorias étnicas, especialmente índios e negros; quando estes aparecem nos livros didáticos – seja em forma de textos ou de ilustrações – são tratados de modo pejorativo e preconceituoso.

Nesse contexto, de predomínio de uma história eurocêntrica e consequentemente de desprezo das minorias étnicas, é importante ressaltar a acuidade de Bordieu, que, a partir da década de 1960, formulou uma resposta original e bem fundamentada para o problema das desigualdades escolares. Assim, essa resposta foi um marco não apenas para a história da Sociologia da Educação mas também da prática educacional em todo o mundo, uma vez que, até meados do século XX, predominava uma visão otimista de inspiração funcionalista, que enxergava a escola como uma instituição neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo, e aqueles que se destacassem por seus méritos ocupariam posições superiores na hierarquia social.

Nos anos 1960 ocorreu uma crise do paradigma funcionalista e uma reinterpretação do papel dos sistemas de ensino na sociedade e, por sua vez, a eclosão do paradigma marxista ou crítico, tendo como um de seus precursores Pierre Bourdieu. Para ele, a educação é um meio de legitimação dos privilégios sociais. Portanto, questiona a neutralidade da escola e do conhecimento escolar, e argumenta que o que essa instituição representa e cobra de seus alunos são os valores e as crenças da classe dominante, apresentados de forma dissimulada, como uma cultura universal.

Apesar da renovação teórico-metodológica da História nos últimos anos, o conteúdo programático dessa disciplina na escola fundamental tem primado por uma visão monocultural e eurocêntrica de nosso passado. Um exemplo: o estudo da chamada História do Brasil inicia-se a partir da chegada dos portugueses, ignorando a presença indígena anterior ao processo de conquista e colonização. Exalta-se o papel do colonizador português como desbravador e único responsável pela ocupação de nosso território; em contrapartida, oculta-se o genocídio e o etnocidio praticados contra as populações indígenas no Brasil.

Já os africanos que aportaram em nosso território na condição de escravos são vistos como mercadoria e objeto nas mãos de seus proprietários. Assim, nega-se ao negro a participação na construção da história e da cultura brasileiras, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza nacional, trabalhando na cultura canavieira, na extração aurífera, no desenvolvimento da pecuária e no cultivo do café, em diferentes momentos de nosso processo histórico.

Destarte, quando se trata de abordar a cultura dessas minorias, ela é vista de forma folclorizada e pitoresca, como mero legado deixado por índios e negros, mas dando-se ao europeu a condição de portador de uma “cultura superior e civilizada”. Nesse sentido, dentro da concepção teórica de Marx, podemos afirmar que a educação escolar desempenha o papel de transmissora da ideologia dominante. Assim “as regras de funcionamento da escola e seus conteúdos de aprendizado dão meios para reproduzir a desigualdade da sociedade capitalista” (Meksemas, 2003, p. 67).

Podemos dizer que os manuais didáticos que silenciam e até mesmo omitem a condição de sujeitos históricos das populações negras e ameríndias têm contribuído para elevar os índices de evasão e repetência de crianças oriundas dos estratos sociais mais pobres. A grande maioria adentra os quadros escolares e sai precocemente sem concluir seus estudos no Ensino Fundamental por não se identificarem com uma escola moldada nos padrões eurocêtricos, que não valoriza a diversidade étnico-cultural de nossa formação.

Nesse sentido, podemos dizer que a escola brasileira continua elitista e não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes provenientes dos setores subalternos da sociedade. Estima-se que a criança negra apresenta índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas. Alguns fatores podem explicar a razão disso tudo: conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas educativos, associados ao comportamento diferenciado do corpo docente das escolas diante das crianças negras e brancas.

A partir do final dos anos 70 do século XX, novos atores sociais na cena política – movimentos populares, sobretudo os ligados ao gênero e a etnia – passaram a reivindicar maior participação e reconhecimento de seus direitos de cidadania. Entre esses movimentos sociais, podemos mencionar o movimento indigenista, o qual reivindica do governo a demarcação das terras indígenas e o direito à sua própria cultura, e os movimentos de consciência negra, que lutam, contra quaisquer formas de preconceito e discriminação racial, bem como pelo direito à diferença, pautada no estudo e valorização de aspectos da cultura afro-brasileira.

É nesse contexto que se insere a questão relativa à valorização da diversidade étnico-cultural de nossa formação no sistema educacional brasileiro, no qual desponta a inserção de temáticas e conteúdos programáticos sobre a história da África e do negro em nosso país. Assim, considero de fundamental importância a inclusão do ensino de História da África no currículo da educação básica, por saber que a instituição escolar tem papel fundamental no combate ao preconceito e à discriminação, porque participa na formulação de atitudes e valores essenciais à formação da cidadania de nossos educandos.

É importante ressaltar que o conhecimento da História da África e do negro poderá contribuir para desfazer os preconceitos e estereótipos ligados ao segmento afro-brasileiro, além de contribuir para o resgate da autoestima de milhares de crianças e jovens que se veem marginalizados por uma escola de padrões eurocêntricos, que nega a pluralidade étnico-cultural de nossa formação.

O corpo docente, sobretudo o que exerce o magistério no Ensino Fundamental, precisa estar habilitado a trabalhar com essa nova temática curricular, sendo importante fazer cursos de extensão sobre História da África e da cultura afro-brasileira. No ensino superior, poder-se-ia fazer uma maior intervenção para que, no currículo obrigatório dos cursos das áreas de ciências humanas e sociais, esteja presente a disciplina História da África; é importante lembrar que, na graduação de História o aluno só estuda História da África em uma disciplina eletiva.

Após inserir a disciplina no currículo desses cursos, há que se pensar na formação de profissionais em nível de pós-graduação em estudos afro-brasileiros, com a finalidade de contribuir com avanços na pesquisa científica dessa área.

Portanto, um longo caminho precisa ser percorrido para que a escola seja um instrumento de afirmação de uma identidade pluricultural. O ensino de História, ao priorizar a construção da identidade nacional, tem sido bastante omisso no tocante à valorização das culturas das minorias étnicas. Assim, a falta de conhecimento das peculiaridades e das especificidades regionais, em um país com dimensões continentais e dos elementos referenciais das culturas silenciadas, como índios, negros e imigrantes, nos currículos escolares têm contribuído para a formação de preconceitos e estereótipos por parte dos próprios brasileiros.

Diante dessas vicissitudes o papel do professor de História se modificou, o que não quer dizer que este desaprendeu, mas sim ganhou uma consciência que adquiriu sobre suas próprias limitações e pela complexidade que se revelou o conhecimento histórico com novos estudos e enfoques. Entretanto, a História foi destituída de seu status de consolidadora do passado, tornando-se o que de fato ela é: uma ciência em construção.

 Nesse sentido, o papel do professor extrapola o conteúdo de sua disciplina, levando-o à condição de mestre e aprendiz. A lousa não deixa de existir, o livro didático permanece como ferramenta de aprendizado, as provas continuam a ser cobradas, mas o conhecimento adquirido na contemporaneidade, não se limita a esses elementos.

 Podemos dizer que, ocorre uma desterritorialização do espaço de aprendizado, visto que, sem eliminar a aula expositiva e os exercícios de sala de aula, aprende-se e ensina-se História em muitos espaços e por diversos meios, como por exemplo, a ida ao museu, pelo uso de um vídeo, por leituras paradidáticas de revistas ou de jornais.

 Por fim, neste novo cenário, ensinar História significa impregnar de sentido a prática pedagógica cotidiana, na perspectiva de uma escola cidadã. Assim, precisamos propiciar, por meio do ensino em todos os níveis, o conhecimento de nossa diversidade cultural e pluralidade étnica, bem como a necessária informação sobre os bens culturais de nosso rico e multifacetado patrimônio histórico. Pois só assim, estaremos contribuindo para a construção de uma escola plural e cidadã e formando cidadãos brasileiros conscientes de seu papel como sujeitos históricos e como agentes de transformação social.

 Em suma, a escola é reprodutora, na medida em que trabalha com determinados conhecimentos produzidos e acumulados pelo mundo científico, mas transformadora, visto que promove uma apropriação crítica desse mesmo conhecimento tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da sociedade global.

Bibliografia

LUCKESI, Cipriano. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MEKSEMAS, Paulo. Sociologia da Educação. 11ª edição, São Paulo: Loyola, 2003.
NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins & NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da Educação de Pierre Bordieu: Limites e Contribuições. Revista Educação e Sociedade. Ano XXIII, nº 78, abril 2002.

Publicado em 05 de agosto de 2008

Publicado em 05 de agosto de 2008

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