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Uma proposta de trabalho

Luiz Canelhas

Eu trabalho com Ensino Médio em uma escola pública, especificamente em um Ciep, ministrando aulas de Física. Vejo que muito se fala e pouco é resolvido; em minha opinião nada é resolvido. A lei, a LDB, preconiza a preparação para a vida, criar um cidadão preparado para enfrentar os desafios do mundo moderno... Vejo alunos que não sabem interpretar textos, não conhecem o básico de Matemática, consequentemente não possuem as condições mínimas para estudar Ciências Naturais... Olhe a grade (quantidades de aulas de determinada ciência por semana) das escolas públicas do Rio de Janeiro; Língua Portuguesa e Matemática são bem privilegiadas!!!

Como se explica então o fenômeno citado? Sabe-se que o acesso ao 3º grau é importante dentro da sociedade moderna; qual o percentual brasileiro de acesso às universidades pelas classes menos favorecidas (sou contra o sistema de cotas)? Devemos ficar "passando a mão na cabeça" dos ditos desprivilegiados e fornecendo ensino tradicional pago aos futuros alunos das universidades federais (as ditas boas escolas particulares – pois o sistema produz uma quantidade enorme de péssimas escolas particulares)? Filho da classe A estuda em escola pública? Eu me recuso a crer que tenho que fazer parte dessa farsa que discrimina nossos jovens e, no final das contas, o abandona à própria sorte, ensinando falsas esperanças, não lhe dando acesso às universidades federais e ao mercado de trabalho qualificado. Não tenho as soluções, mas acho que tenho noção do quanto modificamos um ser humano quando lhe cobramos mudanças de atitude e de compromisso com o futuro.

Você ficaria orgulhoso de dizer que seu filho é um juiz, engenheiro, funcionário da Petrobras, médico, o melhor técnico da região, ator da Globo, oficial das Forças Armadas... O que geraria em você esse sentimento de satisfação? Seja honesto consigo mesmo e reflita sobre essas questões. É isso mesmo que queremos para os tais jovens desfavorecidos? Quem somos nós, afinal?

Se formos coadjuvantes no processo, tudo bem, sinto-me um orientador, é verdade, mas isso nada altera meu objetivo. Acredito ser fundamental conquistar o respeito do aluno; é indispensável ficarem transparentes as intenções, mas amizade é outra coisa. Essa condição surge (ou não) no processo desencadeado e vivido dentro do ambiente acadêmico, não sendo condição única ou primordial para o sucesso dos discentes em qualquer âmbito de atuação pretendida por eles. Devo mostrar caminhos – não trilhá-los a seu lado! Se for necessário despertar seus brios, suportarei dois ou três anos de animosidade, se necessário... Muitos já fizeram questão de voltar à minha escola para agradecer os dias de luta que vivemos juntos!

Definitivamente gostaria de não ter que viver na minha pública escola como em uma escola particular que busca não perder o cliente bom pagador... Vivendo inverdades, suando frio quando me deparar com o baixo rendimento da turma, criando mecanismos de avaliação para mascarar os resultados...

É verdade, já fui profissional nisso... Terei que ser novamente? A quem estarei agradando desta vez? Quanto a escola ganha com isso? Novas obras serão feitas, computadores serão comprados, novos bebedouros, ventiladores de teto, unidades portáteis de DVD, um computador por sala, ar-condicionado central para todo o prédio da escola, estacionamento privativo, laboratórios de Ciências Naturais funcionando com auxiliares de formação técnica... Afinal, quanto vale o futuro desses jovens? Terei que me contentar em encontrá-los atrás dos balcões da vida?

Outro dia fui procurado por uma aluna que estava bem fragilizada em sua autoestima, dizendo ter se matriculado em um curso preparatório para as provas de acesso às universidades públicas de nosso estado, contando que o professor do curso disse que ela foi enganada pela escola, pela minha escola... Querendo saber de onde o professor do curso tinha tirado "aquelas coisas", senos, cossenos, fórmulas... Era Trigonometria, colegas, somente isso, relações trigonométricas... Será que o tal professor de cursinho tinha alguma razão?

Como afirma Howard Gardner na descrição da escola de seus sonhos, ela deveria ser assessorada por um número tal de profissionais que ao professor restasse fazer aquilo ao qual se propôs, ou seja, dar aulas! É isso que vemos em nosso sistema? Não me venham com frases feitas nessa hora: não estamos aqui para dar receitas de bolo! Ora ora... Será que eles sabem entrar em uma sala de aula e resolver os embates do dia-a-dia? Você quer mesmo ser um "superprofissional multimídia", um misto de psicólogo, médico, assistente social, doutor em ciências gerais (se é que existe alguém com tal título), mestre em informática, grande leitor de manuais (datashow, DVD, TV, amplificadores, mesa de som, fax, xerox...), um grande especialista em convívio humano, interagindo com a comunidade, famílias, polícia, ministério público, é isso que você quer? Segura essa responsabilidade toda? Se a resposta é sim... Então, meu amigo, candidate-se nas próximas eleições, você quer ser político!

Na minha pobre expectativa, gostaria de propor a criação de uma página dos comos, um site – blog serve também – para podermos colocar nossas experiências que deram certo ou errado, auxiliando os colegas docentes com vivências de nosso dia-a-dia. Ninguém que é serio quer as coisas de graça, mas uma ajuda sempre é bem-vinda. O bom é que poderemos trocar ideias sem nos vermos pessoalmente; pela tela não saem brigas ou discussões infrutíferas, você poder ler aquilo que julgar interessante, respondendo quando se sentir à vontade... Não é bom? Não vai ter que olhar para essa minha cara feia, é só usar aquilo que acredita ser interessante pra você, melhor ainda: sem pagar nada por ideias de quem vive a mesma realidade que você!

Sou professor do Ensino Médio em uma Escola Pública... Devo me envergonhar por isso? Muito Obrigado por sua preciosa atenção.

Resposta de um ex-aluno:

Caro Luiz,

Não considero viável a criação de uma pagina na Internet com esse intuito. Creio que a interação pessoal seja o caminho mais interessante para obter algum tipo de resultado, por mais ínfimo que ele seja. Considero a discussão frente a frente mais fortificante, mais envolvente, mais concisa. Não sei da disponibilidade, mas o ideal seria algo no formato de congresso ou simpósio, para exposição de projetos, pensamentos, filosofias... A Internet afasta as pessoas, ao invés de levá-las a interagir. Ela é fria, impessoal. Para criar um plano de ações educacionais, mesmo que local, é preciso envolver a comunidade, ouvir a todos. Argumentar, rebater; haver réplica e tréplica.

Talvez pelo fato de o espaço ser grandioso, você conseguisse arquitetar, na escola em que leciona (Ciep), um encontro com todos os interessados, para que possamos chegar a um consenso e planejar uma estrutura educacional mais forte, aliando três pilares fundamentais: boa vontade, dedicação e interesse pessoal.

Mas, pra mim, a interação pessoal é a base para concretizar algo nesse sentido.

Até.

Respondendo a um amigo e ex-aluno:

O problema é que sempre se esbarra no problema “horário dos que trabalham”, a grande maioria nunca se encontra nem em conselhos de classe!! Para você ter uma ideia, existem aqueles que guardam a tal falta mensal permitida. Se você tiver duas não justificadas, são mandadas ambas para desconto em folha; mesmo assim tem-se que avisar (em teoria). Essa falta é usada para não se apresentar quando as reuniões pedagógicas são no sábado, dia em que todos poderiam comparecer. Muitos nunca se manifestam para ver se a reunião acaba mais rapidamente, chegam a reclamar de quem quer prolongar os debates! Alguns se sentem ofendidos e começam a agredir quando são interpelados sobre seus motivos, os mansos de coração somem ou se anulam nessas horas; enfim, a mentira acaba sobrepujando as boas intenções... A web é uma ferramenta poderosa, quem sabe poderíamos colher um número amplo de pessoas pelo nosso Brasil que passam por problemas similares, podendo assim fazer pressão lá em Brasília? Poderíamos talvez nessa hora começar os embates pessoais que você tanto deseja, arregimentar aqueles que realmente se interessam em solucionar o problema, pressionar os detentores do poder, fazer com que “eles” adquiram vontade política, coisa que não vemos nos dias de hoje. Esses debates surgem sempre em época de campanha eleitoral, muito se fala em palanques, inauguração de escolas... O que queremos, acredito que você também esteja incluso, é a melhora de qualidade do ensino brasileiro. Agora há pouco, estava assistindo na GloboNews a um debate entre um sociólogo da USP e um antropólogo da UFRJ sobre este tema (qualidade de ensino, acesso à universidade, desfavorecidos) e o atual sistema de cotas. Até quando não faremos nada? Você acredita mesmo que o poder estabelecido vai abrir espaço para denunciarmos suas falhas?

Há 30 anos existia uma série de profissionais trabalhando dentro da escola para dar suporte ao corpo docente e discente da escola; hoje os governantes acreditam poder diminuir salários e aumentar as funções do cara que está lá para dar aulas, existem hoje dentro das escolas públicas pessoas que viveram épocas melhores em recursos e salários; encontram-se totalmente desestimuladas e decepcionadas; seus sonhos foram abortados, estão apenas esperando a aposentadoria!!! Os mais novos, que sonham em dias melhores para si e seus filhos, é que devem assumir essa luta, mas não contem com os professores, não... Vejo como estão os jovens professores (chegando pelos concursos): estão ali por falta de coisa melhor para fazer; alguns são mais desiludidos que os antigos, já são frutos de uma sociedade de consumo: quem ganha um salário desses é um m... Estão ali por desespero! Um desses antigos falou dos tempos anteriores a ele quando o salário de um professor era comparável ao de um juiz... Que profissionais não seriam atraídos por um salário desses, por matrícula? Que nível de cobrança poderíamos impor, assim sendo? Imagine tudo isso com psicólogos, orientadores educacionais, orientadores pedagógicos, agentes de integração comunidade-escola, bibliotecários, orientadores tecnológicos (formados em informática, engenharia), laboratórios com profissionais técnicos, professores explicadores... O melhor de tudo: escola integral. Estou querendo montar uma comunidade séria na Internet com pessoas que queiram dar aos nossos jovens, vindos de lares com todo tipo de “renda familiar”, acesso às nossas melhores universidades, promovendo uma verdadeira transformação social... Dizia outro dia um expert no assunto: “É preferível termos um taxista de nível superior hoje do que mantermos toda sociedade elitizada no amanhã”. Eu concordo com ele! Vamos ampliar esse debate, colete opiniões por ai e vamos conversar... Quanto tempo faz que não nos vemos? E foi a web e esse debate que nos reuniram novamente... Não é isso?

Um grande abraço!

Luiz Canelhas

Publicado em 23 de setembro de 2008

Publicado em 23 de setembro de 2008

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