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Criando e recriando a história da educação

Alexandre Dijan Coqui

A primeira coisa que esquecemos quando nos tornamos “adultos” é a arte de sonhar; a criatividade esvai e somos acorrentados pelos fantasmas da realidade.

Não podemos perder tempo em criar “coisas” abstratas, o velho pregador de roupas sempre será um velho pregador de roupas. Nunca mais tornará a ser um avião, um trem ou qualquer coisa que desejávamos.

Quando olhamos um adulto agir como criança, inventar, criar quadros abstratos ou esculturas que não têm forma e são feitas com sucatas – que para nós muitas vezes são lixos – não entendemos e criticamos com certa inveja, como se esses artistas fossem Peter Pan e continuassem a viver na Terra do Nunca, com os piratas e as aventuras de um menino que sonhou nunca crescer.

Mas nós deparamos com os portões da escola e adentramos um mundo que, na maioria das vezes, ensina-nos a ser adultos, a enterrar os sonhos.

No livro de São Marcos (10, 14) está: “[...] Deixa vir os meninos a mim, e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus”. Jesus foi bem claro nessa metáfora, quando prega a todos que a criança é despojada de todos os tabus e malícias do homem.

A escola, porém, prega outra doutrina.

Alves (2003, p. 9) contribui para essa construção quando oferece a seguinte reflexão: “as escolas devem ser o espaço onde alunos e professores sonham e compartilham seus Sonhos, porque sem Sonhos comuns não há povos, e não havendo um povo não se pode construir um país”.

Como sonhar, se a escola priva a criança desse mundo e oferece livros e textos sem significados? Se obrigam a compreender fórmulas e histórias que não fazem parte de seu mundo? Se coage a criança a apropriar-se da gramática como se fosse a solução de seus problemas?

Ensinam “artes” sem o gosto da liberdade, pois arte é deixar o espírito livre para criar, mas a escola normalmente oferece folhas de papéis impressos com desenhos em que cabe ao aluno apenas cobri-los com cores que perdem o sentido.

Lajolo (2001, p. 7) afirma que “lê-se para entender o mundo, para viver melhor”; vivemos a era do paradoxo, em que as escolas escrevem no quadro ou entregam em formas de lista os livros que serão lidos durante o ano letivo, como se todos tivessem o mesmo gosto. É o mesmo que oferecer carne para animais herbívoros.

Não! A leitura deixa de ser utilizada para entender o mundo e para viver melhor; é apenas um elo entre a obrigação e o desespero de preencher as lacunas com respostas vazias.

O desespero é ainda maior quando as crianças perdem a noção de criatividade nas famosas redações direcionadas, não escrevem mais o que desejam, não conseguem mais expor seus sentimentos, uma vez que o professor ao corrigir – se é que tem que corrigir? – anota os erros ortográficos e gramaticais e novamente prende a criança ao mundo dos vernáculos, esquecendo que o tempo servirá de construtor.

Muitas crianças estão esgotadas; não falam mais na escola, o barulho é apenas nos intervalos ou nas conversas paralelas na sala de aula; elas ainda tentam comunicar-se com seus pares para ver se sobrevivem a essa maldição da forma.

Em outra parte, Alves (2003, p. 25) utiliza palavras de Bruno Bettelheim: “[...] na escola os professores tentaram ensinar-lhe coisas que eles queriam ensinar mas que ele não queria aprender”. E assim continua uma educação voltada para o século passado.

Será que estamos destinados a fabricar homens sem sonhos, sem desejos, sem criatividade? Estamos criando indivíduos competitivos, que não olham para o semelhante e apenas desejam o poder, mesmo que inescrupulosamente, e quando conseguem esquecem-se dos que formam a base de sua pirâmide.

Strittmatter, apud Loos (2003, p. 53) deixa-nos respirar com a beleza da inventividade, do descobrimento dos nossos próprios sentimentos: “Como seria o mundo para mim, se eu tivesse nariz como um cão, olhos como um falcão, ouvidos como um morcego, e se tivesse asas como uma borboleta”?

Seria redescobrir os sentimentos, retirar a criança que foi afogada na imensidão do mar de responsabilidades impostas e obrigatoriedades forçadas e deixar fluir o único sentimento que poderá governar o mundo de forma a destruir a máquina de criar homens robôs: O AMOR.

Quem sabe podemos formular uma nova disciplina que faça parte do currículo de qualquer licenciatura, uma disciplina que receberia o nome de “Renascimento”, em que aprenderíamos a realizar o parto de uma criança já nascida. Sim! Nascer novamente a criança que está incubada dentro de nós.

A disciplina teria carga horária de tempo indeterminado; obedeceria ao desenvolvimento individual de cada aluno; o livro que ele receberia para estudo teria folhas em branco, assim poderia escrever sua própria aula. O aluno seria o professor de si mesmo.

A lista de livros que receberia para ler durante o período de estudo teria apenas um nome: escolha o livro que o faz sonhar. E os gráficos serviriam para definir seu grau de amor; as histórias seriam como contos de fadas, mesmo que com momentos violentos, que serviriam para exercitar o amor, a misericórdia, a harmonização.

Essa leva de profissionais sairia da universidade pronta para entrar na sala de aula e adotar a única e verdadeira postura – O AMOR. Os céticos que me perdoem, mesmo com aquelas perguntas que nunca deixam de ser formuladas: “E as disciplinas? E o conhecimento da História do mundo, a Geografia, as fórmulas matemáticas, as regras gramaticais?” Para essas perguntas teríamos apenas uma resposta.

Com amor tudo se constrói sem dor nem sofrimento, tudo é aprendido pela descoberta descompromissada de notas que apenas excluem e classificam em bons ou ruins, mas sim pela descoberta como desbravadores de uma nova terra, avançando na medida em que suportam o desejo de descobrir; caso algum canse, tem o direito de montar uma barraca e acampar por alguns dias, sabendo que continuará a caminhada pelo mundo do saber sem preocupar-se em ser homem, mas em ser criança e colorir o mundo com as cores da vida.

Referências

ALVES, Rubem. Conversando sobre educação. Campinas: Versus, 2003.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da Leitura para a leitura do mundo. 6. ed. São Paulo: Ática, 2001.

LOOS, Sigrid. Viagem à fantasia: jogos criativos e não-competitivos na escola e em família. 4. ed,. São Paulo: Paulus, 1996.

Publicado em 30 de setembro de 2008

Publicado em 30 de setembro de 2008

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