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Em busca do gosto perdido

Mariana Cruz

Sapoti, jambo, jabuticaba, pão de queijo, bolo de fubá... Comidas com gosto de infância, de comer rezando devido às recordações que trazem. Já que o tempo da meninice é geralmente uma época feliz, é lá que estão nossos melhores paladares. E nisso somos todos iguais.

Até um dos principais nomes da literatura mundial, Marcel Proust, fala dessas reminiscências gustativas em seu Em busca do tempo perdido, por causa de uns bolinhos chamados madalenas. Quando já adulto, come uma delas e sente que:

de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que nos domingo de manhã em Combray minha tia Leôncia me oferecia.

Exemplos desses não faltam, e para ter esse sentimento não precisa ser escritor nem sensível demais; basta ter tido infância.

Ainda no universo da intelectualidade, cito o caso de um professor universitário nordestino que levou um colega francês, de passagem pelo Brasil, para provar suco de graviola - o preferido desde sua infância na Paraíba, certo de que o amigo iria se deliciar tanto quanto ele. Já no primeiro gole, o europeu torceu a cara; disse que só mesmo Proust para fazê-lo entender a apreciação por tal fruta azeda.

Saindo do campo das citações proustianas e aterrissando no campo “gente-como-a-gente”, há um conhecido meu adora comer frutas antes de elas amadurecerem. O motivo da tal preferência? A infância passada na fazenda. Quando era pequeno e começava a época de alguma fruta, ele e as outras crianças da fazenda não tinham paciência para esperar a fruta madurar: devoraram o pé inteiro antes de elas ficarem doces.

Há também o caso de uma amiga inglesa que morou uns tempos aqui. Ela quase fazia uma festa cada vez que um conterrâneo seu trazia um troço chamado marmite, uma pasta para passar no pão que, quando garota, comia todo dia em seu breakfast. O aspecto era bem atraente, marrom-escuro; sugeria ser algo como uma pasta de chocolate. E a propaganda era grande. Resolvi experimentar... Que decepção! Tinha gosto de lêvedo de cerveja. Não desceu. Só o sabor da meninice mesmo para justificar esse gosto.

Falando em meninice, uma menininha que conheço tem como comida preferida o macarrão-com-galinha-da-minha-vó; é assim mesmo que ela diz, com nome e sobrenome. A mãe da menina, porém, afirma sem protecionismo filial que sua mãe – no caso a avó da garota e autora do prato em questão –, é uma péssima cozinheira. A predileção de Natália - esse é o nome da guria - por tal comida deve estar muito mais ligada ao afeto que sente por sua avó do que propriamente ao paladar. Provavelmente, quando Natália crescer o “macarrão-com-galinha-da-minha-vó” vai continuar no topo do pódio de suas preferências gastronômicas.

Coisa parecida ocorre com as duas filhas, já adultas, da minha chefe. Até hoje, na comemoração de seus aniversários pedem que seja feita a “torta-da-mamãe”. Segundo minha chefe, trata-se de uma sobremesa extremamente doce, que costumava fazer quando as filhas ainda eram crianças, por ser bastante simples. Desde aqueles tempos até hoje ninguém, salvo as duas, aguenta comer a adocicada torta. Por isso são feitas duas tortas em cada festa: uma, normal, para os convidados; e a “torta-da-mamãe”, para as duas e quem mais se arriscar.

Que venham os caviares, os tartares, as lagostas, os profiteroles... Mas o “macarrão-com-galinha-da-minha-vó”, a “torta-da-mamãe”, as frutas verdes e as madalenas que cada um guarda dentro de si sempre serão as comidas mais gostosas. Afinal são os sabores de nossa infância que vão nos acompanhar pela vida afora, ou, como diz Proust:

quando nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas – sozinhos, mais frágeis porém ainda vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis – o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso de recordação.

Para fazer sua “madalena” clique em
http://www.todagula.com.br/doce_8.html

Receita para fazer a “torta-da-mamãe”:
Bata um tablete de manteiga com meio quilo de açúcar. Adicione, aos poucos, uma lata de leite condensado batendo sempre. Coloque chocolate em pó a gosto. Derrame uma parte em um pirex e faça camadas de biscoito maisena (molhados no leite). Repita a operação sucessivamente e ponha na geladeira. Após uma hora está pronto para servir.

Pubicado em 7/10/2008

Publicado em 07 de outubro de 2008

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