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Raízes de uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis: uma sugestão

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Refiro-me ao erro de darem ouvidos aos aduladores que povoam todas as cortes. É que os homens são de tal modo acessíveis à lisonja e tão facilmente se deixam enganar por ela que só com dificuldade se defendem dessa praga; e quando procuram fazê-lo correm o risco de cair no desprezo. O melhor escudo contra a lisonja consiste em levar os homens a compreender que não nos ofendem quando nos dizem a verdade.
Maquiavel, em O príncipe

O frango queria atravessar a rua

As razões que nos moveram a pensar em uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis foram de caráter puramente sentimental, preservacionista e dinamizador. A primeira razão ressalta o respeito à memória de toda a população hoje. A segunda refere-se à nossa vontade de recuperar uma referência identitária do mais comum jovem desamparado, que vagueia por aí, componente do conjunto patrimonial e histórico do Brasil recente da pós-escravidão. Nossa terceira razão é a recuperação desse jovem: possibilitar a criação de um espaço multifuncional para atividades variadas do lúdico, tanto no campo cultural quanto no educacional. Assim, recuperá-lo constitui a reversão de um bem em benefício do brasileiro como um todo.

Uma vez reconstruída a trajetória do jovem diante da lei, essa escola permitirá que façamos funcionar e reviver um museu aberto a toda a comunidade, principalmente a estudantil. Parte do seu interior pode ser usada como área do pensar cultural, abrigando e refletindo, como tem feito, eventos de música, teatro, cinema etc.

A parte externa, espaço privilegiado porque visível, pode ser usada para o lazer e a preocupação do adulto com a instalação apropriada para atividades de educação; no futuro, poderá abrigar também eventos referentes a datas históricas de redenção, entre outros. O conjunto constitui um excelente ponto de encontro de grupos, de corpos socioculturais autônomos, com o propósito de festejar a civilização da complexidade sociocultural, em geral sempre com a presença forte da miséria, combinada com a exclusão social e sociocultural.

Na verdade, trata-se de um magnífico complexo arquitetônico que habita o espaço do sensível, do abandono, da história do esquecimento. Somente pode ser tocado pela teoria da meta-história, todo ele de beleza intimista. Antes de tudo, entregá-lo recuperado à comunidade em geral será um grande presente ao bom gosto e à sensibilidade dos que apreciam o belo, principalmente no que tange ao que apresenta de história em seu conjunto. Faz-se mister aqui alertar para o fato de que, não recuperando o referido antes que se arruíne por completo, estarão configuradas respostas desalentadoras às insistentes reclamações populares. Repercutirá negativamente entre a imensa população que hoje sonha com o fascínio de viver sua recuperação.

Circula na vastidão da Internet um texto que apresenta a análise e as justificativas de famosas personalidades (e outras nem tanto) para o fato de um frango que resolve atravessar uma estrada.

Tomando parte dessa farsa, apresentamos nossa avaliação: se o frango quer atravessar a estrada, é porque naturalmente teve vontade! É preciso respeitar as andanças do frango. Além do mais, não é todo frango que, por conta própria, deseja atravessar a estrada todo o tempo. Que valor teria o volitivo de cada vivente no planeta? Coitado do frango, só porque não pensa como nós, humanos, não tem vontade, desejos próprios?

A questão de Marx, Aristóteles, Freud, Platão, King e os outros pensadores de pensar tal coisa acaba sendo de caráter especulativo e igualmente irrelevante. Talvez os conceitos usados já estejam ultrapassados pela velocidade dos tempos presentes! Já se está até confundindo volitivo com algo bastante mais complicado! Cada um dos pensadores citados na história escreveu em seu tempo histórico, cada um teve seu tempo como prisão.

Assim, o que sobra de tudo é que o frango atravessou e/ou queria atravessar. Todos ficamos dando voltas em torno de uma grande torre-de-babel chamada vontade do frango, que se torna difícil de ser entendida.

Podemos ficar estarrecidos com tudo que ocorreu recentemente com o pobre frango. Que fazer, então? Estamos sem ferramentas adequadas para ler a verossimilhança do problema posto à nossa frente, aterrador, que se nos apresenta como fato dado! Mas são comuns coisas assim hoje em dia? Talvez seja um problema da lente que utilizamos ou fazem parte da necessária propaganda pessoal dos que querem garantir um lugar de respeito e destaque na coletividade acadêmica, transformando as pessoas assistentes em uma espécie de turma do gargarejo e/ou meros papagaios-de-pirata, ou ainda, como querem muitos, em aparelhos de repetição, o que esse meu caro leitor definitivamente não é. Que fazer, então? Apresentar um envelhecido discurso que apenas arranha o problema, sem efetiva e detalhadamente tocá-lo?

Não seria o fruto do medo da já conhecida e antiga razão concreta da qual acredita-se que tudo exale?! Mas será mesmo tão concreta assim?! Isso lembra o platônico Mito da Caverna. Não seria a verdadeira sombra da assustadora e ainda indecifrável razão sensível? Fica muito difícil concebê-la, mas que ela existe existe!

Certamente as andanças do frango têm de ser respeitadas. Mas frango é respeitado? Estou em dúvida, mas também ele não é filhos de Deus? E se atropelar alguém?! Também continuará sendo ou não? E se ele, como qualquer criminoso, infrator, traficante moderno ou mesmo fora-da-lei vier a causar qualquer estrago na ordem das coisas dos homens, como hoje estão fazendo no meio urbano?

Certamente a questão presente pertence a algo muito maior, possivelmente à meta-história. Os frangos que atravessam a rua estão causando problemas aos relacionamentos dos assistentes! Uns acham que são donos do pedaço! Outros se apresentam com um ar de quem é invencível! O que fazer? Miseráveis frangos, agora com poder de barganhar poder e se impor. Temos que olhar isso tudo bem direitinho! Não se pode dizer que um miserável frango, apenas um frango, tenha tanto poder.

Mas algo mudou e não vimos? Ou entendemos tudo às avessas? Afinal, tudo mudou e não percebemos ou nosso lento modo de ver as coisas que terá que ser responsabilizado por tudo? Será que o caro leitor vê agora que possivelmente um dos erros que se cometem em uma análise dos corpos socioculturais autônomos derrapa justamente aí: comparar um frango às gentes, geralmente de origens humildes e faveladas, aos excluídos socioculturais que hoje se agigantaram como corpos socioculturais autônomos pela cidade, como um todo como afirmou Helena Katz, Evgen Bavcar e outros tantos, que se tornaram um coletivo de difícil decodificação?

Nunca poderemos esquecer que o pensamento de J. S. Schade é claro quanto à sombra de uma razão sensível que nos acompanha, interfere em nós, enfim, nos altera os sentidos. Diz o pensador: "Somos levados por forças invisíveis às quais os criminosos obedecem sem o saber".

Uma escola de inclusão

Quanto à formação da escola proposta neste artigo, partimos do pressuposto de que, em sua esmagadora maioria, os frangos são oriundos do grave quadro de exclusão social (Perrot, 1991) do galinheiro (sociedade) e até de eliminação social (Forrester, 1996). Inferimos que desse quadro resulta todo um ambiente propício à prática de pequenos crimes, infrações, alguns deslizes. Não é novidade que a crescente desigualdade social e a má distribuição da riqueza em nosso país resulta hoje em sérias desgraças sociais, sistematicamente assustando o conjunto de nossa população da ordem, apresentando-se como um braço criminoso organizado de uma nova relação entre a economia informal e/ou extralegalidade (De Soto, 2000) e a cultura do crime, infrações, ou mesmo deslizes, gerando o que denominamos sociedade paralela (Silva, 1996), que vive da prática do chamado crime-negócio.

Responsável por todo processo de dominação e subordinação que permeia nosso cotidiano da exclusão social, sempre em contraposição ao que consideramos sociedade oficial, essa sociedade se apresenta hoje como resposta moderna à velha condição de explorado quando de sua inserção no modelo colonial, sendo relegado à condição de vulgarizado.

Pois bem: no século XX, tal contingente social apresentou organicidade, identidade e cultura identitária - que é uma prática de vida que há muito tempo não é corretamente lida pela academia.

A novidade está em sua forma e prática de vida, aliada ao braço do megacrime, principalmente o das drogas. A cooptação de jovens para esse universo é conhecida. Apesar dos esforços até aqui, as forças de repressão da sociedade organizada parecem não ter se apresentado com sucesso, vide a consolidação das tais milícias. A maioria dos jovens apresados por praticas criminosas, delinquentes já teve longas experiências na cultura desse universo. A atuação das instituições que lidam com o problema tem sido absolutamente improdutiva. Parece que elas perderam definitivamente o rumo, a capacidade de administrar e não têm demonstrado mais o controle e a eficiência desejados na recuperação daqueles de espírito atormentado pelo mal.

Sabemos que não podemos subestimá-los, mas também acreditamos que, com trabalho pedagógico, acompanhamento psicológico e social feito com critério, pode-se devolver pessoas melhores para a sociedade. Com seletividade e trabalho, muitos são plenamente recuperáveis para a sociedade cidadã. Não podemos incorrer mais no risco de cometer erros de avaliação como temos cometido.

Os apresados veem o futuro se distanciar pelo simples fato de estarem naquela condição. Sua brutalização comportamental é crescente pelo convívio e está na exata medida da constatação cada vez mais agigantada de tal realidade. Como escreve Paulo Vaz:

À medida que o diagnóstico se funde à prevenção (...) a administração dos riscos inverte a causalidade ortodoxa: o porvir possível modifica o agir atual, a consequência antecipada torna-se condição da ação (Vaz apud Menezes, 2002, p. 199).

O futuro sempre gerou mudanças na natureza humana, e elas foram significativas aqui. Para o apresado menor infrator, esse futuro é ainda mais sombrio, emudecedor e sem perspectiva no curto prazo. Não se pode permitir que um frango atravesse a rua movido somente pelo volitivo, sem que haja nada para protegê-lo dos acidentes.

Estamos convictos de que é necessário encontrar saídas para a reintegração do excluído social apresado (no caso do Estado do Rio, no Degase) que seja recuperável em uma vida cidadã plenamente civilizada. Porém estamos cientes de que essa saída não será possível sem o apoio de toda uma pedagogia especial, pensada objetivamente para atender e suprir carências daquele que será devolvido à sociedade ao final da pena.

Ultimamente, o Estado não tem conseguido muito sucesso na recuperação desses jovens. Uma das razões está no tratamento a que são submetidos na híbrida realidade de confinamento, sem critérios de classificação comportamental para tudo a que são submetidos. Espaços onde o relacionamento implica a composição de ambiências sempre perigosas, em que o equilíbrio é excessivamente instável e de grande risco para todos os envolvidos.

Seria profilático tratá-los separadamente, com seletividade? Com a assistência de uma escola especial inclusiva e cidadã, com especial pedagogia, capaz de promover rigorosa seleção, fundada em leitura criteriosa e cientificamente organizada? Daí, toda ação pedagógica passaria a ser dirigida para a inserção social de indivíduos transformados para uma vida plenamente civilizada. É o que pensaríamos, num primeiro momento. Sem dúvida, o benefício seria fantástico para a coletividade. Mas... E o volitivo deles seria consultado? Caso agíssemos assim, não estaríamos sendo egoístas em demasia? É mesmo um problema ter frangos assim!

Há certamente desequilíbrio e/ou controle oscilante no sistema administrativo que traduz novas e urgentes necessidades do tempo presente. É primário - mas não é sem tempo - lembrar que a educação para o bem, transformadora, sempre foi um instrumento capaz de mudar o homem. Inserir esses jovens produtivamente na sociedade pode ser uma velha novidade, apenas por atrelar seu processo de recuperação a uma ocupação produtiva e permanente, repetitiva e mecânica, efetivamente adestradora.

Assim liberaremos sua produção intelectual! Ou seja, sua cabeça ficará desocupada. É como diz o ditado: cabeça vazia é oficina do diabo! É preciso ocupar corpo, alma e espírito! O ser humano não vive sem humanidade e ela constitui esse todo. Parece ingênuo propor isso, mas cremos que somente será profícuo se selecionarmos os que merecem receber tal tratamento.

Para tanto se fará mister perseguir a superação do óbvio isolacionismo social e civilizacional em que vivem. Note que eles quase sempre apresentam comportamentos miméticos (Maffesoli, 1990) de exemplos sempre muito ruins, identificando-se com exemplos comportamentais sempre piores. Os mimetismos que expressam traduzem sempre o sentido corporal da existência coletiva em que os vemos mergulhados.

A existência de uma escola do crime e da infração na qual encontramos transitando tanto os apresados quanto aqueles que deviam cuidar deles é patente. Sempre renovada e repleta de novidades táticas, representa a exata devolução do olhar de quem a observa. Só os narcisistas não conseguem enxergá-la, pois do lado de fora, ao olharem, enxergam quase sempre a devolução do que desejam, imaginam ou do que os amedronta.

Sua exposição e divulgação, da forma como a mídia a veicula hoje, não só fortalece sua existência como também faz com que os apresados considerados recuperáveis venham participar de seu discurso metafórico orgíaco como de seus pedagógicos ensinamentos. Nesse quadro, é muito difícil um combate mais eficaz e objetivo à cultura do crime. Os representantes das instituições que deveriam cuidar deles já se tornaram reféns do medo e, fragilizados, clamam por uma nova estratégia de ação.

Obviamente os saberes estratégicos (Schimth, 1990), profissionalizadores, continuados são formas expressas de ameaças latentes a todas as ferramentas, instrumentalizadas por elas. Nossas táticas e estratégias para combatê-los necessitam de avanço e carecem de maior eficiência. Como promover sua recuperação? Cremos que somente muita e criteriosa seletividade, trabalho integrador e sistematizantista e uma grande praticidade e velocidade nas ações tragam a capacidade do exato e eficiente combate que seja ao menos preventivo. Temos que andar na frente!

Uma educação recuperatória deve respeitar objetivos maiores que resultem na inserção gradativa do apresado recuperável em um primeiro momento, após também o conhecido menor infrator na sociedade civilizada efetivamente (Koogan/Hogan, 1993, p. 199). A busca da capacitação para o trabalho é uma das fortes exigências que, juntamente com a mudança sociocultural, são ótimas instrumentações para sua recuperação. A mudança de meio, ambiência, é decisiva para o que pretendemos, uma efetiva inserção sociocultural.

O maior problema está em como prepará-lo para um mundo que claramente vem aposentando mão-de-obra, substituída pelo cérebro-de-obra. Ora, sabemos que as maiorias dos jovens apresados são analfabetas, semianalfabetas, ou ainda analfabetas funcionais. Aí está o maior desafio, pois o grande diferencial que alimenta a atual crise socioeconômica e cultural é o desencontro entre distribuição e desigualdade social. Não só se configura como responsável pela velha exploração que se multiplica como também que continua na verdadeira base da dinâmica do sistema capitalista. Mas principalmente hoje constitui o motor gerador da exclusão social, da eliminação social e da banalização da vida nas cidades. O remédio certamente será a promoção urgente e fundamental do desencaixamento do apresado daquilo que denominamos 'cultura do crime' que hoje já faz Escola.

Sendo esta sua maior identificadora, constitui também sua maior prisão. Constitui uma força determinante de seus comportamentos e movimentos. Paradoxalmente, o universo de sua origem tem no cultural/identitário um escudo que justifica e ajuda sua assimilação em seu próprio meio. inclusão social é a saída a ser perseguida pelo mundo cidadão, representado pela figura do Estado. O convívio heterogêneo no ambiente que os envolve, por força da qualidade de sua introjeção, é capaz de cooptá-los com mais ímpeto, força, potência e pressão.

Por um lado, certamente a tradução em atos de coerção cotidiana da sua sombria presença, conjugada e configurada num misto de medo/perigo, jogo/risco/sucesso e derrota/vitória constitui um componente de ambiência propícia a atos violentos.

Por outro, pode-se perceber que muitas dificuldades inescrutáveis de seu meio tornam suas imagens opacas, transformando-os em um coletivo complexo no que tange a composição, organização e movimento. A territorialidade, sua marca maior enquanto bandos e/ou corpos autônomos, traz sempre uma necessidade nova de tradução das negociações dos espaços internos, no setor de aprisionamento. Poderes e geografia de mandos certamente são vitais! A esmagadora maioria deles tem origem nas favelas (Guimarães, Preteceille, Valladares, 2000), o que nos remete ao outro quadro de complexidade social em que o excluído social é recrutado para o crime e, geralmente por falta de opção, acaba usando o conjunto da sociedade paralela como escudo, num comportamento de benfeitor, como a única e imediata solução para seus problemas mais emergentes e urgentes.

Contudo, atividades integradoras, transdisciplinares, cuja pedagogia de inclusão cidadã eficaz já é conhecida, poderão ser um valoroso instrumento motivador e promotor das transformações de comportamentos. Mesmo assim, insistimos aqui que se tenha sempre clara uma máxima da Filosofia do Direito: "Educo que Educo" (Reale, 1998). É fundamental que se mude a ambiência entre eles com um trabalho de Educação! Com a mudança radical do quadro de relacionamentos existente por lá teremos maior sucesso.

A qualificação dos quadros funcionais da polícia faz-se também vital. Não se pode manter os locais dos menores apresados como senzalas. É um dantesco exemplo! Por outro lado, também não podemos fazer de lá a velha casa de expostos, como se tinha no Brasil imperial escravista.

Seguramente temos que evoluir dessas ideias se quisermos construir cidadania em quem já nasceu fora dela, como excluído social. Temos que rever muitos princípios, temos que educar e aprisionar com mais eficácia, prevenindo problemas futuros. Garantir ambiências mais saudáveis. Não esqueçamos que teremos que devolver cidadãos à sociedade no final das penas.

Primeiramente, temos claros conjuntos organizados, os tais corpos, repletos dos famosos frangos. Opostos aos nossos princípios morais, que viveram até aqui de forma avessa ao ethos da nossa sociedade! A esmagadora maioria vive uma vida de mimetismo exacerbado; portanto, passível de transformação pela poiese de administradores competentes responsáveis e, acima de tudo, educadores.

É fundamental verificar e selecionar a formação profissional dos que irão tratar de tão especial indivíduo-problema. Pessoas com capacidade de criteriosamente selecioná-los, organizá-los e dirigi-los. Cremos ser importante buscar exaustivamente a construção de uma pedagogia especial, que seja diferencial. Capaz de uma ação transdisciplinar, mais que interdisciplinar apenas, capaz de uma operação que abra novos horizontes de oportunidades para eles. Será necessário construir um processo de ensino-aprendizagem igualmente diferenciado, em que tais problemas sejam levantados, avaliados, classificados e tratados com a devida acuidade.

Pelo fato de serem especiais, requerem atenção refinada de profissionais com a marca da expertise do educador/agente penitenciário, não sabemos se o nome mais adequado seria esse, um profissional moldado exatamente para esse fim: transformar apresados recuperáveis para uma vida civilizada, efetivamente cidadã.

Para iniciar o mapeamento desse desafio, vamos levantar o quadro de razões e propósitos que levaram à definição da política da LDB.

É importante identificar tipologicamente os crimes mais comuns e os criminosos. Certamente os apenados reclusos precisam ser vistos com seletividade e critério. Listamos a seguir os objetivos que norteariam uma ação desse tipo.

Quanto aos objetivos gerais e fundamentais, a construção de uma escola de inclusão cidadã para apresados recuperáveis, longe dos presídios e presidiários profissionais, com multifaces de segurança moderna, capaz de formar/informar e principalmente educar para a vida os excluídos sociais envolvidos, os menores infratores. Uma combinação educativa de caráter puramente inclusivo. Uma justiça que municie ao máximo aspectos de seleção e classificação prévia dos infratores internos, guardando-se o devido sigilo e uma polícia especial, capacitada técnica e taticamente para garantir a segurança de todos os envolvidos no trabalho, com o fito de juntos, construir-lhes os reais sentidos de cidadania, incluindo-os na sociedade.

Quanto aos objetivos operacionais: confecção e administração de uma trajetória que atenda os objetivos gerais, os resultados pretendidos na referida escola. Para isso seria necessário:

  • contratar ou convocar especialistas na área de pedagogia, psicologia, psiquiatria, serviço social, serviço religioso, reengenharia e principalmente a área informacional (software e hardware), para juntos fazer um trabalho de reconstrução interna que faça com que se sintam parte de um corpo (Katz, 2003);
  • levantar o quadro comportamental mais comum entre os internos;
  • classificar comportamentos e práticas lesivas à ordem social externas ou internas, considerando a idade do praticante, grupo ou facção ou corpo sociocultural autônomo a que pertenciam ou pertencem no momento, tipificando e armazenando em um banco de dados informatizado suas formas mais comuns, para que possam serem disponibilizadas e para que possam municiar ações de segurança objetivas, profissionais e imediatas, com organização que facilite o pensar tático e estratégico do corpo de agentes. Principalmente para que estejam plenamente disponibilizadas às autoridades do alto escalão. Tudo visando o mais absoluto e detalhado controle, sem que vazem informações e estratégias de ações para fora do setor administrativo;
  • classificar o modus operandi dos grupos ou corpos socioculturais autônomos dos internos, os comportamentos e as práticas lesivas à ordem social, principalmente os mais comuns que caracterizam a conduta dos internos (menores infratores), disponibilizando-os também em um banco de dados capaz de municiar ações educativas e de segurança imediatas;
  • organizar os bancos de dados periódica e regularmente, municiando e facilitando os pensares táticos e estratégicos principais, com o propósito de garantir sua permanência com plena acessibilidade das autoridades de alto escalão;
  • quantificar sempre em pequenos intervalos (quinze dias) os atos lesivos à ordem interna, quer sejam corriqueiros ou importantes capazes de pôr em risco o trabalho desenvolvido pelo coletivo que estará à frente de tudo, assim como os da retaguarda, em relatórios (on-line);
  • verificar a praticidade do modus operandi aplicado com o propósito de buscar uma retroalimentação do sistema como um todo, inclusive da escola enquanto unidade educacional, em todas as práticas internas, mensurando e avaliando seus resultados no cotidiano de ambiências criadas, organizando-as e reorganizando-as também em banco de dados disponibilizado e preparado ao municiamento de ações que estejam no campo da previsibilidade possível, com prioridade à segurança tanto externa como interna do coletivo envolvido;
  • facilitar o pensar tático e estratégico principalmente em colegiados reunidos, cuja permanência inicialmente se fará urgente e necessária, principalmente pelo fato de constituir sempre momentos para ações de desmoralização de todo um trabalho que se deseja que tenha sucesso. Assim, poder-se-á proceder à seletividade, classificação e quantificação do ethos que fundamentaria as práticas de vida e negociações internas, movimentos, fluxos e fronteiras culturais existentes entre os vários grupos (facções) ou corpos socioculturais autônomos, inclusive mapeando seu verdadeiro front, ou seja, campos de batalhas, o que possibilitará a interceptação de pontos de tensão numa ação preventiva, fundamentalmente antecipatória;
  • classificar o quadro comportamental, ou seja, seu ethos, o mais comum entre os internos (menores infratores) em seu cotidiano devidamente lido e mapeado, considerando sua rotina de movimentos, tarefas, descansos e maneiras de entretenimento;
  • levantar os principais sinais do quadro comportamental deles, desejos de profissionalizações futuras mais comuns acalentados individualmente, considerando suas habilidades para um futuro de liberdade através de entrevistas previamente elaboradas e exaustivamente discutidas pela equipe técnica;
  • identificar elementos que municiem a construção de uma pedagogia de inclusão cidadã dos internos (menores infratores) selecionados;
  • reunir uma equipe de agentes em um perfil que conjugue o caráter profissional transdisciplinar e qualidades mínimas de pedagogia, psicologia, psiquiatria, profissionais de justiça e de assistentes sociais, com o fito de práxis mais apropriadas e capazes de promover profilaxia onde emergencialmente for preciso, tanto quanto aplicação da disciplina, sempre com o objetivo de criar e transformar hábitos não aceitos pela sociedade oficial e gerar comportamentos mais construtivos, no que se devolverá a uma sociedade cidadã como futuros incluídos sociais.
  • levantar o quadro de recursos técnicos disponíveis e utilizáveis para a execução mínima do projeto;
  • quantificar as deficiências materiais, operacionais e de inteligência do atual sistema como um todo;
  • elencar e organizar as carências que qualifiquem mais inteligência do atual e específico sistema prisional e profissional dos agentes como um todo;
  • relacionar com a maior clareza e a maior precisão possíveis o verdadeiro quadro dos recursos e carências do setor e as várias formas de profissionalização que se pode oferecer aos apresados no interior da unidade sem abalar a segurança interna e alterar a ambiência ordeira que se pretende;
  • diagnosticar o verdadeiro quadro dos recursos e carências do setor;
  • integrar interesses internos (direção das unidades) e iniciativa privada com vistas a gerar a inserção social e sociocultural dos apresados quando em liberdade, mesmo que vigiada, no mercado de trabalho. Tudo sob responsabilidade e ciência da secretaria responsável e da direção local da unidade escolar, a qual deverá ser devidamente fiscalizada por comitês independentes, cuja seleção e homologação seja da inteira responsabilidade e confiança do secretário.
  • promover e acompanhar o desenvolvimento paulatino da ativação de cozinhas, teatros, escolas, oficinas em geral, que estejam internamente inoperantes como meio de profissionalizar os apresados, os quais serão devolvidos com maior habilidade para o enfrentamento de uma vida de liberdade;
  • otimizar procedimentos que direcionem melhorias mais urgentes e necessárias no setor prisional de menores, através de um processo ensino-aprendizagem que os conscientize de seus direitos e deveres;
  • aplicar um teste de sondagem que seja capaz de promover acompanhamento adequado de seus procedimentos. Redirecionar rumos pedagógicos para cumprir o objetivo maior de possibilitar melhor aproveitamento, pois o sistema deve ser vivo, flexível, dinâmico e retroalimentado. Deve ser capaz de criar no menor apresado infrator, uma iluminação de seu próprio caminho. Não se trata de uma população qualquer. As pessoas escolhidas para desempenhar as tarefas devem ser criteriosamente selecionadas por formações específicas, organizadas, educadas, polidas, de nível superior, mas preparadas para resolver os constantes problemas comuns das truculências inerentes do convívio prisional;
  • classificar o quadro comportamental (eros) mais comum entre os apresados em seu cotidiano, considerando sua rotina de movimentos, tarefas, descansos e entretenimento. Utilizar mais pedagogicamente o infotreinment como um auxiliar da transformação que se pretende no quadro comportamental dos apresados. Ressaltar seus valores civilizacionais, lembrando as razões que os mantiveram ali nas condições em que se encontram, privados da liberdade e da necessidade de se habilitar para o futuro de liberdade. Identificar práticas e valores edificantes como paz, convivência pacífica, respeitabilidade, trabalho formal, tanto individual quanto coletivo, família, companheirismo...

Uma vez aptos ao mercado de trabalho e a uma 'vida cidadã' ao final da pena, espera-se que o apresado supostamente recuperável estaria convertido em uma conquista para o todo social da ordem e, devidamente fiscalizado e monitorado pela própria instituição, com utilização de tecnologia de ponta para o acompanhamento de sua efetiva devolução ao meio social diferente.

Depois de diagnosticados e devidamente prognosticados problemas, recursos e carências, poderiam promover a seleção e distribuição, sempre com base nas habilidades e formações dos agentes penitenciários. A tecnologia para tal etapa sairia da extração do que produzem os vários grupos de interesses científicos acadêmicos de nosso Estado, nunca esquecendo do cuidado com o monitoramento constante desse ainda recuperável, pois, como podemos constatar, sabemos que ele será assediado ininterruptamente pelo velho corpo sociocultural autônomo ao qual pertenceu no passado.

Assim poderemos ter certeza de estarmos construindo um grupo altamente qualificado de profissionais de presídio, penitenciárias, casas de custódia etc., dotado de formação transdisciplinar, com múltiplos olhares e dotado de expertise. Com ele comporemos um eixo centralizador de conduta profissional capaz de alavancar ações conjuntas que detenham o avanço de tão latente sociedade paralela cooptada pela cultura do crime nas cidades e no Estado do Rio de Janeiro.

Acreditamos que, ao aparelhar eficientemente o quadro de agentes, qualificando-os, certamente suas principais dificuldades diminuirão bastante. O que se desejará como passo seguinte é a capacitação constante do efetivo operacional selecionado, sob pena de não pertencer mais ao quadro - ou seja, a aposentadoria precoce e/ou o afastamento por deficiência técnica podem ser recursos utilizáveis.

Não se trata de buscar no profissional mais qualificado para o setor a vulgar e ultrapassada mão-de-obra, mas uma verdadeira equipe operacional de cérebros-de-obra, em que a qualificação universitária ou equivalente esteja absolutamente clara. Aquele que não se qualificar terá prazo exíguo para fazê-lo ou correrá o risco de ser remanejado para outro setor de trabalho.

Enquanto não estiver devidamente qualificado, ficará afastado de suas funções sem prejuízo para seus vencimentos, pois não se quer aqui multiplicar insatisfações mas sim incentivar a competição. Tal procedimento deve evitar reclamações desestabilizadoras. Para tanto se teria que convocar todo um corpo de profissionais especializados e, ao mesmo tempo, tal ação deve ser acompanhada da necessária percepção da conjugação de expertise e comportamento marcado pela transdisciplinaridade. No saber operacional será exigida a ação do profissional com refino técnico e habilidade. Afinal a segurança pública, maior problema hoje no Rio de Janeiro, merece investimento dessa monta. Ela hoje afeta a governabilidade.

Deve-se buscar ocupar o tempo dos recuperáveis selecionados através de leituras e releituras do cotidiano prisional, considerando previamente comportamento metodológico padrão definido a partir de um estudo de rigor científico que vise atingir um padrão de melhoria desejada do ambiente prisional; assegurar eficiência e previsibilidade no que tange aos resultados esperados.

A descrição e o levantamento do perfil profissional desejado pode ser feita através da sondagem vocacional dos presos recuperáveis, e o estabelecimento de toda uma cartografia das dificuldades a se enfrentar será de vital importância para a segurança do que pretendemos aqui. Não podemos prescindir do cuidado também com os detalhes, uma vez que quem trabalha diretamente com apresados recuperáveis deve ter como primordial a capacidade de perceber-se claro e seguro no meio funcional. Para tanto, faz-se necessária a qualificação profissional. Os agentes que não se mostrarem qualificados para a tarefa deverão se qualificar, sob pena de comprometer toda a estratégia do projeto. Será prudente afastar aqueles que se encontram em processo de fragilização na convivência com os apresados.

É válido montar uma equipe de cérebros-de-obra capazes de comparar as experiências transcorridas, cruzando suas informações com o fito de municiar, fortalecer ou alterar rotas de tratamento. Através de cruzamentos das informações poderão ser feitas eficientes análises que resultarão em sínteses indicadoras de novos caminhos que permitam apresentar dificuldades e soluções que iluminem novos caminhos. O redirecionamento dos trabalhos deverá ser sistematicamente mensurado e avaliado em seus resultados  e servirá de retroalimentação constante para a melhoria técnica e tática das atividades.

Uma vez detectado avanço far-se-á necessário desencadear um trabalho com mais eficiência e eficácia. Será preciso que se tenha claro que não se tratará de construir uma escola qualquer. Sabemos que não se lida com apresados ex-criminadores contumazes como se nada de novo houvesse. Não são normais; contudo, precisam e merecem passar por um processo de transformação civilizador que tenha forte cunho humanista. Quem vive ou viveu na barbárie por muito tempo ou a vida toda nos corpos socioculturais autônomos que tratamos aqui não muda apenas quando muda de ambiente. Entretanto, também acreditamos que não poderíamos desprezar o fato de essa mudança ajudá-lo muito para desarmar-lhe os espíritos.

Em 1990 foi aprovada a Lei 8.069/90 - o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Até então, o país dividia juridicamente a população de 0 a 17 anos em dois grupos: as crianças ou adolescentes e os menores. Em tese, a separação entre ambos se dava por mandado do juiz, em função das ações dos definidos como menores ou de certas relações no interior da família. No entanto, a distinção desses dois grupos sempre foi óbvia! Bastava olhar para a criança ou o jovem para logo saber se tratava de um menor ou não. Até a promulgação do ECA, os que não detinham condições de vida enquadradas nos modelos hegemônicos eram definidos juridicamente no Código de Menores em situação irregular e declarados menores. Portanto, o olhar disciplinador não requeria sequer do juiz para condenar uma jovem pessoa; a sentença do juiz era a oficialização da sentença geral, que culminava com o encaminhamento dos irregulares às escolas de confinamento para torná-los regulares.

Nosso ponto de partida seria a opção política apresentada pela LDB no trato com o portador de necessidades especiais e nela incluiríamos certos tipos de menores delinquentes em suposta situação de recuperação. Nossa preocupação alicerça-se no fato de, nos últimos trinta anos, ter sido seu trato demasiadamente complexo nas condições em que ocorre. Uma vez em uma escola especial, entre iguais, por razões óbvias, o isolamento social ao qual são submetidos talvez seja avaliado com maior assertividade tanto por eles quanto por parte de quem tem a tarefa de cuidar deles. Pode ser efetivamente benéfico.

Não se trata de trazê-los à convivência com a sociedade de forma imediata; o que propomos aqui é paulatinamente permitir que percebam como faz falta a vida social normal, ordeira. Nossa tarefa seria "animar o sujeito cidadão" (Garapon, 2000) ou, quem sabe, reanimar. Não se trata de uma inclusão cidadã marcada pela ingenuidade na ação, mas educá-lo para uma vida comum e de liberdade futura em mãos severas que, entretanto, não brutalizem suas ações simplesmente pelo prazer de brutalizar, já seria uma forte mudança em todo o sistema.

É exatamente aqui que entra o agente preparado, o cérebro-de-obra sensível às mutabilidades e transformações que possam apresentar, mas sobretudo consciente do seu dever profissional, servindo como um informante retroalimentador valioso, capaz de produzir acertos de rumos no modelo de escola que pretendemos, de modo que o convívio possa se tornar menos difícil, menos traumático, menos perigoso, mais educativo e transformador como um todo.

Selecionar as principais dificuldades escolares entre os agentes do processo é um diferencial qualitativo importante, além de elemento que dificultaria a comunicação que desvirtuasse os rumos e fins propostos pelo projeto. Para tanto, deveremos ter em mãos uma descrição do perfil profissional e das dificuldades escolares de quem trabalha diretamente com o portador dessas necessidades especiais.

Após entrevistas feitas com os docentes e discentes, poderemos ter a tabulação de dados reveladores de rumos e alterações a tomar em todos os planos, principalmente no psicopedagógico da referida escola. É fundamental ter um sistema de pré e pós-testagem para permitir uma avaliação permanente com o objetivo de atingir maior flexibilidade das ações educativas.

Acreditamos que seria necessário um olhar mais detido no modelo do todo a se construir e se constituir como escola. Seria necessário, considerando a combinação da pós-escravidão e as conturbadas avalanches político-econômicas sofridas pelo que chamamos de Século do Não, aparelhar eficientemente o quadro de agentes, qualificando-os constantemente com o que há de mais moderno no ramo de segurança de presídios e tratamento de presos em países de economia emergente e capacitar constantemente o efetivo operacional selecionado, sob pena de não permitir sua permanência no quadro. Buscar premiá-los no aspecto profissional mais qualificado para o setor, o qual estiver desperto para o sentido verdadeiro de equipe operacional de cérebros-de-obra, onde a qualificação universitária ou equivalente com a propedêutica para o trato de especial problema esteja absolutamente claro.

A trajetória do menor infrator apresado ou apenas infrator até as mãos do agente/professor penitenciário deveria inexoravelmente passar por etapas como as que apresentamos a seguir.

A Justiça tem como propósito apenar o infrator depois de julgado, designando-o para o setor de recuperação, que sabemos como se encontra. O processo de reintegração vê-se desafiado a decidir entre punir ou educar para reintegrar. Notemos então que a nobreza dos propósitos não se configura nem é louvável, como era de se esperar. Porém, notamos, após as reuniões que fizemos, que não é assim que acontece. A incerteza paira sobre a reintegração social do apresado. Reside aí toda a nossa preocupação. É aí que desejamos atuar: o funcionamento com relação à criança e o menor infrator, para nós o frango.

A complexidade de qualquer processo de infração é plenamente reconhecível. Não há como negar e não discutiremos aqui por fugir nossa competência específica. Contudo, sabemos que hoje entre infrator, o frango, e vítima, sociedade, várias razões se escondem e se autossustentam. Porém, uma vez apenado, a forma de reclusão para o menor e o adolescente deve ser diferenciada.

Sem perder de vista o fato da devolução do apresado à sociedade ao final da pena, a responsabilidade se multiplica pelo fato de não haver, até agora, um trabalho capaz de diminuir a violência quando da devolução a sociedade. A verdadeira vítima esta apresada nas almas dos acuados agentes que os controlam. Seguramente estão estressados pelo convívio em ambiência do medo e do equilíbrio instável.

A convivência entre eles acaba impondo essa ambiência que pode levá-los ao pânico, pondo a perder o objetivo maior que é animar o sujeito cidadão nos apresados, construir-lhes a cidadania. Seguramente não acontece o proposto na Declaração Dos Direitos Humanos no seu Art. 1º: "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidades e direitos, são dotados de razão e consciência e devem agir, em relação uns aos outros, com espírito de fraternidade". Temos um quadro muito complexo, em que dois personagens interagem: o infrator-vítima, o nosso suposto frango, no sentido figurado, e o agente-vitimado que se defende com truculência mais do que com pedagogia corretiva e educativa da construção cidadã.

Assim como se encontra o setor onde são aprisionados, é humanamente impossível o resgate. Mas muito mais difícil é construir neles algum sentido de cidadania. Lá estão totalmente banidos. Como diz a professora Viviane Forrester, acabam os dois como "eliminados sociais" (Forrester, 1996). Nossos presídios, nesse particular, são locais de desumanidades. Mas quando se trata do tipo de apresado que tratamos aqui, o vulto é mais aterrador. São locais de brutalização do homem que lá se encontra.

Cabe uma criteriosa seleção e qualificação de mão-de-obra para o trato essas pessoas. Se forem espíritos atormentados, separemos, dando-lhes o tratamento adequado. Aqueles que podem ser classificados como recuperáveis devem ter outro tipo de monitoramento. A exemplaridade deve ser valorizada, para que as conquistas de melhorias dos selecionados sejam valorizadas. Mas fundamental será a qualificação do trabalhador-agente. Não se deve permitir truculência. Antes de educar punindo, devemos saber a hora certa e a medida da punição.

Dizer não ao erro é fundamental, mas sem subestimar a inteligência de quem está recebendo a negativa, ou seja, devem ser dadas explicações claras, motivando o ambiente com atividades intensas que melhorem sua capacidade lúdica.

Mentes ocupadas com o progresso da liberdade não terão tempo para serem reféns da violência. Velhas novidades, como o trabalho inteligente ligado ao mercado moderno e oferecido a quem mereça, deve ser incentivado. Evitar a interseção de oportunistas que apenas querem se aproveitar de uma mão-de-obra barata e protoescravizada pelas condições em que se encontram.

Há necessidade de separar primeiro os recuperáveis dos que ainda não se encontram nesse estágio. Não se deve deixar levar por critérios velhos como aqueles que se baseiam em opiniões apenas de psiquiatras e assistentes sociais; devemos ouvir pedagogos, psicólogos e sociólogos.

Para o tipo de apresado de que tratamos aqui, a multiplicidade de faces de seu comportamento deve ser valorizada. A Justiça tem que ser um misto de punibilidade mensuravel e quantificavel, mas deve ser dosada pela sensibilidade dos que estão executando a missão. Não estamos recusando a docilidade no trato, mas deve-se tratar seletivamente caso a caso. O processo de construção da cidadania naqueles que nasceram fora dela, como o nosso frango, o infrator, deve ser marcada por uma pedagogia fundada em critérios seguros de avaliação. Contudo, a razão cartesiana deve ser mesclada à razão sensível e humanista. Como esboçamos a seguir.

Segundo Pierre Bourdieu,

Em última análise, muitos analistas superestimaram a função da educação como mecanismo de reprodução de classe, na pior das hipóteses, subestimaram também sua função como eficiente instrumento pelo qual as classes dominantes selecionam cuidadosamente seus membros na própria classe e também nas camadas inferiores (Bourdieu, 1977, p. 487).

Será que devemos aproveitar isso? São realmente excluídos e, assim, devem continuar os apresados adolescentes? Devemos aproveitar e mimeticamente reproduzir ou manter essa trágica situação, ou, como afirmava Bourdieu, tomar a educação para a mudança sem subestimá-la? Caso tomemos como verdadeira essa afirmação, educar passaria a ser nossa tarefa daqui por diante. Mas como educar o que pratica tamanhos males, sempre horríveis à sociedade? Como evitar e mudar seus espíritos atormentados?

Seguramente não se trata de uma questão do jogo quase sempre falacioso de riqueza/pobreza. Velha dicotomia, cujo antagonismo embora se encontre na base do todo, não traduz sua totalidade quase sempre complexa de sua existência. "Saco vazio não fica de pé!", já diziam os antigos, ou "roubei para comer!", quando é verdadeiro e inexorável, alguém poderia contrapor? São coisas que não traduzem a verdade nem a totalidade dos fatos motivacionais do crime.

Mas nem todo espelho que se olha devolve-nos o mesmo olhar. Nem todo reflexo (resposta) é o lado narciso do que se deseja ver. Mesmo assim, todo narciso acha feio o que não é espelho. Queremos, com isso, convidar você a se debruçar sobre as várias razões que motivam o crime. Certamente estará presente lá a cultura tribal urbana moderna marcada pelo emocional exacerbado, marcada pela exagerada mimesis que o tipo de grupo de jovens apresenta e traduz. Seria ingênuo crer que tal fato não se repetisse no interior da geografia de reclusão.

Faz-se mister cortar os cordões umbilicais que a alimentam. Caso não façamos, estaremos condenando toda a ação educativa perdida. É crucial cortar as conexões miméticas que sustentam os poderes entre eles. Ora, não se faz isso com uma simples vigilância. Cada olhar pode ser um texto a ser lido por várias pessoas. Deve-se criar metas, objetivos a atingir que motivem todos os detentos ao comportamento desejado. Só assim se transformará um sistema que é mecânico e sistematizado em sistematizante, possuindo retroalimentação, que se sirva de uma imanência tal que promova direcionamentos de condutas para atingir as metas desejadas tanto pelos presos quanto pelos agentes.

Um ímã capaz de atrair benefícios concretos aos espíritos, melhorando-os, civilizando-os. Trazendo-lhes premiações concretas e benefícios reais que os qualifiquem sempre mais para a vida civilizada, separando-os daqueles que não se encontram ainda no patamar inicial.

Roemer diz que:

a razão pela qual consideramos os trabalhadores como explorados é que eles não têm acesso à sua parte dos meios de produção; eis por que chamamos seu trabalho de expropriado. O parâmetro para medir a exploração é uma distribuição igualitária dos meios de produção. (...) Ou seja, na base do fenômeno da exploração encontra-se o da exclusão do acesso aos recursos produtivos segundo os diferentes modos de produção; no sistema capitalista, por exemplo, o direito de excluir os trabalhadores do acesso aos meios de produção constitui o poder dos capitalistas, e este poder está respaldado, em última instância, no poder coercitivo do Estado que garante o direito de propriedade dos capitalistas (1982, p. 11).

A exclusão remete também a outras formas de dominação que extrapolam o limitado conceito economicista de exploração. A exclusão dual, quando um grupo de excluídos reage à exclusão do acesso formal aos meios de produção formal, mobilizando o poder para baixo, a fim de excluir grupos, ou corpos dos ainda menos aquinhoados. A questão da exclusão dos que não tem especialização e são impedidos de acesso a certas posições privilegiadas porque não passaram por um período de aprendizagem.

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Publicado em 7 de outubro de 2008

Publicado em 07 de outubro de 2008

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