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A morte e a donzela

Pablo Capistrano

Não gosto da Veja. Não leio porque me entedio com as propagandas. Mas a capa desta semana me fez lembrar de Dylan Thomas. A foto de uma mãe acariciando o rosto de sua filha morta no massacre de Beslan me fez pensar nas grandes dores. Naquelas dores que não passam. Naquelas dores que recortam o espírito em pequenas fatias e espalha seus fragmentos na imensidão vazia do espaço e no abismo sem fundo do tempo.

Thomas era galês e morreu muito jovem (39 anos), consumido pelo álcool. Depois de tomar cinquenta doses de uísque e rolar pela escadaria do Chelsea Hotel em Nova York. Morreu no hospital St. Vincent em novembro de 1953. Hemorragia cerebral foi o laudo médico. Mas essa é uma classificação pobre. Poetas não morrem de hemorragia cerebral. A hemorragia é uma consequência. Eles morrem de linguagem. E foi a linguagem de Thomas, em suas poesias recitadas pela BBC de Londres, que ajudou o povo inglês, vítima dos bombardeios da segunda guerra, a enterrar seus filhos. Uma vez ele escreveu o seguinte:

E a morte não terá nenhum domínio.
Nus, os mortos irão se confundir
Com o homem no vento e a lua no poente;
Haverão de brilhar as estrelas em seus pés e cotovelos;
Ainda que enlouqueçam, permanecerão lúcidos,
Ainda que submersos pelo mar, haverão de ressurgir;
Ainda que os amantes se percam, o amor persistirá;
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Aqueles que há muito repousam sob as dobras do mar
Não morrerão com a chegada do vento;
Acorrentados à roda da tortura, jamais se partirão;
Em suas mãos, a fé irá fender-se em duas,
E as maldades do unicórnio os atravessarão;
Espedaçados por completo, elas não se quebrarão.
E a morte não terá nenhum domínio.

E a morte não terá nenhum domínio.
Não mais irão gritar as gaivotas aos seus ouvidos
Nem se quebrar com fragor as ondas nas areias;
Onde uma flor desabrochou não poderá nenhuma outra
Erguer sua corola para as rajadas da chuva;
Ainda que estejam mortas e loucas, suas cabeças
Haverão de enterrar-se como pregos através das margaridas,
Irrompendo no sol até que o sol se ponha.
E a morte não terá nenhum domínio.

Publicado em 18/11/08

Publicado em 18 de novembro de 2008

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