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Pedro Salgueiro e seu Inimigos

Ieda Magri

Inimigos, de Pedro Salgueiro, é uma das publicações da Editora 7 Letras, que está com seu site renovado e é uma das poucas a investir em escritores iniciantes. Não é o caso de Pedro Salgueiro, premiado em vários concursos nacionais e internacionais; este é seu sexto livro.

Inimigos aborda o tema mítico das invasões e das cidades sitiadas. Nele, vários narradores contam as fugas, os preparos para as esperadas chegadas dos inimigos, fazem inventários que pretendem dar conta das características dos povoados vizinhos, especialmente da perigosa Papaconha, uma aldeia que se movimenta no espaço e vai se aproximando da cidade dos narradores. Essa aproximação, conforme se avança na leitura, vai se mostrando muito mais lendária do que real, e o perigo iminente pulsa mais como desejo do que como possibilidade.

Como as cidades do sertão, acostumadas a esperar o bando de Lampião, de Virgulino e de forasteiros inominados, a cidadela vai recebendo com receio qualquer visita de fora e seus habitantes veem sempre nessas chegadas os vestígios de espiões ou anunciadores da temida mas muito esperada invasão.

Sob o signo, então, da espera é que o livro vai se fazendo. De conto em conto, vemos a invasão se aproximar e os temores se tornarem mais e mais palpáveis. Porém, a chegada vai sendo sempre adiada e nos imbricamos nas descobertas geográficas dessa improvável cidade, de seus arredores e do caminho palmilhado pelas personagens, que se definem mais ao dizer do outro que vem do que de si próprias. Perdidos entre o sertão, a mata e o deserto, esses habitantes que vivem na expectativa de uma chegada na verdade estão presos.

Tanto pela espera como pelas sucessivas fugas sem sucesso, partilhamos dessa agonia fina que persegue os fugitivos de várias gerações que a paisagem ríspida teima em levar de volta. Tanto a expectativa da invasão como a caracterização dessa cidade – que ora é também vila, vilarejo, ora é aldeia – se definindo sempre pela perspectiva das cercanias e dos limites entre os povoados me fizeram lembrar o tema muito explorado por José J. Veiga nos excepcionais A hora dos Ruminantes e Os pecados da Tribo.

Vejo aproximação entre os dois autores não só no tema, mas também no tratamento dado à linguagem, que busca sempre uma sobriedade e um ritmo próprio dos lugares escritos em seus livros. Como se o mundo frenético e real do escritor estivesse completamente apagado diante do mundo perdido espacial e temporalmente dos narradores.

Embora organizado como um livro de contos, há uma linha estruturante que permite que o leitor vá passando de uma narrativa a outra como se estivesse explorando episódios de uma e sempre a mesma história, escrita, com poucas exceções, em primeira pessoa. Logo na abertura, há uma nota explicativa, ao sabor das notas de Machado e de outros escritores que buscam dar o caráter de verdade ou de vivência às suas histórias. Nela, somos prevenidos de que o autor, nesse momento em que é personagem, já imerso no universo da ficção, supostamente se valeu de vários depoimentos e que o livro é resultado de intensa pesquisa tanto em documentos oficiais como em relatos ouvidos aqui e ali, que foram verificados exaustivamente antes de figurarem no relato. Porém, a informação de grande relevância é a de que esses narradores funcionam como duplos de um narrador principal, o responsável pela escrita dessa história que precisa ser contada: “Sabia que seria difícil descrever personagens que tinham meu rosto, carregavam meus gestos, involuntários ou não, e cujas ações estavam gravadas em meu código genético”.

Pertencente, portanto, à estirpe dos que esperam, dos que constroem armadilhas e muralhas para a própria proteção, dos aflitos cujo único sossego viria da invasão tão esperada, dos entediados sempre a fugir, dos que desejam a novidade mesmo que ela venha em forma de um bando de inimigos, o narrador faz o relato de um fim que não chega e de uma busca de compreensão de si e dos outros habitantes do vilarejo que, por falta do olhar do estrangeiro, do visitante, não consegue se fazer visível. Desse modo, as personagens não são descritas pelo que são, mas pelas diferenças em relação aos “aluados de Papaconha” ou ao exército inimigo, que não se confunde com a temida aldeia móvel e foi responsável pela única verdadeira invasão. Neste, digamos assim, episódio, outro livro de fugas e de busca de inimigos pode ser lembrado: As mulheres de Tijucopapo, de Marilene Felinto. Nele, as mulheres são as heroínas: num movimento quase simultâneo, matam os homens invasores e devolvem a paz à cidade.

Um livro denso e bem escrito que merece ser lido e relido, Inimigos trata, em última análise, do medo do desconhecido e das sombras da loucura que todos trazemos entranhado. Com posfácio de Miguel Sanches Netto e muitos detalhes visíveis somente pela habilidade do leitor, o livro guarda ainda muitas grotas, serras, matas e noites fechadas, a começar pelas interessantíssimas epígrafes que remetem ao universo bíblico.

Ficha técnica do livro:

  • Título: Pedro Salgueiro e seu Inimigos
  • Autor: Ieda Magri
  • Gênero: Conto/ficção
  • Produção: Editora 7 letras, 2007

Publicado em 18/10/08

Publicado em 18 de novembro de 2008

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