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Tipo assim: nem losers, nem winners

Mariana Cruz

Se para nossos avós as coisas "eram" ou "não eram" – não havia o meio-termo, o maniqueísmo imperava, tudo se dividia entre o certo e o errado, o “bom” e o “mau”, “o preto no branco” –, para os jovens de hoje nada “é” peremptoriamente, terminantemente, taxativamente: as coisas são "tipo assim" - um vício de linguagem hoje muito utilizado e criticado, até porque tal expressão, sob a ótica da língua culta, é visto como algo medonho, tipo assim uma muleta linguística que gramaticalmente não tem serventia alguma. Mas, do ponto de vista da comunicação, é bem interessante, pois, sob certos aspectos, mostra falta de certezas (“as certezas, meu deus, para que tantas certezas”): “eu gosto dele de um jeito, tipo assim, diferente”, foi o que escutei uma aluna dizer a outra. Como discorrer sobre um sentimento incomensurável como o amor de forma exata? Nem mesmo os mais astutos filósofos conseguiram realizar tal empresa: no mais famoso jantar filosófico, ficaram todos falando sobre o amor, comendo, bebendo e discutindo, e nada de conseguir definir de uma vez por todas tal nobre sentimento (Cf. em O Banquete, Platão). Sendo assim, nada mais justo que leigos refiram-se ao amor como algo “tipo assim”. Pronto: o emissor lançou sua incapacidade de definir em termos exatos seu sentimento, o receptor entendeu que se trata de uma coisa profunda, mas indeterminável (talvez por isso seja “tipo assim”). E fez-se a comunicação.

Não foi à toa que a sentença de Anaximandro, um dos mais famosos filósofos pré-socráticos, superou a de Tales, esse reconhecidamente o primeiro filósofo. Tales afirmava que tudo era água, ou seja, que o começo de tudo estava na água; depois chegou Anaximandro dizendo que o início de tudo é o apéiron, isto é, o indeterminado. Por que então a sentença de Anaximandro superou a de Tales? Pelo fato de que o indeterminado abarca mais coisas do que um elemento determinado, concreto, limitado – nesse caso, a água.

Fulano se chama João; logo, sabemos que ele não se chama José, Paulo ou Francisco. Ao determinar seu nome, está se restringindo. Se alguém não tem nome, pode se chamar de qualquer nome no mundo.

Esse maniqueísmo é amplamente utilizado nas culturas que vivem sob a égide do american way of life: ou você está in ou você está out, ou você é um winner ou você é um loser. Qualquer filme sobre high school deixa clara essa divisão: de um lado os atletas, as cheerleaders (aquelas meninas de pompons que dançam nos intervalos dos jogos), os ricos e a pobrezinha linda, inteligente e perfeita; do outro lado, os nerds, os gordinhos, os esquisitos e as feiosas-com-óculos-fundo-de-garrafa. Apesar de no Brasil tais estereótipos não serem regra, a influência desses filmecos vem aparecendo nos próprios termos absorvidos recentemente por nossa cultura. Palavras como popular, nerd e loser já são bem utilizadas pelos adolescentes daqui.

No documentário Tiros em Columbine, o diretor Michael Moore mostrou o massacre de estudantes e professores cometido por dois alunos na Columbine High School, em Littleton, no Colorado, no ano de 1999. Os jovens assassinos eram típicos losers. Esquisitos e feios. Um dos entrevistados do filme, Matt Stone, ex-aluno de Colombine, fala sobre sua época de estudante, quando era um sério candidato a loser devido a seu jeito e sua aparência fora dos padrões; diz que, desde o ginásio, sofria pressão psicológica enorme para passar de ano. Caso repetisse, a sentença incutida por pais e educadores - “loser now, loser forever” – cairia como uma bigorna sobre sua cabeça e estaria fadado a morrer “solitário e pobre”.

Por não se adequar aos padrões impostos e ao invés de descarregar uma arma em cima dos alunos e se deixar engessar no papel de loser, ele se mudou de sua cidade onde tudo era “normal, dolorosamente normal” e fez sua catarse criando o desenho animado politicamente incorreto South Park,que tem sua cidadezinha natal como fonte de inspiração. Ali ele não poupa críticas ao american way of life.

Stone é um exemplo de quem escolheu uma terceira via, um caminho alternativo para seguir bem longe daquele traçado pela sociedade. Isto é, encontrou uma alternativa. Talvez esteja aí a palavra mágica para fugir do maniqueísmo aprisionante colocado pelo sistema.

O adjetivo loser, porém, vai muito além das salas de aula; serve para apontar qualquer tropeço, qualquer falha. Se um espertinho estaciona o carro mais rápido que você na vaga que você estava esperando, você é um loser. A proporção que tal palavrinha vem tomando é tão grande que existe até um símbolo para designar tais fracassados: é a letra L formada pelo dedo polegar aberto e o indicador levantado. Problema maior surge quando os chamados losers se revoltam e, ao apontar o indicador para a frente, inspiram-se nesse novo símbolo para vingarem-se dos winners. Tal atitude serve apenas para reafirmar ainda mais essa fórmula.

Aliás se pensamos bem, somos muito mais losers do que winners. No blog tocando.org, encontramos no post O mundo é dos losers!!! um trecho que fala sobre isso:

– Quantos dos caras que insistiram em ser jogador de futebol conseguiram ganhar mais de um salário mínimo?

– Quantas pessoas fizeram um site e conseguiram vendê-lo por mais de 1 milhão de dólares?

– Quantos porcento das modelos anoréxicas conseguiram ir pra Paris?

– Quantos dos milhares de atletas ao redor mundo conseguiram ganhar uma medalha olímpica?

– Quantas pessoas começaram como camelô e hoje são sustentados por Rebelde, Chavez e tudo mais?

– Quantas pessoas participam de arrancadão com Chevette 76 e quantas são heptacampeãs de F1?

A questão não é fazer coro aos que se denominam losers e se orgulham disso nem tentar a todo custo alcançar o transitório posto de winner. Existe vida fora dessa escala. E muita vida, muito ar. Para que se enquadrar em estereótipos, em gostos, roupas, atitudes? Muitas vezes o adolescente se sente obrigado a seguir um padrão para ser aceito. Mas onde fica sua individualidade? Por que não transferir a maleabilidade do “tipo assim”, para o mundo da vida e tentar ser, tipo assim, mais livre e menos cheio de certezas?

Sobre winners e losers, leia

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0215.html

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/cinema_teatro/0040.html

http://www.canseideserloser.com/

http://tocando.org/category/loser/

Publicado em 18 de novembro de 2008

Publicado em 18 de novembro de 2008

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