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Teorias acerca do conhecimento humano segundo Karl Popper

Mariana Cruz

O filósofo austríaco Karl Popper, ao realizar uma investigação acerca do conhecimento humano, faz uma distinção entre duas correntes, o essencialismo e o instrumentalismo, e concebe um terceiro ponto de vista, no qual, além de lançar mão de aspectos dessas duas correntes, utiliza também a ficção, mitos, conjecturas e teorias. Ou seja, elementos que, apesar de contrastarem com o mundo real, conseguem explicá-lo em parte, tentando, através do desconhecido, explicar o conhecido.

Para os instrumentalistas, a ciência não pode explicar a essência oculta das coisas, isto é, a ciência não é capaz de dar uma explicação definitiva sobre algo. As essências podem até existir, mas não somos capazes de apreendê-las. Eles consideram que as teorias são incapazes não só de descrever a essência das coisas como também o próprio mundo ordinário, uma vez que elas não passam de meros instrumentos.

Os essencialistas consideram o mundo ordinário um conjunto de aparências por trás das quais está o mundo real. De um lado, Popper concorda com os essencialistas por considerar que há muito de oculto em nossa percepção e que podemos descobrir boa parte disso através da ciência. Por outro lado, condena a postura desse grupo pelo fato de eles buscarem uma explicação definitiva, irrefutável, que não possa ser modificada ou ampliada.

Vê-se, assim, que a crítica de Popper aos essencialistas não é quanto à existência ou não das essências, mas sim pelo fato de que crer na existência delas em nada colabora para o desenvolvimento das ciências; serve apenas para criar obstáculos ao pensamento, evitando a refutação e o confronto de ideias.

Popper considera a concepção instrumentalista mais modesta e mais simples que o essencialismo, que, de acordo com ele, passa por três fases, enquanto o instrumentalismo passa por apenas duas. No essencialismo faz-se distinção entre: a) o universo da realidade essencial; b) o universo dos fenômenos observáveis e c) o universo da linguagem descritiva e da representação simbólica. O instrumentalismo simplesmente suprime a letra a), isto é, não leva em conta o universo da realidade essencial.

No caso de instrumentos, por exemplo, se aplicarmos sobre eles os testes mais rigorosos e eles falharem, não quer dizer que não serão mais utilizados. Uma aeronave que seja testada até a destruição, por exemplo, poderá continuar a ser utilizada dentro dos limites de segurança de sua aplicabilidade. Para os objetivos instrumentais relacionados à aplicação prática, uma teoria pode continuar sendo empregada mesmo depois de sua refutação, tendo sempre a aplicabilidade como seu limite. Desse modo, vemos que, para os instrumentalistas, uma teoria não pode ser refutada, mas também não poderá explicar o progresso científico. Para Popper, esse progresso se dá justamente pelas tentativas de refutação; graças a ela podemos distinguir as melhores teorias das não tão boas.

A concepção popperiana acerca do conhecimento humano defende que, embora nunca se possa saber com certeza se os resultados das investigações são verdadeiros, é possível comprovar a falsidade de determinadas teorias. Ainda de acordo com esse terceiro ponto de vista, tanto as novas teorias cientificas como as anteriores constituem tentativas autênticas de descrever o mundo. Todas as conjecturas têm o direito de descrever a realidade. Popper considera um grave erro concluir que a incerteza de uma teoria (seu caráter conjectural e hipotético) diminui sua pretensão de descrever a realidade. Se uma conjectura for refutada, ela será contraditória com alguma situação real e, ao testarmos tal conjetura e conseguirmos refutá-la, perceberemos a existência de uma realidade sobre a qual ela se chocou. As refutações são os pontos onde tocamos a realidade. Caso consideremos que uma teoria não pode ser testada, devemos considerá-la um mito ou uma fábula. As teorias são nossas invenções; elas não se impõem a nós, por isso algumas de nossas teorias podem se chocar com a realidade. Quando isso ocorre, ficamos cientes de que há uma realidade.

Popper fala de dois tipos importantes de previsões científicas – distinção essa que o instrumentalismo não pode fazer e que está associada ao problema da descoberta científica: trata-se da distinção de eventos de tipo conhecido e de novos tipos de eventos. Os instrumentalistas só podem explicar os eventos de tipo conhecido, enquanto os novos tipos eventos só podem ser conhecidos como descobertas. O instrumentalismo é incapaz de explicar uma importante função das teorias cientificas: a criação de novas situações para novos tipos e testes.

Após este pequeno esboço, é possível perceber que tanto a concepção instrumentalista quanto a essencialista apresentam brechas em seus conteúdos. É nesse ponto que a concepção popperiana de ciência parece levar vantagem, uma vez que nela a refutação é vista como algo positivo. Assim, tanto melhor que esta teoria de Popper seja refutada. Segundo o próprio pensador, desse modo se estará colaborando com o desenvolvimento da ciência.

Referência

Popper, Karl. Conjecturas e Refutações. Brasília: UnB, 1972.

Publicado em 02 de dezembro de 2008

Publicado em 02 de dezembro de 2008

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