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A economia mundial no século XX, o Direito e Habermas

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Sabemos que, por maior que fosse a dissensão entre os estudiosos da história econômica do século XX acerca da caracterização do momento presente sobre o desenvolvimento econômico mundial, existia um certo consenso na consideração de que vivíamos em época posterior ao ciclo de crescimento econômico internacional, que se arranjou em um capitalismo que se reinventava. Inaugurava-se tudo novamente com preocupação da (re)construção no pós-guerra.

Esse ciclo, no bojo do qual verificaram-se fenômenos como a consolidação da hegemonia estadunidense no mundo, a divisão do globo em dois sistemas concorrentes (as economias de mercado do Ocidente e as economias de comando do bloco soviético), a recuperação econômica europeia, a ascensão japonesa e a industrialização retardatária e dependente da América Latina, conheceu seu dobre de finados por ocasião dos dois  choques internacionais dos preços do petróleo na década de 1970.

Estes choques foram os golpes de misericórdia em um processo de crescimento iniciado na segunda metade da década de 1940. Com a adoção do padrão de conversibilidade dólar-ouro e a reconstrução das economias euro-ocidentais e japonesa, todas apoiadas no aproveitamento dos fatores de demanda agregada, como gostam os economistas, e com a ajuda econômica dos EUA através dos planos Marshall e o plano Dodge e o investimento direto de capitais de empresas dos EUA, as economias capitalistas ingressariam na mais longa e dinâmica fase de seu desenvolvimento econômico.

Tal ciclo, contudo, começou seu esgotamento em consequência da erosão econômica estadunidense, do encarecimento das matérias-primas procedentes das regiões periféricas, decorrente do avanço das lutas de libertação nacional e estabelecimento de governos antiocidentais ou antiimperialistas do terceiro mundo. Também contribuiu para esse esgotamento a redução de lucro das empresas de grande porte ocidentais, provocada pelo avanço das reivindicações de seus operários e movimentos sociais nos países do centro. O mundo começava a viver um novo agito socioeconômico que se reverberaria pela maior parte da segunda metade do século do não.

A necessidade de substituição de matérias-primas e recursos energéticos provenientes de África, Ásia e América Latina, inflacionados devido à afirmação da consciência terceiro mundista e antineocolonial dos países dessas regiões, acabou por produzir nos países centrais a abertura de um processo de substituição de insumos e busca de fontes energéticas alternativas. Assim, no curso de tal movimento, as matérias-primas orgânicas utilizadas pelas indústrias dos países avançados – petróleo, minérios, produtos agrícolas – foram sendo substituídas por novos materiais, laboratorialmente elaborados.

O petróleo e o carvão foram gradativamente deslocados por fontes energéticas alternativas como a energia nuclear e até a energia solar. Essas operações demandavam desenvolvimento intenso da investigação científico-tecnológica e aproveitamento sem precedentes das inovações técnicas por parte do setor produtivo da economia. Esse seria o cenário no qual seria gestada a chamada terceira Revolução Industrial. O mundo mudava velozmente e por aqui ficávamos ainda com problemas sociais sérios para resolver, os quais pareciam não ter solução em curto prazo. Os negros, vivendo na e da pós-escravidão, povoariam as antigas chefaturas e atuais delegacias de polícia, marcando sua existência por trajetórias de pequenos a grandes crimes. Todos denunciando a falta de amparo legal, o preconceito declarado e a exclusão social.

Assistíamos ao aumento dos gastos com pesquisa e produção de novas tecnologias como a elevação da parcela relativa ao capital constante na composição orgânica do valor das mercadorias produzidas, que demandava, como compensação, a diminuição dos custos da força de trabalho; era o capital variável no seio do processo produtivo. Isso ensejou o desencadeamento de um movimento de reengenharia da produção no qual o trabalho, valorizado em função das conquistas obtidas pelas lutas sindicais, começaria a ser substituído pela conhecida automação; também começaria a ser submetido por um processo de reorganização das relações de produção que significava a superação do paradigma taylorista-fordista.

As transformações se configuravam em um processo conhecido como o de (re)estruturação produtiva, o que, além de moldar as relações de produção, efetuava uma reversão da dinâmica das relações capital-trabalho em benefício do primeiro. Assim, os efeitos da (re)estruturação produtiva seriam sentidos não só no âmbito restrito da fábrica.

A recessão internacional dos anos 1970 já colocava em dúvida a existência do Estado do Bem-Estar Social nos países centrais. À depressão pós-elevação dos preços internacionais do petróleo seguiu-se uma contração da atividade econômica e o consequente aumento do desemprego, o que onerava os custos e tornava mais complexa a sustentação do Estado de Bem-Estar Social. Ademais, os processos de renovação tecnológica e reestruturação produtiva – características da Terceira Revolução Industrial (Hobsbawm, 1995) – demandavam enorme canalização dos recursos econômicos das empresas. A forma mais adequada de otimizar a utilização dos capitais das companhias em prol da reestruturação era a redução de sua contribuição fiscal ao Estado. Como o financiamento do Welfare State dependia estruturalmente de tais contribuições, as transformações em curso conduziriam a possibilidade de perpetuação de sua performance distributiva a uma grave crise. Apontado pelos idealizadores da reestruturação como óbice ao aprofundamento das reformas econômicas requeridas, a crise das políticas de bem-estar social provocaria erosão do prestígio dos partidos social-democratas e outros setores da esquerda europeia e a ascensão de seus adversários, os políticos e ideólogos neoliberais.

Aqui, vivíamos um período bastante controverso e complexo no aspecto social e até mesmo sociocultural, pois purgávamos um conflito que se desenhava num quadro de exclusão social vil, marcado pelo que a academia denominaria, a posteriori, pós-escravidão brasileira.

Os choques se multiplicariam ao longo da república que formávamos. A figura do afro-descendente, o crioulo,passaria a sofrer na pele o preconceito declarado de uma sociedade que não se permitia ver o quadro de desigualdade que se formava econômica e socioculturalmente. Não via que, breve breve, teríamos múltiplos problemas com tudo que se formava ao redor. Assistia-se de forma autista a um multiplicar de favelas, palafitas etc. que demonstravam ser alimentadores de uma crescente economia informal. Também com ela aumentava a criminalidade, tanto a micro quanto a macro, em cujo bojo se escondiam a fome, a miséria, o desamparo, o desemprego etc. etc.

Formaram-se corpos sociais e socioculturais autônomos por todo o espaço urbano nacional. E agora? Como solucioná-los em curto espaço de tempo?

O Direito nas questões sociais de hoje em dia

Para tratar da relação do Direito na era da modernidade, na globalização em que vivemos hoje em dia, poderíamos iniciar com a questão da autonomia do sistema jurídico. Habermas dizia que as correntes de pensamento que postulam a desconexão completa entre Direito e moral, de um lado, nos levariam a acreditar que se poderia dizer que a moralidade ou moral efetivamente exercida sempre se apresenta em intensa mutabilidade, eivada de comportamentos novos todo o tempo, ou seja, estar na sociedade não é muito fácil. Direito e política fazem, juntos, leituras sempre equivocadas do que seja a sociedade contemporânea.

A positividade do Direito salienta que o fato de ele produzir um saber livre das influências do pensamento tradicional, das determinações teológicas e metafísicas, não implica necessariamente o rompimento de suas relações internas com a moral e a política, em um mundo comandado pela globalização e pela modernidade.

Sabemos que o surgimento do Estado de Direito estreita as relações das instituições jurídicas com a sociedade oficial – a da norma – nas questões relativas aos direitos individuais, à justiça, à dominação, à legitimidade com os indivíduos e as demais instituições. Um exemplo do Estado de Direito é a elaboração da ideia de cidadania. As garantias de vida, de liberdade – o homem ainda não encontrou uma definição convincente, pois é sempre relativa – variam de lugar para lugar, cultura para cultura; enfim, pertencem ao local e ainda não se relacionaram com eficiência com o todo holístico.

Assim, um dos aspectos absolutamente típicos do que entendemos como sendo a história do Direito é justamente sua complementaridade com a moral e a política, a qual também envolve a moralidade, sem que isso signifique perda das características próprias de cada um.

Habermas percebeu que o Direito positivo, filho e também contribuição do cartesianismo, ao impor-se diante da tradição jurídica clássica, procurava manter um dos aspectos dessa tradição: a garantia transcendental da validade jurídica, que denominou metassocial. Derivava daí um sistema jurídico separado da política, em que a jurisprudência seria o conjunto de soluções dadas às questões de Direito pelos tribunais superiores, e a administração da Justiça torna-se o núcleo institucional de controle do discurso jurídico.

É de Habermas a lembrança de que o Direito antecede as formas organizadas de domínio estatal ou político sobre qualquer um, seja qual for sua natureza. O Direito sancionado pelo Estado e o poder estatal organizado juridicamente surgem simultaneamente como uma forma de dominação política típica das sociedades mais desenvolvidas, inclusive para o mundo globalizado. Ou seja, o poder estatal e o Direito estatal constituem-se reciprocamente.

Habermas propõe a elaboração de uma reconstrução crítica do papel do Direito moderno nas diversas esferas de ação social. Grandes campos temáticos, que contribuem para as questões relativas às teorias críticas do Direito, são elucidativos:

  • A crítica ao projeto desenvolvido por Max Weber ao abordar a modernidade e suas consequências para os discursos jurídicos;
  • As propostas desenvolvidas por Habermas se referem aos postulados críticos e reflexivos elaborados com vista à tradição do discurso jurídico da modernidade.

Weber acabou elaborando pressupostos de Sociologia estreitamente vinculados aos princípios das ciências humanas entendidas como ciências compreensivas. As formas de constituição da modernidade, ou seja, o capitalismo, o Direito, a Economia, a religião, foram temas fundamentais da obra weberiana. São as ideias e os limites daí resultantes que auxiliam Habermas a desenvolver seus estudos sobre o Direito e seus vínculos com o projeto da modernidade.

Talvez a solução ainda esteja no disse José do Patrocínio quando da abolição da escravidão brasileira: temos que cuidar da educação desses daqui para frente.

Referência

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX. Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Publicado em 09 de dezembro de 2008

Publicado em 09 de dezembro de 2008

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