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Polígono móvel flutuante

Roosivelt Pinheiro

Doutorando da Escola de Belas-Artes da UFRJ

Apresentação

O presente trabalho tem por objetivo dar continuidade às atividades do projeto de residência artística e montagem do laboratório de mídia no local de minha origem, a comunidade São Sebastião Paraná do Corocoró, distrito do Município de Nhamundá, no Estado do Amazonas, iniciadas em 15 de dezembro de 2007 e encerradas em 28 de janeiro de 2008. A proposta foi selecionada no Prêmio Edital Conexão Artes Visuais Funarte/MinC/Petrobras; portanto, um projeto artístico apoiado pelo Estado, ou seja, teve financiamento de verba pública.

O projeto busca subsidiar a tese Nett: desejo na rede, através do processamento dos dados acumulados durante a realização da proposta. A tese é orientada pelo prof. dr. Paulo Venâncio Filho, na linha de pesquisa Linguagens Visuais, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ. Esses dados se encontram em fase de desenvolvimento.

Nett: Desejo na Rede é um projeto que visa a incorporar alguma memória, teoria e crítica ao trabalho realizado numa instituição de ensino superior, estabelecendo a prática do fazer teórico e do prático. Para o propósito, talvez seja útil considerar minha história, a condição de migrante – a mistura da natureza ribeirinha amazonense com a natureza carioca. Assim, poderíamos pensar na zona desconhecida da Internet, um personagem (rede de artefato), uma memória mapeando, juntando numa prática discursiva a materialidade e a imaterialidade como valor, mas um valor igualmente associado ao corpo teórico e ao presente período histórico. Esse valor singular seria o outro olhar para o conhecimento: a prática colaborativa comunitária reticular em redes. Um ensaio de muitos espaços. Hoje, tudo é intercambiável, tudo é processo. Assim como antes da História da Arte tudo era organismo.

A vantagem que um estudo da evolução de um personagem-objeto desde suas raízes apresenta é oferecer uma contribuição à questão embaralhada de explicar o sentido (de uma definição) da História da Arte na sociedade atual: as memórias e as particularidades dos conhecimentos individuais. Pensar as obras através dos dispositivos que elas próprias sintetizam.

As relações entre redes podem ser de fato orientadas em diferentes direções: nosso plano de trabalho implica três conjuntos de redes: rede de pesca, rede da Internet e rede social, que estabelecem relações de conexão. Em um sentido, memória, continuidade, e locomoção são aspectos interdependentes das redes que se opõem às noções de presença, origem e objeto.

O objetivo é consolidar, pela articulação prévia do trabalho, um laboratório interdisciplinar e torná-lo efetivo, a fim de que se entre em contato com diferentes conceitos que o trabalho sintetiza, por meio de uma metodologia orientada por projeto (work in progress – execução em progresso ou processo).

Nesse sentido, o conceito de arte desenvolvido neste trabalho será o de arte como permanente desenvolvimento de associações de conhecimento, graças ao intercâmbio das coordenações nascentes entre as ações, os sujeitos e os objetos.

www.nettdesejonarede.com é um site e um dos dispositivos da pesquisa composto por três trabalhos que se enlaçam com as categorias rede, arte e o sistema de arte. Como um condensador, armazena dados da sucessão de fenômenos periódicos ocorrido no processo. As redes são condutores; são separadas por suas articulações ou por sua natureza (artefato/armadilha, interatividade, participativa/vivencial). Os dados são armazenados na homepage e, devido ao fato de cada trabalho armazenar dados de “rede”, porém diferentes, o conteúdo no dispositivo pretende ser sempre variável.

Sítio em www.nettdesejonarede.com
1ª página na Internet do sítio www.nettdesejonarede.com

O endereço a seguir é do portal internacional 20 minutos da Espanha, que noticiou a transação da composição n° 5 do artista expressionista abstrato Jackson Pollock.

http://www.20minutos.es/noticia/168662/0/cuadro/Pollock/record/

Rede social

Polígono móvel flutuante: laboratório de residência artística e mídias interativas em rede de conexões é o início da rede social, resultado do investimento feito por um artista pesquisador em um projeto artístico. Teve início em 15 de dezembro de 2007, com a pré-produção, e estendeu-se até 28 de janeiro de 2008, com o retorno de toda a equipe.

A rede artefato/armadilha foi o pretexto para experimentar a criação e a realização de uma rede social que começa com a montagem do laboratório de mídias interativas na comunidade ribeirinha, comumente denominada Corocoró, situada à margem esquerda do Rio Amazonas. E, paralelamente, para criar um festival artístico-cultural interdisciplinar que promovesse intercâmbio urbano/rural.

Trata-se da realização de um intercâmbio entre esses dois modos de vida para testar a hipótese de que o trabalho colaborativo, interativo e comunitário (a efetivação do engajamento artístico no social) pode gerar outro modo de tecer a arte. De um lado, a vida nas comunidades ribeirinhas do Rio Amazonas usufruindo as riquezas do solo, dos rios, dos lagos, das terras ocupadas por eles; de outro, a experiência do acesso às tecnologias e das mídias de comunicação de massa de pessoas de diferentes cidades.

Oficina de direitos humanos e ambientais registrada pela oficina de autovídeo.
Oficina de direitos humanos e ambientais registrada pela oficina de autovídeo.

O objetivo é criar uma estratégia para formar redes de comunicação e informação entre pessoas, programas e projetos para as comunidades ribeirinhas do Rio Amazonas. Considerou-se ainda que essa iniciativa facilitasse a troca, a interação e a consolidação dessas comunidades como autogestoras de conhecimentos. Assim, a rede social é uma ação artística que promove espaços de colaboração em arte contemporânea; explora a função social do artista na aplicação da arte como forma a produzir objetos de conhecimento e desenvolvimento humano, inserido em um contexto urbano (dos convidados) e no rural (das populações de floresta de várzea da Amazônia), estas com características de demanda pública, social, e precário senso comunitário.

Não é tarefa fácil avançar o abismo que tantas vezes parece abrir-se, no conteúdo artístico, entre indivíduo e sociedade. A História da Arte, com o avanço industrial e principalmente o tecnológico, vem se reafirmando nas múltiplas reflexões e pelas diferentes práticas adotadas por artistas desde o início do século XIX e, mais efetivamente a partir da década de 1960, período em que os artistas conceberam algum tipo de discurso sobre sua produção artística, desenvolvendo estruturas complexas de construção de objetos e arquivos. Por exemplo, os trabalhos que reivindicaram a concepção conceitual, a interatividade, o site específico, a ecologia urbana e a rural experimentados por artistas como Joseph Kosuth, Piero Manzzoni, Sol Lewitt, Robert Smith, Ligia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Cildo Meireles, entre outros (FERREIRA e COTRIN, 2006).

Paraná do Corocoró

A comunidade do Paraná Corocoró localiza-se na fronteira dos Estados do Amazonas e do Pará; politicamente pertence ao município de Nhamundá (AM), cuja sede fica a oito horas de barco a motor, mas se encontra a uma hora da cidade de Juruti Novo (PA) e  dispõe de limitado auxílio por parte do Poder Público na perspectiva de garantia dos direitos socioassistenciais (a Escola Estadual São Sebastião, o posto de saúde com agente de saúde comunitário e energia elétrica por meio de gerador que funciona de 13h às 15h para o funcionamento de aulas básicas de computação – reflexo da criação do laboratório – e das 18h às 22h para as aulas de Ensino Médio via telecentro). O contingente populacional é de aproximadamente 712 pessoas, sendo 389 adultos e 323 crianças e jovens na faixa de 0 a 14 anos. Muitas destas crianças e jovens encontram-se na escola em situação de bolsa-escola. As mulheres são as responsáveis pelos domicílios (casas de madeira, geralmente de dois cômodos, com o destino do lixo queimado ou enterrado), tendo hoje, em média, três filhos. O saneamento básico é precário: o tratamento de água, em sua maioria, é pelo processo de cloração; 16% da população não tratam a água; seu abastecimento é através de poço, nascente ou o Rio Amazonas; o destino de fezes e urina é a fossa (sem um tratamento básico de assepsia, ou seja, sem vedação adequada, sem suspiro). A comunidade possui situações de gravidez na adolescência; alcoolismo; problemas de saúde pública; desnutrição infantil; situação de indigência da família (baixa renda familiar: aposentadorias e benefícios); falta de acesso aos bens e serviços socioassistenciais; em caso de doença, os comunitários procuram a unidade de saúde (sem recursos médicos e com poucos medicamentos, dependendo de transporte a barco para chegar à cidade); o meio de comunicação mais utilizado é o rádio, e a participação em grupos comunitários é o religioso, que possui, inclusive, hegemonia política: o sistema político comunitário é o de presidência, vice-presidente e secretário ligados à Igreja. Recentemente, desde a chegada do projeto Juruti, da companhia de minério Alcoa, está em desenvolvimento uma associação de produtos agrícolas, o projeto Pajiroba. Tem nas festas religiosas, no futebol e na televisão, durante a noite, seu modo de entretenimento.

Um momento do cine-vídeo na comunidade do Corocoró.
Um momento do cine-vídeo na comunidade do Corocoró.

O sistema econômico é mesclado: combina: o cultivo da agricultura no período da seca, feito pelas famílias que possuem terra e condições financeiras para a compra das sementes e o cercado do roçado, colhendo principalmente melancia, pepino, feijão, milho, tomate e hortaliças (o projeto Pajiroba); a atividade da pesca, que nesse período acontece com o movimento da subida dos peixes migradores, a piracema (subida, em grande quantidade, de variados peixes pelo Rio Amazonas para a desova nas cabeceiras), é oportunidade para os homens pescadores aumentarem a renda familiar, especialmente aqueles que possuem rede de pesca, rabeta (canoa com motor de popa) ou bajara (barco com motor assentado na quilha) – o que faz com que as mulheres trabalhem com maior esforço nas roças. Além disso, muitas famílias dependem dos benefícios de aposentadoria dos moradores mais idosos e das bolsas estudo e família fornecidas pelo Governo Federal. A comunidade possui quantidade significativa de árvores terebintáceas que produzem manga, mas os comunitários a exploram somente para consumo próprio, deixando estragar grandes quantidades; as frutas servem também de alimento para os pássaros.

A rede da intersubjetividade

Participaram do projeto os moradores da comunidade e a equipe composta por mim, Roosivelt Pinheiro, o artista nascido na comunidade; pela produtora executiva, a historiadora Ana Bonjour; pelos oficineiros: os artistas do Rio de Janeiro Alexandre Vogler e Jarbas Lopes, Paulo Tiefenthaler Romano e Ronald Duarte; a artista de Parintins Elenice Mourão; a advogada carioca Mariana Trotta Dallalana Quintans; a assistente social capixaba Carolina de Cássia Ribeiro de Abreu; o médico Nathan Kamliot, de Belo Horizonte, naturalizado francês; os corocoroenses: a pedagoga Rosiane Pinheiro e o gestor em gastronomia regional Rômulo Sampaio.

Fazem parte também os monitores: o artista de Parintins Luciano e o artista de Manaus Darlan Guedes. A estes se integraram os tripulantes Renilson Teodoro Sampaio Pinheiro (comandante fluvial) e Evaldo Pinheiro (marinheiro de convés). Pelos voluntários (os quais participaram com seus recursos próprios), os dois filhos de Jarbas, Janaína e Cauê; a bufeteira Sueli Duarte e seus dois filhos, Liz e Thomaz; a estudante de arte do Estado do Arizona (EUA), a búlgara Katerina Dimitrov (convidada por Jarbas Lopes a participar do projeto). A equipe contou ainda com o apoio da família do proponente, do diretor da escola Daniel Santarém e dos professores João Manuel Santarém e Maria do Carmo.

Parte da equipe no porto da cidade de Parintins.
Parte da equipe no porto da cidade de Parintins, que dista da comunidade 4h (descendo o rio) e 8h (subindo) de barco.

O projeto busca constituir um importante instrumento de circulação de pessoas – portanto, também de circulação de ideias, de práticas de culturas – dentro dos espaços comunitários dos ribeirinhos da Amazônia. Busca mostrar como qualquer pessoa pode estar consciente da criatividade por meio de várias atividades lógicas e não lógicas das oficinas e da convivência colaborativa, podendo aplicá-las tanto no cotidiano como em outras atividades criativas.

As etapas do projeto

Divido a realização do projeto em três etapas. A primeira consiste na criação e elaboração do projeto para análise e seleção. Penso que essa etapa do trabalho caracteriza-se como uma vontade artística, uma autodeterminação: artistas que na atual sociedade da informação precisam estar atentos às vias por onde circulam o sistema artístico.

A segunda etapa seguiu o seguinte roteiro: execução das tarefas, que começa com minha viagem (artista proponente do projeto) e das pessoas – de diferentes áreas do saber – convidadas para a colaboração participativa/vivencial. A viagem de avião tem início no Rio de Janeiro em direção a Manaus, capital do Estado do Amazonas. Seguimos de barco de linha para a cidade de Parintins (AM), onde fretamos o barco Anjo Rio em direção à comunidade do Corocoró. Nesta etapa se esboçam os conceitos de locomoção e transporte: indivíduos urbanos seguem para um lugar rural desconhecido, carregados de mitos a seu respeito, como as lendas do Boto, do Curupira, da Cobra grande e a visão da floresta amazônica intocável, dos animais selvagens, do modo de vida selvagem, da Amazônia como outro mundo etc.

Acionando a terceira etapa, iniciamos no dia cinco de janeiro a montagem do laboratório na escola da comunidade, onde foram postas em prática oficinas para os comunitários: informática, inclusão digital, orientação sexual e saúde, escultura, pintura e desenho, direitos humanos e ambientais, autovídeo, gastronomia, projeto ensino-aprendizagem.

O desenvolvimento da ação envolveu a residência artística coletiva e as oficinas que experimentaram e empregaram linguagens tecnológicas, dos direitos humanos e ambientais, da saúde e educação sexual e artística (desenho, pintura, escultura e de vídeo) que se interrelacionaram através dos espaços sociais colaborativos.

Oficina de saúde e educação sexual.
Oficina de saúde e educação sexual.
Oficina de informática.
Oficina de informática.
Oficina de inclusão digital.
Oficina de inclusão digital.
Oficina de desenho e pintura.
Oficina de desenho e pintura.

Durante 45 dias, foi possível experimentar um espaço vivencial de trocas “artísticas”, a montagem de um laboratório de mídias interativas, o intercâmbio de conhecimentos entre ribeirinhos e urbanos sobre a natureza humana, direitos humanos, meios de produção e criação artísticas. Essa troca abrangeu informações sobre a utilização de eletrônicos – “oficina de aparelhos” – em que os presentes puderam discutir as possibilidades da comunicação digital e a ideia de redes, o acesso, a oportunidade digital, que significa o primeiro contato de uma comunidade com as ferramentas de comunicação (TICs), conhecimentos introdutórios sobre sistema Linux, editor de texto, editor de planilhas e apresentação; noções básicas de higiene, saúde familiar, doenças sexualmente transmissíveis (DST/Aids), métodos anticonceptivos e plantas medicinais; questões sobre escultura, vídeo, animação e desenho desenvolvidos por processos ficcionais de construção; a amplificação da consciência ambiental e a necessidade de viver com qualidade de vida sustentável; abordagem dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais garantidos na Constituição Federal brasileira, a partir da observação dos direitos não acessados pelos moradores da comunidade, como a falta de saneamento básico, luz elétrica, direitos trabalhistas e outros; princípios básicos da expressão cinematográfica através da criação de um sintético argumento sobre a origem da comunidade; noções básicas de microbiologia (procedimentos higiênicos a serem usados na fabricação de alimentos, temperatura inadequada para os alimentos, contaminação biológica, química e física) e o processo de fabricação dos alimentos (massas, peixes, aves e carnes); elaboração de pratos regionais e utilização de alimentos da região que eram desperdiçados por que os moradores desconheciam sua utilidade.

Durante 45 dias, foi possível experimentar um espaço vivencial de trocas “artísticas”, a montagem de um laboratório de mídias interativas, o intercâmbio de conhecimentos entre ribeirinhos e urbanos sobre a natureza humana, direitos humanos, meios de produção e criação artísticas. Essa troca abrangeu informações sobre a utilização de eletrônicos – “oficina de aparelhos” – em que os presentes puderam discutir as possibilidades da comunicação digital e a ideia de redes, o acesso, a oportunidade digital, que significa o primeiro contato de uma comunidade com as ferramentas de comunicação (TICs), conhecimentos introdutórios sobre sistema Linux, editor de texto, editor de planilhas e apresentação; noções básicas de higiene, saúde familiar, doenças sexualmente transmissíveis (DST/Aids), métodos anticonceptivos e plantas medicinais; questões sobre escultura, vídeo, animação e desenho desenvolvidos por processos ficcionais de construção; a amplificação da consciência ambiental e a necessidade de viver com qualidade de vida sustentável; abordagem dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais garantidos na Constituição Federal brasileira, a partir da observação dos direitos não acessados pelos moradores da comunidade, como a falta de saneamento básico, luz elétrica, direitos trabalhistas e outros; princípios básicos da expressão cinematográfica através da criação de um sintético argumento sobre a origem da comunidade; noções básicas de microbiologia (procedimentos higiênicos a serem usados na fabricação de alimentos, temperatura inadequada para os alimentos, contaminação biológica, química e física) e o processo de fabricação dos alimentos (massas, peixes, aves e carnes); elaboração de pratos regionais e utilização de alimentos da região que eram desperdiçados por que os moradores desconheciam sua utilidade.

Foi montado o laboratório com quatro computadores desktop (com CPU Celeron Pentium-IV, monitor 17” Proview CRT, HD 160 Gb Sata 2Mb, memória RAM 512Mb r/pc3200/400 mhz, gabinete miditorre preto atx/btx, gravador de DVD preto LG 20x gsa-h55nk, estabilizador Ragtech 300 va, mouse ps2 óptico preto com 2 botões, teclado ps2 preto abnt2 português genérico, duas caixas de som); uma câmera mini—DV Sony; 1 projetor multimídia Epson PowerLite; uma câmera digital Seishun com bateria a pilha; uma impressora HP Deskjet F4100; uma caixa amplificada LL200; dois microfones Sonivox; um microsystem, mídias CD-R e DVD-R (50 unidades de cada) e cabos de conexão.

Montagem do laboratório.
Montagem do laboratório.

Foi possível também dar início a uma pequena biblioteca sobre os assuntos propostos, semente que pode despertar o gosto pela leitura e, consequentemente, o interesse pelo conhecimento. Vale dizer: de maneira peculiar, tanto os urbanos quanto os ribeirinhos ampliaram sua noção de vida coletiva e identidade cultural.

Foram realizadas 17 entrevistas para a montagem de um programa de rádio, que está em fase de edição e será disponibilizado posteriormente. Foi criada ainda uma página para abrigar fotos e comentários da viagem, onde será colocado o programa. Está disponível em http://estudiolivre.org/el-user.php?view_user=laboratorioflutuante.

Após nosso retorno, a comunidade se organizou. Solicitou e conseguiu junto à Prefeitura de Nhamundá que o professor Marcio Jones Canto de Sá aplicasse um curso de informática básica, para dar prosseguimento às introduções oferecidas pelas oficinas. O programa do curso é uma parceria entre a Prefeitura de Nhamundá e o Centro Tecnológico do Amazonas – Cetam, fato que demonstra o envolvimento e o entusiasmo da comunidade com o projeto.

O programa do curso de informática básica do Corocoró tem as seguintes características: três turmas de 48 alunos por ano, entre estudantes, comunitários e professores. São quatro horários de quatro alunos (16 alunos no total). Duas turmas à tarde, de 14h a 15h e de 15h a 16h; duas turmas à noite: de 19h a 20h  e de 20h a 21h.

Módulo 1: Sistema operacional Windows: 14 horas em sete aulas.

Módulo 2: Microsoft Word: 24 horas em 12 aulas.

Módulo 3: Microsoft Excel: 24 horas em 12 aulas.

Módulo 4: Microsoft Power Point: 10 horas em 5 aulas.

Módulo 5: noção de Internet.

Durante a realização do projeto, várias dificuldades se apresentaram:

  • instabilidade de energia;
  • saneamento básico;
  • falta de água encanada (todos os dias era necessário retirar água do rio para preparo dos alimentos, limpeza dos banheiros e do material da cozinha) e
  • coleta do lixo.

            Todas essas tarefas foram realizadas pelos integrantes junto à comunidade, pois, devido à falta de recursos financeiros, não foi possível contratar mão-de-obra local suficiente e adequada. Aliás, foi um fator bastante negativo, pois a preocupação em levantar recursos financeiros para pagar as passagens de retorno dos colaboradores e a manutenção básica de infraestrutura para o projeto demandou o maior empenho da produção, contratando empréstimos bancários e pessoais para a conclusão das atividades.

Conforme se apresentavam as dificuldades – principalmente a instabilidade de energia, que causou queima dos fusíveis em uma série dos estabilizadores, a falta de água potável (algumas vezes), o excesso de insetos e a chuva, que diretamente dificultaram as oficinas de capacitação de uso dos aparelhos eletrônicos –, a programação foi se modificando e se adaptando ao ritmo do cotidiano, assim como ao meio ambiente. Buscamos soluções na cidade de Juruti, consultando eletricistas (contratamos um, mas por algum motivo ele não apareceu), comprando fusíveis e extensões com fusíveis para substituir os estabilizadores. Passamos a usar somente o gerador da escola, que apresentava melhor voltagem e amperagem. Aparamos água da chuva para cozinhar e, algumas vezes, para beber. Preparamos uma solução (uma parte de óleo diesel mais uma parte de sabão em pó diluído em água) para evitar as formigas e aproveitávamos os intervalos das chuvas para dar prosseguimento às atividades.

A conexão com a Internet não foi estável; isso impossibilitou o uso prático por parte dos comunitários, mas foi presencial, acessávamos e-mails através do minilaboratório do Ensino Médio montado na escola e através do modem com tecnologia DMA da Vivo, utilizando o laptop.

A mão-de-obra contratada e parte dos alimentos comprados na comunidade, foram pagos somente com o recebimento da segunda parcela encaminhada pela Funarte.

Com a proposta de utilizar uma metodologia do work in progress (trabalho em progresso), as ações e os produtos criados uniram a comunidade em torno da montagem do laboratório como instrumento gerador de interatividade. A utilização das tecnologias digitais e os fundamentos dos direitos humanos como instrumento de inserção destacaram-se como principal ferramenta para a troca de conhecimento, além de terem auxiliado na pesquisa dos conceitos e das técnicas da arte contemporânea.

Participativo/vivencial

A arte usada como expressão coletiva oferece estruturas abertas de relações participativas e inúmeras produções de saberes, integrando nela o coletivo pelo redimensionamento social e interdisciplinar, como exemplifica Hélio Oiticica no seu programa ambiental:

Não se trata mais de impor um acervo de ideias e estruturas acabadas ao espectador, mas procurar pela descentralização da ‘arte’, pelo deslocamento do que se designa como arte, do campo intelectual racional para o da proposição criativa vivencial, dar ao homem, ao indivíduo de hoje, a possibilidade de ‘experimentar a criação’, de descobrir pela participação, esta de diversas ordens, algo que para ele possua significação (Oiticica: 1986, p. 111).

O conteúdo fundamental desta produção surge a partir da necessidade de tratar a arte de maneira assimilativa, dentro de vertentes contemporâneas que aspiram à supressão da aura do artista como propositor transformador individualizado, considerando-o ator da sociedade, propondo ações experimentais, críticas, participativas que dialoguem cada vez mais diretamente com grupos sociais:

Dentro desse interstício social, o artista deve assumir os modelos simbólicos que expõe: toda representação devolve com valores que poderiam transpor na sociedade, mas a arte contemporânea modela mais do que representa, em lugar de inspirar-se na trama social se insere nela (Bourriaud, 2006, p. 17, tradução livre).

Na arte, os termos e suas definições derivam de uma trama de arquivo de dados armazenados com a história, a teoria estética e os trabalhos dos artistas. Essa relação, produto da sociedade, é dinâmica e, por conta da contingência, está sujeita a mudanças com o tempo, com o uso e com a deterioração, e deve ser questionada.

Mas essa trama foi assimilando novos arquivos, e os construtivistas, em 1920, após a Revolução Russa, atrelada ao marxismo, foram os primeiros a armazenar uma relação direta da arte com o social: “de um lado, achavam-se os que acreditavam que os trabalhadores de arte deveriam servir às massas, deveriam ser compreensíveis a todos e usar técnicas e materiais industriais” (Rickey, 2002, p. 45). Portanto, há quase um século os artistas perceberam a necessidade de seu envolvimento com o social e, ao longo do século XX, transpareceram nos processos complexos da produção artística.

Como se pode ver, a teoria estética da representação do belo, o individualismo artístico e o historicismo não são suficientes para definir o objeto de arte. O contexto cultural contemporâneo é mais fluido e ainda não encontrou uma moldura para delimitar sua margem.

Como ter acesso a um público mais amplo; como fazer com que o objeto do trabalho possa apreender o interlocutor, sua consciência, seus interesses e intenções se o trabalho não estiver relacionado a um contexto social de comunicação?

As conquistas da arte nas suas relações humanas são irreversíveis. O conhecimento adquirido durante o século XX e neste início de século sobre relações humanas é fator vital do nosso desenvolvimento. A pluralidade de experimentações da arte atual, a meu ver, as mais utópicas, não apenas não ignora esse conhecimento, antes o complementa com experimentações no contexto social.

A questão que se coloca hoje é a de saber se os valores percebidos nos sinais das obras de arte, nos objetos criados especialmente com a finalidade de comunicação particular chamada arte não são os mesmos percebidos na outra realidade visual, natural e artificial, criada pelo homem sem a intenção de fazer arte ou dada pela natureza. Em outros termos, se a vida, nas suas manifestações visíveis, não é tão humana e legível quanto um quadro. Um Cadillac velho numa aldeia da Amazônia é sinal de toda uma realidade que abrange um horizonte vasto, que vai da produção industrial em série à aristocracia em termos de consumo; da classificação dos aspectos simbólico-comunicativos, da obsolescência da sua semanticidadeà capacidade de transmitir ainda uma informação num cenário natural e semifeudal. Apreender os significados dessa situação é em substância um processo mental análogo à apreensão dos significados de uma obra realista atual, montagem de coisa e valores (Cordeiro, 1965, p. 112).

Baseado na exploração das relações de convivências, característica da arte dos últimos cinquenta anos, o projeto parte do pressuposto de inserir a ação fora dos espaços da cidade, trabalha a montagem de coisas e valores como um laboratório, cria espaços participativo-vivenciais, realiza um plano de existência: as ações na comunidade ribeirinha, criando espaços de interatividade e para a reflexão de desenvolvimento humano com a arte contemporânea.

As décadas de 1960 e 1970 foram um período marcante de consciência das diferenças, cujas reivindicações sociais evidenciavam a liberdade de expressão, liberdade sexual, aceitação das minorias etc. Foi nesse cenário que as características mais evidentes de transformação da narrativa da arte se manifestaram: o Minimalismo com sua “teatralidade”; a Pop Art e seus produtos de consumo de massa; a Arte Conceitual, que certifica a ideia como objeto artístico; a Body Art e a Land Art ampliando a extensão dos suportes artísticos em todas as direções; o Neoconcretismo e a Nova Figuração, no Brasil, que contribuíram para a formatação de uma arte brasileira.

O conceito de parangolé desenvolvido por Hélio Oiticica no início da década de 1960 desloca a ideia de produção de objetos, aponta para uma arte como “intervenção cultural”: realizar ações, despertar a “atividade coletiva que intercepta subjetividade e significação social” (Favaretto, 2000, p. 124).

A inserção desse dispositivo coletivo, dentre outros que se estruturaram com a abertura promovida pelas ideias de Duchamp no conceito de arte, é uma agradável referência brasileira que reflete o caráter globalizado que a atividade artística assimilava em meados do século passado, como reflete também a preocupação que tinham os artistas nesse período. A difusão desses dispositivos criou um contexto de informações materiais e imateriais, e os artistas, ansiosos por reinventar suas narrativas, constroem espaços – corpo expandido – para comunicar (informar) algo, expor questões, utilizando a ação participativa para re-configurar o entorno e produzir conhecimento na rede.

O corpo expandido concerne à teia humana que constitui a sociedade no campo do direito à liberdade, ligadas umas as outras por laços invisíveis de trabalho, propriedade, instintos e afetos. Mas diz respeito também ao sistema econômico que nos liga por diferentes tipos, tornando-nos dependentes no tempo e no espaço de um todo social – como se associar à economia?

Trata-se, na prática, de conectar-se segundo ordens específicas de criatividade no corpo desse todo social, ou seja, na rede funcional complexa e constantemente re-figurada da sociedade. A comprovação de mal-estar da atual sociedade da informação é, entre outros, um fator que leva o artista (ou qualquer pessoa) a dar início a produções que criam redes culturais que se interrelacionam, operando mudanças na esfera cultural.

As práticas colaborativas na arte das últimas décadas têm despertado o interesse da crítica para a configuração do seu contexto sociocultural como elemento orientador. Nicolas Bourriaud, escritor, crítico de arte e curador francês, desenvolveu o conceito “estético relacional” para contextualizar trabalhos de artistas e pesquisadores contemporâneos que criam redes colaborativas, atuando diretamente nos “interstícios sociais” na promoção de novos enfoques para a arte.

Expedição Rio/Amazonas.
Expedição Rio/Amazonas (atracados na propriedade Santa Maria no Corocoró).

Dado que o modo como os indivíduos se portam é determinado por suas relações passadas ou presentes com outras pessoas, os ribeirinhos caboclos do Corocoró, por intermédio da mudança de um indivíduo natural da comunidade, tiveram a oportunidade de, em setembro de 2006, relacionarem-se com o coletivo urbano da Expedição Rio/Amazonas, expedição que se caracterizava como trabalho artístico e consistiu na viagem, por 30 dias, de 11 artistas da cidade grande por diferentes comunidades ribeirinhas da Amazônia para a 27ª Bienal de São Paulo, cujo tema, Como viver juntos, é claramente consequência de uma reestruturação específica das relações humanas e da arte na contemporaneidade. A realização do projeto Polígono móvel flutuante de janeiro de 2008, a meu ver, é consequência dessa reestruturação. E pode ser como as diferentes iniciativas de artistas em diferentes partes do mundo: um avanço na evolução histórica da arte.

Podemos citar outras iniciativas artísticas que se apropriaram do espaço social como plataforma de atuação transformadora: no Brasil, o Jamac - Jardim Miriam Arte Clube 2004, proposta artística da artista Mônica Nador, que junto com outros artistas e moradores do Jardim Miriam, bairro da Zona Sul de São Paulo, vem realizando numa casa, na periferia, um misto de espaço de experimentação artística, local de convivência e de debates políticos e culturais; na Tailândia, The Land, que, nas afirmações do artista Rirkrit Tiravanija, um dos participantes, “foi uma iniciativa de diferentes artistas: criar um lugar de e para o engajamento social: “Compramos esse pedaço de terra na vila de Sanpatong, perto de Chiang Mai, e estamos tentando descobrir um modo de criar um coletivo, para que a propriedade esteja no nome de todos e de ninguém em particular. No meio de The Land há dois campos de plantio de arroz monitorados por um grupo da Universidade de Chiang Mai e do local. A colheita é dividida entre todos os participantes e famílias que sofrem com a epidemia de Aids”; ou ainda o coletivo Ala Plástica, da Argentina, que desenvolveu na Bacia do Rio da Prata uma série de projetos interconectados no princípio de “montagem social” como forma de resistência ao avanço das obras de engenharia que danificam a infraestrutura ecológica e social da região.

Conclusão

O projeto Polígono móvel flutuante é uma célula criada para expansão e autossustentabilidade, de forma a alcançar objetivos e metas de desenvolvimento, baseada numa evolução lúdica, artística e interdisciplinar. Aproveitando o potencial do meio tropical para desenvolver um novo modo de produzir baseado na interatividade coletiva de arte e tecnologias, entendendo a tecnologia como qualquer conhecimento que vise melhorar a qualidade de vida do indivíduo, busca criar políticas de associação coletiva porque acredita que elas promovem o desenvolvimento humano e geram matéria-prima e trabalho, os quais são a energia da qualidade de vida.

Primeiramente precisamos perguntar: como a arte pode fazer isso, por que o interesse no desenvolvimento humano?

Desde sua origem, a História da Arte buscou refletir a sociedade em que se insere. Se acompanharmos sua evolução, veremos que ela se apropriou de ferramentas científicas para reivindicar o antropocentrismo a partir do Renascimento, passou por momentos de reafirmação religiosa no Barroco, seguido pela Revolução Industrial, que inseriu novos dispositivos tecnológicos e de entretenimento, possibilitando a fragmentação da definição artística pelos movimentos que surgiram no final do século XIX, início do XX e especulada pelos mais variados critérios durante todo o século passado.

O diálogo através da arte serviria ao laboratório de maneira interdisciplinar e seria a armadilha de capturar consciências para uma vida com qualidade, informando que a comunidade depende tanto de uma política pública de limpeza rural do lixo da cidade exportado para a comunidade quanto da atitude da população, na mesma proporção, em se conscientizar para não jogar ou queimar o lixo urbano. A ação artística, nesse contexto, produz resultados tecnológicos que agregam valores da Educação, do Direito e da Saúde, um núcleo pensador capaz de fornecer ferramentas de conhecimento.

Referências bibliográficas

BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006.

CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução.Tradução de Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins, 2005.

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Endereços na Internet

Resumo

Este trabalho é uma etnografia visual do projeto de residência artística e montagem do laboratório de mídia eletrônica com conexão em rede Polígono móvel flutuante: laboratório de residência artística e de mídias interativas em rede na Amazônia, mais precisamente na comunidade São Sebastião Paraná do Corocoró, distrito do Município de Nhamundá, no Estado do Amazonas. Agenciamento artístico selecionado pelo edital Conexão Artes Visuais Funarte/MinC/Petrobras. O projeto, realizado em janeiro de 2008, é um dos dispositivos da tese de doutoramento Nett: Desejo na Rede, na linha de pesquisa Linguagens Visuais, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, orientada pelo Prof. Dr. Paulo Venâncio Filho. O objetivo é a criação de uma rede social tecida com os fios da arte atual.

Palavras-chave: Arte, conexão, rede.

Publicado em 09 de dezembro de 2008

Publicado em 09 de dezembro de 2008

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