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Ano novíssimo

Cláudia Dias Sampaio

Eis então 2009. Difícil fugir do clássico balanço de fim de ano, ainda mais quando nos despedimos de ano tão intenso quanto foi 2008. Lembramos os 40 anos de Maio de 68, os 60 anos da assinatura da Declaração dos Direitos Humanos; na literatura, 100 anos de morte de Machado de Assis e Arthur de Azevedo, 400 anos de nascimento de Padre Antônio Vieira, 100 anos de nascimento de Guimarães Rosa e Josué de Castro.

Tristezas também não faltaram; para nós, brasileiros, as enchentes de Santa Catarina talvez tenham sido o acontecimento que mais nos comoveu. Pelo mundo, ataques terroristas na Índia e no Paquistão, eleição de Obama, uma crise financeira mundial, ameaça de recessão e escassez de alimentos, violência doméstica e pelas ruas, sequestros, corrupção e consequências dos excessos do consumismo desenfreado, a natureza e os excluídos do conforto dos “bem-sucedidos” a gritar: “O que está acontecendo? O mundo está ao contrário e ninguém reparou.”

Arrisco uma palavra para resumir este que foi o último ano bissexto da década de 2000: crise. Não no sentido redutor com que os noticiários tentam a todo custo nos impregnar, como se a perda de milhões de dólares de investidores financeiros fosse mais importante do que a mudança que de fato isso representa. Mas no sentido da palavra em sua etimologia grega, krísis, que vem de kritikê, ou crítica, em bom português; a faculdade de pensar, julgar, decidir e discernir. Por essa perspectiva, podemos vislumbrar horizonte, ampliar as margens e até arriscar a esperança de que possamos aprender com as perdas.

Começam então a palpitar indagações: por que tivemos que assistir à cobertura maciça das eleições americanas, compulsivamente narrada pelo casal 20 de um jornal que se apresenta como voz oficial, como se fôssemos todos norte-americanos; se há recessão econômica no mundo, por que seguir os conselhos do presidente Lula e comprar o dispensável?

Talvez assim não nos assustemos tanto quando ouvimos falar em “crise financeira mundial”, afinal fome e miséria já não são novidades há muito tempo, sobretudo na África, na Índia e nos países da América Latina. Sabemos disso, só não vê quem não quer, como os cegos de Blindness (Ensaio sobre a cegueira), que Fernando Meireles adaptou para o cinema a partir da obra de Saramago. Filme que poderia ser ícone de 2008.

Virar esse 8 de lado e olhar para o infinito que há nele pode doer, mas nos traz a compreensão de que é justamente nos momentos decisivos, na crise, que conhecemos o pior e o melhor do que a humanidade é capaz.

No outro lado da moeda das dores de 2008 estão a solidariedade, a esperança, o afeto e, sobretudo, o amor – que surge nos pequenos gestos daqueles que querem se olhar. Então, às indagações somam-se ao conforto de que a vida está correndo e podemos, sim, mergulhar nossos remos no mar e atravessá-lo sem ferir os que estão juntos, nesse ciclo de morte e vida: batizados, casamentos, velórios, separações, vitórias e fracassos.

Cúmplices. Na ideia de que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”.

2009: já nasce prenhe.

E para as indagações das quais nunca daremos conta, fica a ilusão de que só a arte pode nos dar, numa sugestão de poesia e música para este alvorecer:

Quadra

Cecília Meireles

Os remos batem nas águas:
têm de ferir, para andar.
As águas vão consentindo –
esse é o destino do mar.

In: Viagem

Receita de ano novo

Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

In: Discurso de primavera e algumas sombras

Dentro da vida

Gastão Cruz

Não estamos preparados para nada:
certamente que não para viver
Dentro da vida vamos escolher
o erro certo ou a certeza errada

Que nos redime dessa magoada
agitação do amor em que prazer
nem sempre é o que fica de querer
ser o amador e ser a coisa amada?

Porque ninguém nos salva de não ser
também de ser já nada nos resgata
Não estamos preparados para o nada:
certamente que não para morrer

In.: A moeda do tempo

Músicas

Publicado em. 16 de dezembro de2008

Publicado em 16 de dezembro de 2008

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