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Quando o Ensino Médio é fundamental

Mariana Cruz

Dou aula para o primeiro ano de Ensino Médio nos turnos da manhã e da noite em um colégio estadual. A diferença que percebo entre os alunos dos dois turnos é grande, a começar pela faixa etária. De manhã, a maioria tem entre 15 e 16 anos, nem muito mais, nem muito menos. À noite, são muitos os que já passam dos 20. Isso não quer dizer muita coisa. É apenas um fato empírico, que talvez só seja observado na escola em que trabalho. Mas acho difícil que seja assim.

A faixa etária avançada dos alunos do ensino noturno deve-se a diversas razões. Pelo que me dizem ou os escuto conversar, muitos têm que trabalhar desde cedo para “botar dinheiro em casa” e muitas tiveram de interromper seus estudos momentaneamente porque ficaram grávidas e só puderam retornar às salas tempos depois.

Claro que há também o caso daqueles que deixaram a escola porque não tinham saco para estudar ou foram reprovados diversas vezes e ficaram desestimulados com os estudos. Sem falar nos que têm problemas familiares, de saúde e outras contingências que acontecem com alunos de todos os turnos e classes sociais.

Entretanto, o que observo é que, ano após ano, o número de alunos matriculados no período noturno vem diminuindo. Isso sim, acho que é uma particularidade de minha escola. Suponho que existam várias razões para isso acontecer: a poucos metros do colégio existe uma favela onde vira-e-mexe há troca de poder, invariavelmente acompanhada por troca de tiros que nos obriga a realizar troca de salas às pressas. Não creio, porém, que a violência seja o único motivo da evasão noturna.

Por seu lado, o crescimento da oferta de cursos supletivos tem atraído boa parte de nossos estudantes, visto que muitos deles precisam do diploma com certa urgência, a fim de conseguir um trabalho melhor ou se manter no emprego em que estão, já que a discrepância entre a procura e oferta de emprego é grande e cruel com quem tem pouca ou nenhuma formação. Não é à toa que, ultimamente, nos concursos públicos quem tem curso superior faz concurso para vagas de ensino médio, quem tem Ensino Médio faz concurso para Fundamental, quem tem Ensino Fundamental... se vira como pode.

Meus alunos da noite, os que não se deixaram seduzir pelos supletivos nem se intimidaram com a violência nas proximidades do colégio, ainda têm um terceiro obstáculo a superar: o cansaço após uma longa jornada de trabalho, pois são caixas de supermercado, boys, garçons, operadores de telemarketing, atendentes de lojas de cadeias de fast-food (que, aliás, são as campeãs em reclamações dos estudantes pelos salários que pagam – que nada têm de big)...

Deve ser por alguns desses motivos que cerca de 40% dos alunos matriculados aparecem somente no primeiro bimestre; outros tantos faltam mais do que comparecem. E, à medida que o ano vai chegando ao fim, a quantidade de F na lista de chamada vai ofuscando os esparsos pontinhos referentes ao grupinho coeso, firme, interessado que raramente falta, que faz todos os trabalhos, participa, debate, sugere atividades, pergunta, mostra seus pontos de vista. Alguns membros desse grupo chegam esbaforidos, com a blusa do colégio por cima do uniforme do trabalho, sentam na frente, por vezes nem comem o jantar que é servido na escola para não se atrasar mais: pegam uma banana e sobem. Esses moços e moças enfrentam uma batalha diária para estar dentro das salas no horário.

Cabe a nós, professores, reconhecer o esforço dos alunos e trabalhar com eles da melhor forma possível, em sala de aula ou fora dela. Não podemos nos sentir desestimulados porque só há meia dúzia de alunos em sala, pois esse ínfimo grupo quer melhorar, aprender, crescer no emprego, na vida, ganhar mais, ser menos explorado. Essa meia dúzia tem a força de meia centena. Para eles, o Ensino Médio é fundamental.

Publicado em 16 de dezembro de 2008

Publicado em 16 de dezembro de 2008

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