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O primeiro dia de aula para os professores
Mariana Cruz
Como se sentem os professores
PEEEEEIIIIIIINNNN - É o sonoríssimo sinal avisando aos professores e alunos que está na hora de subir. Primeiro dia de aula. Mais um ano pela frente: surpresas, trabalho, situações difíceis, alegrias, tristezas, crescimento e aprendizagem. Cada vez que se entra em sala de aula, há um encontro com o inesperado, o contato com os alunos, aqueles rostinhos nunca antes vistos, muitos dos quais irão fazer parte da vida do professor para sempre. E vice-versa. Quem não tem um professor marcante em sua biografia, que, apesar de tê-lo conhecido por um breve período de um ano, está vivíssimo na memória há décadas? E qual professor, a despeito dos milhares de jovens que passam pelas suas aulas, não guarda na mente os alunos especiais de seu currículo? Certos professores e alunos eternizam-se uns para os outros.
No contato inicial com a turma do primeiro ano do Ensino Médio, os alunos estão quietos. Ainda não se conhecem, pois vieram de outras escolas. Tudo é novo para eles, não só o colégio como também a fase da vida. Mudaram de ciclo, de uniforme, de status: não são mais as "crianças" do Fundamental. É o primeiro ano do resto da vida deles. A aula se inicia em silêncio de missa. Aqueles que consideram o ofício do professor um sacerdócio devem estar se referindo a esse encontro inicial. Doce ilusão dos que acham que os estudantes vão se comportar desse modo por mais de uma quinzena.
Já na segunda semana surgem as primeiras conversas paralelas, e pouco tempo depois os colegas de classe já estarão se tratando como os melhores amigos, falando freneticamente sobre o jogo de futebol da noite anterior, as paqueras ou contando aqueles "causos" intermináveis, com descrições longuíssimas, de dar inveja a qualquer autor naturalista, dada a riqueza de detalhes: "Bebel e eu esperamos um tempo e depois passamos na frente dele. Ele tava lindo, com o cabelo todo espetado, tava sentado no banquinho perto da quadra conversando com aqueles três meninos com quem ele sempre anda. Aí a gente passou perto, ele nem viu, depois fingimos que fomos comprar alguma coisa na cantina e passamos de novo rente a ele, mas ele continuou não dando bola. Depois os meninos que estavam com ele foram jogar bola e ele continuou sentado e continuou sem me notar. Aí se passaram uns três minutos, quando Bebel e eu sentamos perto dele, no banco ao lado, aquele mais baixinho de pedra. Eu dei uma gargalhada bem alta pra chamar atenção dele, então ele virou e falou comigo, quer dizer, falou, não, levantou a sobrancelha, mas é como se tivesse falado. Eu quase morri. Ele é muito lindo, cara, fiquei mais apaixonada ainda". Claro que todas essas linhas poderiam ser resumidas em três palavras: "ele me cumprimentou". Mas para esse universo extremado, descontrolado, exagerado, da adolescência, cada minúcia é de extrema importância, e um simples "oi" é uma questão vital.
No início do ano letivo, os cadernos estão novinhos. Os alunos escrevem na primeira página com capricho. As meninas são ainda mais cuidadosas: usam duas ou mais canetas de cores diferentes para melhor organizar suas anotações; as mais exageradas os deixam como porta de tinturaria mesmo: o título de uma cor, o subtítulo de outra, os travessões, números, cada um de uma cor diferente, isso quando não recheiam as laterais das folhas com adesivos fofinhos. No quesito caderno embonecado, os casos mais graves, porém, são as mocinhas que substituem os pingos dos is por coraçõezinhos. Mas voltemos ao assunto do texto.
Já nesse encontro inicial um divertido passa-tempo é tentar adivinhar o perfil de cada um pelo pouco que eles deixam escapar. A estudiosa, o engraçadinho, o bonitão, o guloso, a líder, o isolado... OK, são generalizações classificatórias, positivistas, taxonomistas, chame do que quiser; mas, na verdade, não passam de tentativas frustradas de catalogação. Tais estereótipos não são nada confiáveis e podem mudar de um dia para o outro. No decorrer do ano, tudo pode acontecer: a menina tímida se entrosa com as novas amigas, muda o corte de cabelo, tira os óculos e torna-se uma das mais populares da escola; o líder da bagunça percebe o sinal vermelho proveniente das suas notas da mesma cor, passa a se sentar na frente e fazer todos os trabalhos, a cdf começa a namorar e perde o interesse pelos estudos... O mesmo acontece com o professor, que pode ser considerado carrasco por algumas turmas e super gente-boa por outras. Da mesma forma que aquela turma, considerada mais amadurecida por uns professores e que para outros não passa de um grupo blasé que não topa nenhuma atividade interativa.
E ainda dizem por aí que ser professor é fácil. Trabalhar a manhã inteira, das sete ao meio dia e vinte, parece pouco se comparado às outras profissões cuja carga horária é de 8 horas diárias. Mas o período que o professor está dando aula é intenso, visceral, o tempo que corre é outro que não o do relógio. É como se todos os dias ele fizesse um daqueles espetáculos de teatro experimental do Zé Celso, com seis horas de duração. Cabe ao professor escolher fazer da sua aula um monólogo e fechar a quarta parede ou tornar essa aula uma apresentação plenamente interativa, em que todos são atores e não existe a separação plateia/palco, por mais que a arrumação das salas reforce essa cisão (em algumas escolas há até um tabladinho para o professor apresentar seu espetáculo).
Como tirar os alunos da plateia e convidá-los a entrar na peça? Ao pedir que algum deles leia determinado trecho de um livro, geralmente há dificuldade. Nas primeiras aulas, são raros os que se oferecem, apesar de ser possível perceber, pelo olhar deles, que alguns estão com vontade de ler, mas têm receio de se expor. Então é só um empurrãozinho: "Gente, se vocês forem fazer faculdade, terão de apresentar seminários na frente de toda a turma, geralmente sem poder ler o que está escrito no papel; se vocês não treinarem agora a falar em público, quando será, então?" Apelos desse tipo geralmente convencem uma boa parte a soltar a voz. Aí eles até disputam a leitura. E quanto maior a participação do aluno, maior o prazer do professor.
Esses são apenas alguns dos elementos que surgem nos primeiros dias de aula, e, assim como no Ano Novo, também vale a pena o professor fazer suas promessas para o ano letivo que se inicia: tornar as aulas mais interessantes; fugir do lugar-comum; elaborar projetos interdisciplinares com os professores de outras áreas; realizar atividades extraclasse; ler textos com os alunos; deixar sempre o diário em dia; entregar todas as notas antes do prazo; organizar o tempo de modo que não vare as madrugadas corrigindo trabalhos e provas dos alunos; tantas outras metas... Muitas delas se cumprem, outras ficam para o próximo ano.
Traçar determinados objetivos também vale para os alunos: chegar ao fim do ano com a matéria entendida (não decorada); não ficar em prova final em nenhuma matéria; estudar um pouquinho todos os dias ao invés de deixar tudo para a véspera das provas... O mais importante não é que sejam cumpridas e sim pensadas; isso mostra que tais professores e alunos têm interesse em melhorar, acreditam no dinamismo da escola, nas mudanças, no novo e não se deixam acomodar. Para esses professores e alunos que não se deixar embotar, engessar, oprimir por um sistema educacional cheio de fórmulas (e também para os do outro tipo): Feliz Ano (letivo) Novo!!!
26/2/2008
Publicado em 26 de fevereiro de 2008
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