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Orientação educacional: ressignificando seu papel no cotidiano escolar

Rita de Cássia Prazeres Frangella

Doutora em Educação pela Uerj; professora do CAp-Uerj

Tratar da atividade de orientação remete a questões que entrecruzam funções não tão claras quanto aparentam ser. Afinal, o que é ser orientador? Cabe a ele a tarefa de orientar. Recuperando o sentido lato destas palavras no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, encontra-se:

Orientação - ato ou arte de se orientar; direção, rumo, guia, impulso.
Orientar - determinar os pontos cardeais em; marcar por meio de orientação; ajustar ou adaptar à direção dos pontos cardeais; guiar; dirigir; encaminhar; indicar o rumo a; reconhecer a situação em que se acha para se guiar no caminho; reconhecer, examinar com cuidado diferentes aspectos
(grifos meus)
.

A significação da palavra traz consigo a visão que se tem, na escola, do que vem a ser orientação: não permitir que haja desvios do caminho traçado, que os pontos cardeais estabelecidos sejam de fato a orientação segura que permita esse caminhar. Assim, tratar de orientação – como também de outras funções pedagógicas não diretamente ligadas à docência – envolve discutir relações de poder e controle na escola.

A Orientação Educacional tem sua história de desenvolvimento atrelada à da Psicologia, que data do século XVI e procurava através de psicotécnicas traçar aptidões correlacionadas a atividades específicas (Grinspun, 1992). Seu desenvolvimento como função específica dentro do contexto escolar se dá no rastro dos avanços da Psicologia; no entanto, é preciso considerar que a noção sempre se fez presente na Educação, tendo em vista que a educação em si se propõe à orientação do ser. Até a década de 1920, a Orientação Educacional no Brasil constituía-se de atividades esparsas e isoladas, em que se fazia presente o cunho de aconselhamento, ligado a uma moral religiosa. A partir da década de 1920, com o desenvolvimento urbano-industrial, houve a necessidade de formação para essa nova realidade de trabalho. O ensino profissional foi sendo implementado e, com ele, a Orientação Educacional, serviço que poderia adotar uma linha de aconselhamento vocacional.

As leis orgânicas de 1942 a 1946 são marcos no desenvolvimento da Orientação Educacional: a preocupação com a qualificação profissional se atrelava à redefinição político-econômica em curso, comprometendo os diferentes setores da economia com a formação do seu trabalhador, o que desembocou na criação do Senai e do Senac. Nesse contexto, a Orientação Educacional ganhou visibilidade e foi legalmente instituída, tornando-se obrigatória no ensino secundário, primando aí pela orientação vocacional.

No período pós-1964, durante a ditadura militar, o curso de Pedagogia sofreu reformulações para adequar-se aos princípios vigentes na época. Alterou-se a formação do técnico generalista e foram criadas as habilitações. Após um núcleo comum de matérias relacionadas aos fundamentos da Educação, haveria a opção por uma das habilitações possíveis ao pedagogo, aprofundando os conhecimentos numa determinada área: Supervisão, Orientação, Administração, disciplinas das matérias pedagógicas foram as habilitações criadas nessa reformulação.

Essa divisão, fruto de uma divisão técnica do trabalho escolar, contribuiu para que a Orientação Educacional entrasse num movimento de profissionalização; a criação das associações de supervisores e orientadores data da década de 1970. Inseridos numa concepção tecnicista da Educação, caberia a eles o controle sobre o processo que se desenvolve na escola, de forma a assegurar sua eficiência; enredavam-se cada vez mais em atividades de cunho burocrático.

Na década de 1980/90, vivia-se uma efervescência em torno da atuação/formação docente. O ponto central do embate estava na defesa da docência como base da formação. Como esta era a fundamentação da base comum nacional proposta para o curso de Pedagogia, a polêmica girava em torno da identidade do curso, dos sujeitos formados neles e dos saberes dessa formação. Ao defender a docência como base da formação, o movimento de educadores opôs-se frontalmente às habilitações. A Anfope (Associação Nacional de Profissionais da Educação) se organizou, com base na defesa da ampliação do papel do docente, assumindo este a direção do processo educativo como um todo. Isso se deu também com a adesão do movimento de supervisores e orientadores educacionais, antes organizados em entidades próprias. Não sem embates, mas por vontade da grande maioria das forças regionais, as associações de supervisores e orientadores educacionais se extinguiram; seus membros passaram a fazer parte da Anfope como profissionais da Educação, reiterando a defesa dos postulados desta.

A partir de então, as funções de supervisor e orientador ficaram descaracterizadas. A problematização em torno da questão é grande. Libâneo (1996, 1998, 1999, 2000, 2006) discutiu as ideias defendidas pela Anfope, que centralizavam na docência a identidade do curso de Pedagogia e do pedagogo. Refutava essa posição, diferenciando o docente do pedagogo strictu sensu, como ele chamava o profissional a ser formado, distinguindo-o a partir da explicitação das diferenças entre o trabalho pedagógico e o trabalho docente. Sustentava seus argumentos na demonstração que fez da necessidade da atuação de profissionais da educação em funções não diretamente docentes. Defendia então que, por questões conceituais, a Pedagogia poderia abranger a docência, mas não se reduzir a tal aspecto.

Libâneo e Pimenta (1999); Libâneo (2000); e Pimenta (1996) refutam a ideia da docência como fundamento de identidade do curso de formação dos profissionais da Educação. Argumentam que essa defesa incita uma descaracterização do curso e dos saberes pedagógicos, reduzindo-os à docência, numa compreensão do pedagógico em geral como metodológico.

Contudo, as atuais Diretrizes Nacionais para Pedagogia (2006) a definem como curso de licenciatura plena, superando a fragmentação da visão de especialista x docente e a problemática das habilitações, reforçada também pela definição de que as atividades docentes incluem a participação em ações de planejamento e gestão em espaços escolares e não-escolares. Assim, vê-se – em consonância com as propostas defendidas pela Anfope – que a formação deve abranger a complexidade do fazer pedagógico, ampliando a concepção de docência, sendo necessário que esta se sustente sobre uma sólida formação.

Diante desse horizonte histórico de desenvolvimento das funções do orientador, encontramo-nos hoje num momento de busca por uma reconceitualização do que vem a ser orientador. A busca por uma ressignificação desses papéis no contexto escolar e na formação docente revela a importância dessas funções no cotidiano escolar. Isso é percebido no Projeto de Lei 838/07, do deputado Marcos Montes (DEM-MG), em tramitação na Câmara, que obriga as instituições de pré-escola, ensino fundamental e ensino médio com 300 ou mais alunos a manter um profissional da educação de nível superior habilitado em Orientação Educacional. Escolas menores poderão dividir o tempo do mesmo profissional.

Contudo, é preciso ter em vista que esse movimento é recente; ainda hoje, a visão do que vem a ser orientação está atrelada aos significados construídos historicamente: o de um profissional que atua sobre um outro. Essa visão, ainda tão presente no cotidiano escolar, indica caminhos de uma hierarquização do trabalho no cotidiano escolar a partir da condição de ser possuidor ou não de alguns conhecimentos. Nesse modelo, o orientador, ao se debruçar sobre esse cotidiano em desenvolvimento, analisa-o e o altera, como se só ele fosse capaz de enxergar as dificuldades encontradas e de propor alternativas a elas.

Se é importante a defesa de profissionais da educação que desenvolvam trabalho pedagógico não docente nas escolas, é preciso ter claro também que o que se espera deles é um trabalho de ação compartilhada, para além do aconselhamento ou orientação profissional. Sem pretender esvaziar o trabalho da Orientação Educacional, o que se faz premente é repensá-lo sob novas bases, no desafio da constante construção dialógica, considerando que esse outro – professor-aluno (sujeito, com história, construtor de conhecimentos) – é um ser com experiência e saberes que constrói a partir da sua história. Pensar outro modo de olhar esse outro é ele estabelecer um verdadeiro diálogo na emergência de pensar novas formas de atuação, em que a educação não seja democrática apenas naquilo que ambiciona desenvolver com os alunos, mas seja gerada num fazer-se também democrático.

O trabalho do orientador encontra-se numa condição de atuação diferente do professor em sala de aula, mas essa diferença não implica desigualdade de condições de pensar o trabalho em que ambos estão envolvidos e para o qual convergem suas ações. Assim, é preciso assumir que a tarefa de orientador se insere num projeto coletivo, em que os trabalhos,

sem perda da especificidade das funções e serviços, articulem-se em vista da mesma finalidade e dos mesmos objetivos educacionais. É nesse sentido que “setorizar” a escola é atender às especificações do trabalho, sem desagregá-lo ou dividi-lo em seus propósitos; é nesse sentido que setorizar não é sectarizar, mas compreender que o conjunto se faz pelos elos comuns da pluralidade
(Rangel, 1999, p. 94).

Encarar o cotidiano como processo em que os conhecimentos, avanços e retrocessos são tecidos no interior dos múltiplos saberes e experiências que o permeiam é condição sine-qua-non para que a Orientação Educacional se constitua a partir de uma posição solidária de coordenação em que

ninguém é proprietário de um conhecimento, mas sim responsável por um dos fios necessários à tessitura de unir o tapete de saberes e fazeres que só existirá com a troca/trançado de todos os fios necessários
(Alves & Garcia, 1999, p. 141).

Referências bibliográficas

ALVES, N. & GARCIA, R. Atravessando fronteiras e descobrindo (mais uma vez) a complexidade do mundo. In: ALVES, Nilda (Org.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A/Sepe-RJ, 1999.

___. Rediscutindo o papel dos diferentes profissionais da escola na contemporaneidade. In: FERREIRA, Naura Syria (Org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade.São Paulo: Cortez, 1999.

BRASIL/CNE. Resolução CNE/CP n. 1. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006.

GRINSPUN, Mírian Paura. O espaço filosófico da orientação educacional na realidade brasileira. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992.

LIBÂNEO, José Carlos. Diretrizes curriculares da Pedagogia – um adeus à pedagogia e aos pedagogos? In: MONTEIRO, Aída et al. (Orgs.). Novas subjetividades, currículo, docência e questões pedagógicas na perspectiva da inclusão social.Recife: Anais do Endipe, 2006, p.213-242.

___. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2000.

___. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998.

___. Que destino os educadores darão à Pedagogia? In: PIMENTA, Selma (Coord.). Pedagogia, ciência da Educação? São Paulo: Cortez, 1996.

LIBÂNEO, José Carlos & PIMENTA, Selma. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança. In: Educação e Sociedade.Campinas: CEDES, no. 68, dez. 1999.

RANGEL, Mary. Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação. In: FERREIRA, Naura Syria (Org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade.São Paulo: Cortez, 1999.

Publicado em 19 de fevereiro de 2008.

Publicado em 26 de fevereiro de 2008

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