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A utilização das abordagens da Educação Física escolar no cotidiano pedagógico do professor

Daniel Teixeira Maldonado

Graduando em Educação Física da USJT

Leonardo Augusto d´Almeida Barros

Professor especialista em Educação Física escolar, pós-graduando em Educação

Profa. Dra. Ana Martha de Almeida Limongelli

Professora da Graduação em Educação Física da USJT

Introdução

Em 1851, a Educação Física foi incluída como matéria no currículo escolar. Em 1854, a ginástica passou a ser disciplina obrigatória no ensino primário; a dança, no ensino secundário. Mas foi a partir de 1920 que os estados começaram a incluir a Educação Física nas suas reformas educacionais e frequentemente usaram o nome de ginástica para esta prática (Betti, 1991, citado por Darido, 2003).

No último século, houve diversas propostas metodológicas de Educação Física e todas essas tendências ainda hoje influenciam o profissional na sua formação (Darido, 2003).

A partir de 1930, a Educação Física escolar brasileira passou a ser marcada pelo modelo higienista e pelo modelo militarista. Ambas as concepções tinham suas práticas pedagógicas formalizadas por meio da seleção dos indivíduos perfeitos e exclusão dos considerados incapacitados. Entendiam a Educação Física como uma disciplina essencialmente prática, não necessitando de nenhuma fundamentação teórica para lhe dar suporte. (Darido, 2004; Coletivo de Autores, 1992, citado por Darido, 2003).

Após as Grandes Guerras, apareceu um novo modelo de escola, denominado Escola Nova, cujo objetivo era promover o desenvolvimento integral da criança. Nessa fase ocorre a substituição do conceito anatomofisiológico para o conceito biossócio-filosófico da Educação Física (Darido, 2003).

Entre 1969 e 1974, a Educação Física escolar estruturou-se predominantemente sob o modelo esportivista. Este retomou as práticas pedagógicas de segregação e exclusão, acrescidas da tentativa de alienar a juventude brasileira (Betti, 1991, citado por Darido, 2003; Castellani Filho, 1993, citado por Darido, 2003).

Na década de 1980, o modelo esportivista começou a ser muito criticado pelos meios acadêmicos, e a Educação Física passou por um período de valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência. Nesse momento rompeu-se, ao menos em nível de discurso, a valorização excessiva do desempenho como objetivo único da escola (Darido, 2003).

Esse novo momento da Educação Física escolar provoca a eclosão de estudos sobre a prática pedagógica, dando origem às abordagens de ensino da Educação Física escolar. Segundo Darido (2003), as abordagens são: construtivista-interacionista, desenvolvimentista, psicomotricidade, jogos cooperativos, abordagem da saúde renovada, abordagem sistêmica, abordagem crítico-superadora, abordagem crítico-emancipatória.

A abordagem construtivista-interacionista tem como objetivo principal promover a construção do conhecimento do sujeito com o mundo, fazendo com que todos os alunos entendam as atividades propostas pelo professor (Freire, 1989). A abordagem desenvolvimentista tem como objetivo principal trabalhar o desenvolvimento das habilidades básicas (Tani et al, 1988). A psicomotricidade tem como objetivo principal construir a personalidade dos alunos a partir do seu esquema corporal (Le Bouch, 1983). Os jogos cooperativos têm como objetivo principal desenvolver a cooperação entre todos os alunos. (Broto, 1995). A abordagem da saúde renovada tem como objetivo principal uma proposta de combater problemas orgânicos pela falta de atividade física, em que a atividade física na infância pode auxiliar à cultura de hábitos saudáveis ao longo de toda a vida (Guedes e Guedes, 1996).

A abordagem sistêmica, que tem como característica a apropriação de questões filosóficas e sociológicas como uma forma de repensar as questões importantes no currículo de Educação Física, possibilita ao aluno o acesso à cultura física, usufruindo, compreendendo, reproduzindo e modificando as formas culturais das atividades físicas e analisando corpo e movimento, como: o aluno, ao correr, não deve ter um correr apenas pelo movimento, mas sim a consciência de como correr, os benefícios que esse correr irá trazer a ele (Betti, 1991).

A abordagem crítico-superadora, baseada no marxismo e no neomarxismo, tem como objetivo possibilitar ao aluno analisar e interpretar a realidade compreendendo que toda produção humana tem relação com o momento histórico, emitindo um juízo que depende de pessoa para pessoa (Coletivo de Autores, 1992).

A abordagem crítico-emancipatória visa analisar e questionar as características elitistas da Educação Física transpondo-as para as questões sociais, a fim de superar as diferenças sociais, baseadas também na metodologia marxista (Kunz, 1994).

Darido (2003) comenta que, apesar de todas as mudanças sociopolíticas vivenciadas nas ultimas décadas, de um discurso que supervaloriza a Educação, encontramos um cenário sombrio nas escolas nos dias de hoje, principalmente porque permanece distante, não influenciando a prática pedagógica do professor. Freire e Scaglia (2003); Kunz (2003) confirmam esse distanciamento.

Método

O presente estudo caracteriza-se por uma pesquisa exploratória de dados existentes, extraídos de uma amostra não probabilística atípica escolhida pelos autores a partir do problema da pesquisa, condições temporais, técnicas e de acesso às instituições educacionais para desenvolvimento e conclusão do mesmo (Thomas e Nelson, 2002; Laville e Dionne, 1999).

Participou da pesquisa um professor de Educação Física da rede de ensino privado de uma escola de ensino fundamental (1ª a 4ª série), localizada na região leste da cidade de São Paulo.

Foi realizado um contato inicial com a direção da escola e com o professor de Educação Física para apresentação e explicação do estudo. Após a aceitação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo professor, iniciaram-se os procedimentos de coleta dos dados. Foram gravadas todas as aulas de Educação Física ministradas ao longo de um mês durante o 1º semestre letivo para duas turmas: 3ª série A e 3ª série B, totalizando oito aulas. A gravação foi contínua, com duração de 30 minutos do tempo total da aula, intercalando entre as aulas os 30 minutos iniciais e os 30 minutos finais. Ao término dessa etapa, foi realizada entrevista semiestruturada, composta por questões abertas. Os dados foram transcritos. Sua análise foi realizada com a técnica de análise de conteúdo, adotando o tema como unidade central de análise (Laville e Dionne, 1999).

Resultados e discussão

A fala do professor nas aulas foi categorizada em uma unidade temática: objetivo principal. Esses resultados foram confrontados com a fundamentação adotada nas abordagens de ensino da Educação Física, originando o Quadro 1.

Quadro 1: Fala do professor x Abordagens de ensino da Educação Física
Objetivo principal Abordagens de ensino da EF
Desenvolver habilidades básicas (20) Abordagem desenvolvimentista
Entendimento das atividades realizadas (17) Abordagem construtivista-interacionista.
Desenvolver a cooperação entre os alunos (1) Abordagem dos jogos cooperativos
Construir a personalidade a partir do esquema corporal Abordagem psicomotora
Apropriação de questões filosóficas e sociológicas Abordagem sistêmica
Obter hábitos saudáveis e realizar atividade física ao longo da vida Abordagem da saúde renovada
Possibilitar ao aluno analisar e interpretar a realidade (2) Abordagem crítico-superadora
Superar as diferenças sociais Abordagem crítico-emancipatória

Os principais objetivos identificados foram:

  • o desenvolvimento das habilidades motoras básicas (20). Este se encaixa na abordagem desenvolvimentista, uma vez que ela tem como principal objetivo o desenvolvimento das habilidades motoras. Para tanto, ela prega que todos os alunos atinjam o padrão maduro das habilidades básicas realizando os movimentos de acordo com esse padrão predeterminado (Tani et al, 1988);
  • o entendimento das atividades realizadas (17), o que se vincula à abordagem construtivista, que tem como objetivo principal que os alunos resolvam diversas situações-problema. Isso pode ocorrer utilizando o movimento para a aprendizagem de outras disciplinas (Freire, 1989);
  • a possibilidade de que o aluno analise e interprete a realidade (2), o que se encaixa na abordagem crítico-superadora, uma vez que o aluno é estimulado a analisar, interpretar e criar novos significados sobre diversos conteúdos durante as aulas de Educação Física (Coletivo de Autores, 1992);
  • desenvolvimento da cooperação entre os alunos (1) o que se relaciona à abordagem dos jogos cooperativos, uma vez que ela não prioriza a competição, mas a participação ativa de todos os alunos envolvidos nas atividades (Broto, 1995).

A partir dos dados sistematizados no Quadro 1, podemos considerar que o professor utilizou traços de diferentes abordagens de ensino da Educação Física em suas aulas. Nota-se que a abordagem desenvolvimentista (20) predominou nas ações pedagógicas do professor, seguida de perto pela abordagem construtivista-interacionista (17).

Esses dados indicam que o professor estruturou suas aulas utilizando orientações didático-pedagógicas das abordagens desenvolvimentista e construtivista-interacionista, destacando as habilidades motoras básicas e a resolução de situações-problema como foco central do processo de ensino-aprendizagem. Esses dados estão de acordo com Freire, 1989 e Tani et al, 1988.

A partir da entrevista realizada, fomos informados de que o professor licenciou-se em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes no ano de 1988 e trabalha há 15 anos como professor de Educação Física do Ensino Fundamental - 1ª à 4ª série na escola em que a pesquisa foi realizada. Ele relatou não ter realizado curso de atualização profissional ou programa de educação continuada e declarou desconhecer as abordagens de ensino da Educação Física escolar. Sua fundamentação para as aulas estruturava-se na compreensão de que crianças de 7 a 10 anos devem brincar. Com isso, suas aulas de Educação Física têm o objetivo de levar a criança participar brincando e a estratégia de ensino escolhida foi a recreação.

Provavelmente o não-conhecimento, por parte do professor, das abordagens de ensino da Educação Física escolar deve-se ao tempo de formado e de não ter participado de nenhum curso de atualização profissional ou educação continuada, visto que, na época de sua formatura, as abordagens da Educação Física escolar estavam começando a ser estudadas; consequentemente, ainda não haviam sido introduzidas nos programas da Licenciatura em Educação Física.

Esse profissional demonstrou que, nas suas aulas, todos os alunos deveriam estar presentes apenas para brincar, e todas as atividades aplicadas eram recreativas. Trabalhar as brincadeiras recreativas deve ser um dos objetivos nas aulas de Educação Física na escola, porém não pode ser o único, pois existe uma diversidade enorme de objetivos e conceitos que podemos e devemos aplicar nas aulas, como foi explicado pelas diferentes abordagens de ensino da Educação Física escolar.

Aquele professor utilizou traços de diferentes abordagens de Educação Física escolar em suas aulas, mesmo sem conhecê-las. Acreditamos que isso possa ter ocorrido devido à apropriação de conhecimentos práticos que esse profissional obteve nos seus anos de experiência na escola, o que indica que a construção teórica das abordagens de ensino da Educação Física escolar utilizou também os conhecimentos do cotidiano.

Considerações finais

A partir dos resultados encontrados nesta pesquisa, podemos inferir que o professor pesquisado, mesmo sem conhecer as discussões teóricas sobre as abordagens de ensino da Educação Física escolar, conseguiu estruturar e aplicar aulas nas quais os alunos se envolveram e atenderam às solicitações trabalhadas. Seria aconselhável que as escolas mantivessem um programa de educação continuada para seus professores, a fim de que eles possam avançar em seus conhecimentos e atualizar suas ações em aula, conseguindo integrar os conhecimentos produzidos pela academia e os conhecimentos que constroem em seus cotidianos escolares e profissionais. Assim, a discussão mais atualizada da Educação Física Escolar poderia realmente chegar ao cotidiano do professor, ao mesmo tempo que a área acadêmica da Educação Física escolar poderia atualizar suas informações do cotidiano da escola. Com isso, ambas as pontas desse amplo processo de formação do educador poderiam se beneficiar, estabelecendo uma relação clara, atuante e sincronizada, contribuindo com o fenômeno de formação do ser humano/educando.

Gostaríamos de deixar claro que os resultados deste estudo não podem ser generalizados para todos os professores de Educação Física de escolas do Ensino Fundamental, mas sugere a necessidade de investigar mais professores de Educação Física de diferentes instituições de ensino utilizando o método descrito aqui. E, como abertura de novos estudos, sugerimos trabalhos sobre a formação continuada do professor e os entraves para sua realização.

Referências

BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.

BROTO, F. O. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar. São Paulo: Cepeusp, 1995.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

DIONNE, J. e LAVILLE, C. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro. Teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989.

FREIRE, J. B. e SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.

KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijui: Unijuí, 1994.

KUNZ, E. (Org.). Didática da Educação Física 1. Ijuí: Unijuí, 2003.

LE BOUCH, J. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

TANI, G. et al. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 1988.

THOMAS, J. e NELSON, J. Métodos em pesquisa em atividade física. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Publicado em 11 de março de 2008.

Publicado em 11 de março de 2008

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