Vertigem dentro e fora: Os Gemeos

Um doce cheiro de algo queimando no forno de onde sai uma fumaça leve que acompanha o som contínuo da água caindo, a TV ligada a exibir a solidão de quem só tem a si para se distrair da dura rotina de quem vive na rua, uma trilha sonora inebriante afinada com a melancolia que exala da intimidade do barraco-instalação no interior de uma das personagens em forma de cubo do amarelo típico dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, os Gemeos.

Do outro lado, na mesma sala, duas cabeças também amarelas e também quadradas. Sobre a figura masculina, a feminina, de onde o espectador pode contemplar a si nos infinitos reflexos dos espelhos iluminados por luzes azuis, ao som de uma trilha não menos inebriante que a do casebre.

Ambos convidam à reflexão, a mais evidente e explorada pelos divulgadores do trabalho dos irmãos, que começaram com o grafite nas ruas de São Paulo, é sobre a desigualdade social. Não é novidade o engajamento dos artistas em relação a essa questão, mas neste XXI ela parece ter tomado ares de desafio extra; afinal, como propor ficção num mundo de miséria e fome? Esta talvez seja a mais inquietante questão para a arte hoje. E, nesse sentido, é válida a proposta de Gustavo e Otávio.

Podemos até chegar cansados do amarelo e, nos dias de muitas visitas, do excessivo rufar das baterias na proposta interativa da instalação dos homens-caixas de som, mas a estranheza do ambiente criado pelos Gemeos oferece ao visitante possibilidades de questionamentos mais profundos que a mera constatação de um mundo em ruínas. E esses questionamentos chegam principalmente pelo apelo ao sensório que marca a produção desses artistas, mas há os detalhes, como a pequenina etiqueta de preço do “Bazar se liga” colada na lateral da geladeira do casebre, a insistência com que surge a reflexão, nos espelhos que multiplicam ao infinito a imagem do visitante da “cabeça feminina” e nas imagens como a que ilustra o cartaz da exposição e este texto.

A solidão do casebre está tanto no vídeo que mostra o desalento do morador de rua no cotidiano da grande cidade como no visitante que se permite sentar no sofá em frente à TV para assistir ao vídeo.

Certamente é por essas camadas mais sutis que o trabalho da dupla ganhou o mundo. A exposição é uma boa ocasião para pensar sobre a capacidade infinita de estarmos constantemente nos recriando – e para isso são imprescindíveis as vertigens.

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Publicado em 14/04/09