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Velhos “remédios” na educação carioca: educar para quê e como?

Cecilia Goulart

Professora da Faculdade de Educação da UFF, doutora em Letras

Maria Luiza Oswald

Professora da Faculdade de Educação da UERJ, doutora em Educação

Preocupam-nos os primeiros resultados da avaliação de desempenho de crianças da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro divulgados na mídia. Alguns fatos e reflexões vêm à tona. O fracasso escolar tem sido historicamente uma marca da educação brasileira, especialmente associado à educação pública, embora seja mais amplo. O fato de termos hoje, dentro da escola, a quase totalidade da população em idade escolar não assegura que todos aprendam. Educar para quê? Aprender o quê? Temos observado e discutido em processos de formação de professores que a escola continua reproduzindo a desigualdade social, reforçando os processos de exclusão de quem já é excluído. A desqualificação das classes populares vem-se fazendo também dentro da escola.

Propostas educacionais (como a atual da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro) orientadas por sistemas de avaliação focados em resultados vêm merecendo a crítica de professores e pesquisadores que trabalham há muito tempo por um país em que a justiça se sobreponha à ordem. A taylorização do trabalho pedagógico tem levado a avaliar o conhecimento de crianças e jovens como quem analisa o sistema de produção de uma fábrica. A garantia de manter a produtividade e a “máquina” é a prioridade.

Notícia veiculada no jornal O Globo em 18 de março de 2009 aponta que as escolas públicas cariocas têm 25 mil analfabetos funcionais nos 4º, 5º e 6º anos do Ensino Fundamental. Cria-se um fato político alarmante para a população. Olhando para a história do Brasil e da educação brasileira e para estatísticas, compreendemos o quanto determinadas concepções de educação e de ensino-aprendizagem se mantêm e o quanto ainda estamos distantes da realidade de uma sociedade plenamente alfabetizada. De acordo com dados de testes nacionais e internacionais e de depoimentos de professores, temos hoje cerca de 15% de analfabetos absolutos e um altíssimo percentual de analfabetos funcionais. Analfabetos funcionais são aqueles que, tendo vivenciado processos de escolarização, não modificam sua condição social diante da cultura letrada, não conseguem usufruir de bens dessa cultura, não ampliam sua participação política por meio da linguagem escrita.

Chamam-nos a atenção na notícia as propostas de providências para “sanar” o problema encontrado. A busca de auxílio na área da saúde nos remete às políticas de educação propaladas na década de 1970, medicalizando as dificuldades de aprendizagem de crianças e jovens. Remete-nos também à Teoria da Carência Cultural, que, com tanta força, dizia que as crianças das classes populares tinham distúrbios e déficits de todo tipo. Desde a década de 1980, principalmente, vêm sendo publicados estudos, nacionais e internacionais, de muitos professores, evidenciando a falência dessas posições: Magda Soares, Maria Helena de Souza Patto, Sarita Moysés, Cecilia Collares & Aparecida Moysés, Sonia Kramer, entre muitos outros no Brasil, discutindo e criticando programas de educação compensatória de variados tipos. Temos certeza de que a área da saúde pode contribuir para o fortalecimento da educação escolar, mas por meio de uma consistente política pública de saúde para a população em geral.

A criação de condições políticas e pedagógicas para que os processos de ensino-aprendizagem se efetivem está relacionada à consolidação da sociedade como um espaço educativo, em primeiro lugar. As pessoas da cidade precisam ser respeitadas como cidadãs, afirmando seus direitos através dos deveres que as envolvem na vida cotidiana. Em segundo lugar, as escolas públicas municipais precisam se constituir em ambientes pedagógicos, com recursos didáticos de tipos variados, em que as crianças e jovens sejam confirmados politicamente como pessoas que possuem identidades, conhecimentos e desejos legitimamente constituídos. A partir daí, podem aprender e ensinar. Em terceiro lugar, é preciso reconhecer os professores como profissionais que estudaram, se formaram e foram aprovados para ocupar o magistério público, estando aptos a discutir os rumos da educação municipal e a definir os melhores caminhos metodológicos para suas turmas nas escolas e a receber salários condizentes com suas atividades e sua função social.

A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro deveria trabalhar para que as mencionadas condições políticas e pedagógicas se fortaleçam e sejam permanentemente avaliadas para que a educação escolar no município aconteça e se transforme num novo fato político nas manchetes de jornais; e para que as crianças e jovens construam bagagens de conhecimentos significativos, de forma a compor novas compreensões da realidade social, novos projetos de vida coletiva. A boa educação custa caro; é preciso dar-lhe prioridade verdadeiramente.

Publicado em 5 de maio de 2009.

Publicado em 05 de maio de 2009

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