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DESENHAR: UMA NARRATIVA DO MUNDO INFANTIL

Cristiane da Silva Brandão

Professora da Educação Infantil e dos Ensinos Fundamental e Médio Cientista Social e Pedagoga formada pela UFRJ

Na arte, só têm importância os que criam almas, não os que reproduzem costumes.

Eça de Queiroz

Encantei-me por desenhos infantis porque sempre fizeram parte da minha vida, mesmo antes de ingressar no curso de Pedagogia, onde tive contato intenso com o mundo da Educação Infantil através do envolvimento nos estágios, projetos, pesquisas, enfim, tive oportunidade de adquirir novo olhar para esse universo e privilégio de vivê-lo subjetivamente.

Quando desenvolvia projetos na Educação Cristã, ficava entusiasmada ao observar que as crianças com menos de cinco anos de vida contavam histórias diversificadas a partir do mesmo desenho e, de igual modo, desenhavam com particularidades bem distintas embora tomassem por base a mesma história. Através do diálogo com elas, percebia que tal comportamento explicitava suas experiências de vida, aquilo que marcava seu mundo infantil.

Durante o período de minha formação na UFRJ, fui tendo contato com diversos autores que analisaram a questão do desenvolvimento infantil e do desenho especificamente. As discussões reafirmavam cada vez mais que o desenho infantil pode ser um meio para observar o processo no qual a criança está se construindo, em que o resultado de sua relação com o meio interfere no seu desenvolvimento. Portanto, desenhar constitui um processo complexo; nele a criança reúne diversos elementos de suas experiências a fim de criar um novo e todo significativo, um fator essencial para o aprendizado; ela narra o seu eu.

Como o desenho tem sido visto e explorado na nova perspectiva de Educação Infantil? De que maneira o desenho infantil pode proporcionar o desenvolvimento no processo ensino-aprendizagem da criança pequena? Compreendemos aqui a Educação Infantil como uma etapa do trabalho docente a favor da formação do ser, provido de grande riqueza cultural própria da sua infância; entendemos essa educação como espaço que favorece a transformação do contexto social da criança.

Diversos teóricos têm contribuído, ao longo do tempo, para a nova concepção de infância, valorizando o que é próprio, específico de cada criança. No âmago de seus estudos, Montessori enfatiza a valorização da autonomia da criança e o ambiente adequado a fim de que ela tenha condições de exercitar sua “independência”. Com as modificações nas formas de organização da sociedade, a criança passou a exercer papel de destaque, visto que as investigações concernentes à infância (mundo infantil) implicam a compreensão da vida adulta. Esse ser interativo, de acordo com Vygotsky, apresenta uma relação com o mundo fundamentalmente mediada, uma relação dialógica, o que ressalta o valor da linguagem na constituição do ser humano e para a construção do conhecimento.

Por outro lado, estudos mostram que o desenho infantil pode exprimir o comportamento, o modo de ser e o desenvolvimento da criança em vários aspectos, e mais: o começo de um processo mental ordenado. A criança, quando desenha, expressa seu modo de olhar, ver e se exercitar no mundo e com o mundo, atribuindo-lhe significados, fazendo uma comparação do seu próprio eu com sua experiência pessoal, refletindo sentimento, capacidade intelectual, desenvolvimento físico, enfim, sua própria evolução social como indivíduo, ser sócio-histórico. O desenho também se constitui em linguagem e, portanto, uma das mais antigas formas de expressão e de comunicação humana, produto da relação homem/mundo.

Através do seu desenho, a criança desenvolve relações e concretiza pensamentos importantes, obtendo assim resultado de uma vivência criativa e integradora que traz segurança para viver seus processos sem precipitá-los. A partir do momento em que a criança consegue segurar ou ter contato com instrumentos apropriados para produzir o desenho (pincel, tinta etc.), pode ser oferecida a ela tal estimulação para esse propósito, dando-lhe oportunidade de expressão. É fundamental que, nessa fase decisiva, seja dada atenção especial ao desenvolvimento de sua capacidade criadora, pois qualquer criança tem possibilidade de criar, de expressar-se através de sua criação, trazendo o que tem de original em sua percepção, em sua experiência, e nessa autoexpressão pode desenvolver o eu como ingrediente essencial dessa vivência.

Segundo Lowenfeld e Brittain, ”com frequência comete-se erro de avaliar o trabalho criador das crianças pelo seu aspecto, pelas suas cores e formas, pelas quantidades de traços etc. Isso é injusto não só para o produto mas também, ainda mais, para a criança”. O docente de Educação Infantil precisa perceber o desenho como uma das construções que estimularão a consciência do meio enquanto ser infantil e que participarão ativamente dessa motivação, pois o desenho reflete a crescente capacidade da criança para lidar de forma construtiva com uma série diversificada de possibilidades, procurando respostas e descobrindo soluções que lhe são próprias. A Multieducação, projeto da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, defende que “se a identidade se forma nas diferentes relações estabelecidas, o contexto escolar adquire grande importância como espaço de criação/recriação de identidades”. Entretanto, o desenho não deve ser visto como um simples desenhar, mas como uma produção que favorece, além de uma via de desenvolvimento em distintas áreas vitais, aguça o poder de investigação, exploração, invenção da criança onde tudo é possível: aprender com os “erros”, externalizar medo, viver afetividade e fantasia, uma vez que favorece também a exploração do movimento do corpo, a imitação e o caráter lúdico, tão necessários nessa fase da primeira infância.

Ao desenhar, a criança se acusa, revela seu eu; transcende entre a fantasia e a realidade. Desenhar, então, constitui-se numa experiência de aprendizagem que, quando bem desenvolvida na Educação Infantil, concorrerá para que a criança desenvolva potencialidades físicas, sociais, culturais, cognitivas da melhor maneira possível.

Publicado em 12 de maio de 2009

Publicado em 12 de maio de 2009

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