Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Mirian Crapez e a Baía da Guanabara
Cláudia Dias Sampaio
O compromisso com a vida
A Baía da Guanabara despoluída é algo que certamente não veremos. Mas a constatação nada otimista nem de longe desanima a pesquisadora Mirian Crapez, professora do Departamento de Biologia Marinha da UFF, diretora da Extensão e vice-presidente da Fundação CECIERJ/Consórcio CEDERJ, que se dedica a pensar e a criar soluções para amenizar a degradação em uma das regiões mais belas do Rio de Janeiro.
A paixão com a qual fala sobre seu trabalho e a firmeza de sua diretriz ideológica dão ao interlocutor a sensação de que não basta sonhar com a volta de uma baía paradisíaca, como conheceram os navegantes das primeiras naus que por aqui chegaram; é preciso comprometimento, ação.
“É um trabalho de formiguinha, e o professor tem papel fundamental na conscientização das novas gerações”.
Interessada na partilha do conhecimento e movida pelas indagações, Mirian aponta o diálogo, a fiscalização efetiva sobre as indústrias e condomínios que eliminam dejetos na Baía, a vontade política e a parceria entre as diferentes esferas do poder público e da sociedade como caminhos possíveis para mudanças; e cita os exemplos do Rio Tâmisa, que corta Londres; o Sena, em Paris; e o Tietê, em São Paulo, cujos projetos de despoluição foram adiante, apesar do longo período de investimento, como no caso do Tâmisa, que levou 150 anos para ser concluído.
Os metais pesados
“Chumbo, cobre, zinco, mercúrio e ferro, constituintes das rochas que nos rodeiam, são os que mais poluem a Baía da Guanabara”. Mirian explica que, dentre esses metais, o pior deles é o mercúrio, do qual se origina o metilmercúrio, extremamente nocivo à saúde. Ela alerta para o perigo de consumir os pescados da baía, e lembra que, apesar de ser uma cena bastante comum ver gente catando mexilhões nas encostas, esses são os animais que mais absorvem o metilmercúrio. “É preciso atenção na hora de consumi-los; os menores quase sempre são provenientes da baía, os mexilhões de cativeiro são maiores.”
Durante o doutorado, que realizou na Université D’Aix-Marseille II, na França, Mirian investigou a degradação de substâncias aromáticas, como constituintes do petróleo, corantes, pesticidas... “A pesquisa com os metais surgiu anos depois como linha de pesquisa, sustentando a hipótese de que, junto com a matéria orgânica, eles são um dos responsáveis pela não-degradação do petróleo, por exemplo, no meio ambiente.”
Petróleo, biorremediação e a triste herança da Guanabara
O derramamento de petróleo e seus derivados em ambientes marinhos é atualmente um dos principais problemas ambientais. Formado por processos biogeoquímicos, numa mistura complexa de hidrocarbonetos, o petróleo tem sido alvo de pesquisas para o desenvolvimento de diversas técnicas físicas e químicas para eliminá-lo das águas ou, ao menos, reduzir seus efeitos sobre o ecossistema.
A possibilidade de usar métodos biológicos no tratamento do derrame surgiu com a descoberta de que certas bactérias que vivem nos sedimentos marinhos, inclusive na areia das praias, podem degradar os componentes do petróleo. A investigação de Mirian Crapez é orientada justamente por esse conjunto de métodos: a biorremediação, que utiliza o potencial fisiológico das bactérias para a remoção de poluentes. Elas transformam o petróleo em biomassa, água, dióxido de carbono e outros compostos.
Em 2002, Mirian e três pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Biologia Marinha da UFF publicaram na revista Ciência hoje um artigo sobre o assunto. A matéria apresenta de forma bastante elucidativa as vantagens das técnicas de remediação biológica.
Mesmo com essas técnicas aliadas ao tratamento com substâncias químicas, dificilmente se acabaria com a ‘massa’ de dejetos que se acumula no fundo da baía, herança de anos e anos de poluição. Um dos destinos desse resíduo sólido pode ser a reciclagem. O material vem sendo estudado como fonte de recursos para a construção civil, argamassas, concretos, tijolos, plantação de cítricos, compostagem e cultivo de grama comercial.
A entrevista
Educação Pública - No material poluente que se acumula na baía, como ocorre a relação entre bactérias, proteínas, açúcares e lipídeos e os metais pesados?
Mirian Crapez - Atenção: poluente é uma substância que traz malefícios para os seres vivos. Neste caso, seria material poluidor, que se traduz na Baía da Guanabara por matéria orgânica de origem doméstica (águas usadas, detergentes, materiais de limpeza e fezes), maior carga orgânica, maior conteúdo em biopolímeros (proteínas, açúcares e lipídeos), principalmente lipídeos (detergentes, entre outros materiais de limpeza) e maior disponibilidade de sítios de ligação para os metais.
Educação Pública - Qual é a diferença entre um tratamento de esgoto voltado apenas para a filtragem de resíduos sólidos e o uso de substâncias químicas na tentativa de diminuir a carga patológica do esgoto?
Mirian Crapez - O primeiro é o tratamento primário. E não é filtragem, mas separação do esgoto de outros resíduos, como madeira, e a sua liquidificação em tanques com pás. Esse é o único tratamento que o nosso esgoto recebe. Não foi previsto o tratamento com substâncias químicas aliado às técnicas de remediação biológica, que consumiriam a carga orgânica, e aí a água poderia ser reaproveitada.
Educação Pública - Como a destruição dos manguezais também contribui para o agravamento do problema ambiental na baía?
Mirian Crapez - O manguezal é o berçário do mar, daí a sua importância para a manutenção, inclusive, do pescado com valor econômico. Além disso, o manguezal serve como barreira natural para impedir o avanço do mar sobre a área continental.
Educação Pública – Você faz parte de um Grupo de pesquisa. Quais foram as descobertas mais significativas nesses três anos, desde que o Grupo foi criado? Qual é a pergunta que move os estudos do grupo hoje? Como você avalia a importância da multidisciplinaridade nesse tipo de projeto?
Mirian Crapez - O meio ambiente é formado por fatores abióticos (rochas, água doce, água salgada, ar, nutrientes, marés, ventos... cidades, quarteirões com e sem infraestrutura sanitária, veículos, poluição...) e fatores bióticos (os seres vivos). Nós só conseguimos respostas quando estudamos o meio ambiente se trabalharmos de forma multidisciplinar. Creio que a questão que provoca o grupo é estudar os processos que mantêm os seres vivos em equilíbrio para exercer o ciclo vital, a diversidade e, advindo a poluição, estudar os fatores da saúde ambiental que podem restabelecer a resiliência e a sustentabilidade do sistema. Agora, existe um dado essencial: se a política pública não valorizar o professor, o aluno, os livros e o espaço físico, não há como fazer trabalho coletivo.
Leia mais
- A história da Baía de Guanabara na revista Educação Pública
- As águas da Baía: despoluir ou sanear.
- Biorremediação
- Lodos provenientes de Estações de Tratamento de Água e de Esgotos Sanitários
- Aproveitamento de Lodos gerados em ETAs
19/05/2009
Publicado em 19 de maio de 2009
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.