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A solidão do vasto mundo

Luis Estrela de Matos

Ensaísta, escritor e professor universitário

Diálogos Poéticos

Não sei quantas faces tem um poeta, mas sei quantos poemas tem numa faca. Eu sei. E João Cabral também sabe. Sei que os poemas são misteriosos e exibem estranhas faces aos leitores, avisados e desavisados. Distraídos, venceremos, dizia o Leminski mais sabreamente zen. Há que aguçar, há que cortar. Quem nunca se cortou de verdade não sabe a verdade do sangue. Mas as faces me espreitam, me vigiam, e realmente precisarei de um anjo torto, completamente torto, vivendo na sombra e em silêncio, pensando um vermelho de Gogh tão completamente vermelho que chega a ser vão. Há que se ser vão no desvão da matéria. Mas Drummond queria uma tarde azul, embora soubesse que os desejos são rubros. E os bondes e as pernas passam diante de olhos brancos, pretos e amarelos e no meio de tudo Deus e pernas e a pergunta Dele no meio de tudo, inclusive, sim, meu atento leitor, no meio do caminho e das pedras. O coração de um poeta sempre pergunta e os versos costumam ser dolorosas dúvidas, rimantes ou destoantes, ou até concretamente materiais. Os olhos não perguntam mais nada e Deus não olha mais as pernas ao entreolhar o homem que nelas se esqueceu entreolhando o vasto mundo de Raimundo sozinho, sozinho como o mundo em forma de coração, de um coração a nu, de uma vontade de lua em forma de conhaque, deixando o Diabo mais comovido em sua suspeita. Eu não devia te dizer, mas hoje é domingo e não haverá Fausto; haverá outra coisa. Livre-se dela, pois um poema precisa ter 7 faces. Quantas você tem?

Poema de sete faces

Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Publicado em 26 de maio de 2009

Publicado em 26 de maio de 2009

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