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A menina má, de Vargas Llosa

Ieda Magri

Doutoranda em Literatura pela UFRJ; autora de Tinha uma coisa aqui (7Letras, 2007).

Quando, em 1981, Mario Vargas Llosa veio ao Brasil, João Antônio escrevia a seu amigo Mylton Severiano: “o escritor brasileiro está inteiramente marginalizado; quem dera a Rui Facó ou ao próprio Euclides da Cunha que recebessem a metade do que o enfatiotado e engravatado moço peruano de pega-rapaz na testa ganhou, de graça”. Ele se referia à badalação da imprensa em torno do escritor, talvez sem imaginar que a situação do escritor brasileiro ainda seria bastante piorada e que, depois de ter embranquecido bastante os cabelos, aquele moço de 30 anos atrás seria candidato à presidência do Peru e permaneceria quase um ano na lista dos livros mais vendidos no Brasil: Travessuras da menina má esteve na lista dos mais vendidos (lidos?) desde outubro de 2006 até agosto de 2007!

Com opiniões divididas – ouvi vários amigos dizendo não gostei e respondendo com um sei lá à minha pergunta de por quê?, enquanto outros louvavam-no a não poder mais – o livro entra na minha estante dos preferidos de agora. Lembram do Lúcio, personagem de David Toscana, no livro O último leitor? Pois é, mandar ou não o livro para o inferno é uma decisão individual de cada leitor.

Acho, com respeito a Mario Vargas Llosa, que suas opiniões políticas emitidas fora dos livros acabam por ficar muito presentes nas leituras que alguns fazem de seus livros. É só lembrar sua vinda recente ao Brasil e a ênfase que os meios de comunicação deram ao homem público, aos debates em torno da situação político-econômica dos países da América Latina etc. A grande imprensa falou pouquíssimo de seus livros e o escritor se sobressaiu sobre o homem somente quando o assunto era a vocação (a descoberta de não ter vocação para político e sim para escritor).

Pois bem, Travessuras da menina má é escrito num estilo sóbrio, domado, como se fossem as memórias de Ricardo Somocurcio, um peruano cujo único objetivo era viver em Paris, para onde foi no início da década de 1960. Dividido em sete capítulos que são intitulados pelos nomes ou principais características de personagens importantes em sua vida, a história vai sendo tecida em três planos que se repetem ao longo de cada capítulo: a apresentação de alguém que se tornou um amigo valioso; as questões políticas e culturais que marcaram a época em que essa amizade e essa fase da vida de Ricardo foram se desenrolando, seja no Peru com as chilenitas, em Paris com o guerrilheiro Paúl, em Londres com o hippie Juan, no Japão com Salomón Toledano, outra vez em Paris com Ylial, Elena e Simon, de volta ao Peru com Arquimedes, o construtor de quebra-mares, ou em Madri com Marcella; em todos os capítulos, a menina má está presente, sempre com nomes emprestados e identidades diversas esfolando o coração do protagonista, o menino bom, o moço certinho e pacato que não hesita nem mesmo em sacrificar seu sonho por causa desse único e conturbado amor.

A trama que entrelaça perfeitamente e quase sem vestígios de ruptura os três planos – a situação política e cultural, a amizade e o amor – é de uma riqueza surpreendente e mantém o leitor atento às questões ideológicas do protagonista: ele se envolve, mas sem tomar partido, na idealização das guerrilhas na América Latina, pensadas e construídas via Paris em 1960, assim como olha de longe a carnificina do Sendero Luminoso em 1980. No que diz respeito à vida intelectual, é categórico:

com o desaparecimento de toda uma geração ilustre – Mauriac, Camus, Sartre, Aron, Merleau-Ponty, Malraux –, ocorreu nesses anos [final dos anos 1960] uma discreta retração cultural. Em vez de criadores, os maîtres à penser passaram a ser os críticos, estruturalistas primeiro, à maneira de Michel Foucault e Roland Barthes, e depois desconstrutivistas, tipo Gilles Deleuze e Jacques Derrida, de retóricas arrogantes e esotéricas, cada vez mais isolados em suas panelinhas de devotos e mais afastados do grande público, cuja vida cultural, em consequência dessa evolução, acabou se banalizando cada vez mais.

É por essas e outras que muitos torcem o nariz ao livro...

Em outro de seus livros, Cartas a um jovem escritor, Mario Vargas Llosa define a boa literatura pelo que ela tem de poder para manter o leitor iludido, acreditando na história que o escritor conta e nas suas personagens que devem sair do papel e ganhar corpo, sopro de vida, ou seja, pelo poder de convencimento. “A literatura é puro artifício, mas a boa literatura é capaz de ocultar tal fato enquanto a medíocre o delata.” Como a menina má, o livro de Vargas Llosa vai enredando num labirinto de mentiras que parecem as mais puras verdades e que seduzem, apesar de nossas desconfianças e melindres.

Leitor apaixonado de Euclides da Cunha, Vargas Llosa escreveu A guerra do fim do mundo baseado em Os sertões, além de Pantaleão e as visitadoras e A cidade e os cachorros, entre outros livros.

Publicado em 13 de Janeiro de 2009

Publicado em 13 de janeiro de 2009

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