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Pro dia nascer feliz

Antonio Pinheiro

Professor do IESK - Instituto de Educação Sarah Kubitschek

Este é um projeto que vem sendo desenvolvido no IESK, instalado em Campo Grande, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Está voltado para a área de formação de profissionais da educação, para a promoção da cultura de reconhecimento da diversidade sexual e de gênero e o combate ao sexismo e à homofobia nas escolas.

É também uma campanha para sensibilizar e mobilizar o corpo escolar (docentes, discentes, gestores e pessoal de apoio) para a discussão e ampliação da visibilidade das sexualidades humanas no espaço escolar, através de informações e debates sobre o tema. Sem intenção de receitas prontas, fórmulas mágicas, manuais prescritivos ou proposições maniqueístas de certo ou errado, as edições do projeto já realizadas no IESK buscaram fomentar novos questionamentos e reflexões, produzindo outros entendimentos sobre a questão da sexualidade, acreditando que, desta forma, esteja contribuindo para uma reflexão sobre a condução das ações pessoais dos participantes como cidadãos e, futuramente, em suas atividades e práticas educativas como professores e professoras.

A publicação dos PCN em 1996 foi um marco importante na consolidação da educação sexual como uma questão escolar. Porém, isso não significa que alguma forma de educação sexual seja desenvolvida, de fato, em todas as escolas, nem que haja consenso acerca do que quer dizer fazer educação sexual, ainda menos que se traduza, antes de tudo, educar para a cidadania (CLAM/UERJ. Gênero e Diversidade na Escola, versão 2009).

A ideia deste projeto surgiu depois que participei do curso Rompendo Fronteiras e Discutindo a Diversidade Sexual na Escola, em 2006, oferecido pelo Grupo Arco-Íris em parceria com a SECAD/MEC aos professores e professoras da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.

Promover um evento para discutir o que eu havia debatido, refletido e aprendido nesse curso foi a maneira que encontrei para divulgar e multiplicar esse projeto, trazendo essa discussão para o âmbito escolar. Com o apoio de parte da comunidade do IESK, de algumas ONGs e de instituições governamentais e civis ligadas às questões da diversidade sexual, consegui, principalmente com o apoio e participação de alunos e alunas do Instituto Sarah Kubitschek, tornar esse evento uma realidade. Assim, nasceu o Pro dia nascer feliz.

Este projeto prevê contemplar as ações do programa Brasil sem homofobia, de combate à violência e à discriminação contra GLBT (gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais) e de promoção da cidadania homossexual, do Ministério da Saúde, em parceria com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, criado em 2004.

Com base no artigo V do programa, que propõe o “Direito à educação: promovendo valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação sexual”, e do artigo IX, que versa sobre a “Política para a juventude” voltei inicialmente minhas ações para a consecução do projeto no IESK, uma instituição de formação de professores e professoras com aproximadamente 3.400 estudantes matriculados no curso Normal e 855 no Ensino Fundamental, em dois turnos.

Entre os argumentos relevantes para implementar esse projeto identifico a existência de um cotidiano vivido nas escolas – entre as quais as públicas – em que a discriminação à homossexualidade aparece de forma subliminar, velada e perversa. Por outro lado, está claro o reconhecimento das dificuldades que muitos de nós temos, por uma formação conservadora e religiosa que impõe valores e tradições discriminatórias, para lidar e reconhecer a importância de pôr em discussão e aprender um pouco mais sobre as questões relacionadas à sexualidade humana.

A presença da religião e seu caráter reacionário na formação dos sujeitos podem ser atestados em alguns depoimentos de alunos e alunas que participaram e avaliaram o projeto, como em:


Cartaz de aluna que preferiu não se identificar (2006).

Projeto de cartaz. (Camila, 2006).
A palestra foi legal, pois nós tivemos que pôr nossa mente para pensar e mudar alguns conceitos em nós mesmos, como a diversidade sexual e a homofobia entre outros. Eu sou um homofóbico, pois eu não acho que Deus fez o homem pra se deitar com outro homem nem a mulher pra se deitar com outra mulher. Eu acho isso uma doença, mas fazer o quê? Cada um escolhe a sua sexualidade. Esta é a minha opinião (Mario, 2007).
Na palestra esteve bem claro que existe muito preconceito; isso ocorre por vários fatores: na religião, que, na maioria das vezes, como a minha, é dado como um pecado; eu fui criada dessa forma. Houve um grande debate quando um dos alunos se manifestou, houve discordância, cada lado querendo defender a sua forma de pensar. Foi bom, mas eu continuo com a minha forma de pensar como fui criada, pode até ser dado como preconceito, mas na Bíblia Deus deixou bem claro que isso é abominável aos olhos de Deus... Então é isso, eu estou dando a minha opinião (Isabela, 2007).

Nesse processo reflexivo, podemos indagar: como o professor ou professora pode e deve agir para adquirir outro olhar, outra consciência sobre o tema da diversidade sexual na escola? Como superar barreiras pessoais, éticas e morais que acabam produzindo – muitas vezes de forma involuntária – atitudes preconceituosas e discriminatórias como as presentes nos depoimentos e ajudar na construção de uma sociedade mais justa e tolerante com a diversidade sexual?

Intolerância, violência, impunidade são práticas institucionalizadas e lamentavelmente presentes e aceitas nos espaços-tempos escolares, no que se refere à questão da diversidade sexual.

Os levantamentos em órgãos públicos – como as escolas – acerca das agressões sofridas por indivíduos de orientação homossexual e das razões que levam à evasão de alunos e alunas que se vêm pressionados e discriminados são escassos ou insuficientes. Essa escassez de dados encobre o problema, torna-o invisível; mas ele está presente no espaço-tempo escolar, como pode ser exemplificado por Amaral Neto, que em sua pesquisa coletou os seguintes depoimentos:

Não havia me assumido nem vislumbrava a possibilidade de ter um relacionamento homossexual. Mas, sim, notei muita discriminação. Tinha um garoto da classe, Álvaro era seu nome, e era efeminado. Todos iam lá passar a mão na bunda dele e saiam na risada. O cara não reagia, o que funcionava como um incentivo para o restante continuar passar a mão nele. Aí evoluiu para umas encoxadas. Tudo feito em público, durante os intervalos de aula e sempre motivo de caçoadas. No ano seguinte o Álvaro não estava mais na escola e nunca mais se soube dele (H. E., 49 anos).
Certa vez precisei faltar a uma aula para participar de um evento político de defesa dos direitos de homossexuais. Enviei, então, uma cópia do convite do evento a um professor, explicando que participava da equipe organizadora etc. Na aula seguinte, perguntei ao professor, com a lista de presença na mão, se havia recebido minha mensagem. “Sim, mas fique tranqüila, fora daqui você pode ser o que quiser, desde que se porte com seriedade aqui...” (G.D. 25 anos).
Deveria haver aulas de Educação Sexual e um longo capítulo abordando o tema. O professor deveria ter uma postura ética, mostrando que se trata apenas de uma diferença, que fosse proibido a ele interferir com posturas religiosas. Deveria haver um curso de capacitação para esses professores antes de ministrar essas aulas, para que não houvesse desastres (D.A., 27 anos).

Pode-se diagnosticar que existe grande desconhecimento de como essa situação é tratada nos espaços cotidianos das escolas por gestores, professores e professoras, funcionários, responsáveis e, principalmente, pelos alunos e alunas. As pesquisas oficiais e as acadêmicas realizadas nos espaços escolares, apesar de já considerarem relevante a temática da sexualidade relevante, no geral ainda são insuficientes, talvez por tabu, por conservadorismo ou mesmo discriminação, o que se torna um paradoxo no mundo atual, na medida em que todos nós, homens e mulheres, independente de faixa etária, etnia, religiosidade ou orientação sexual, estamos expostos cotidianamente aos inúmeros apelos e situações que nos expõem e nos confrontam com esse tema.

Já existem algumas pesquisas no campo acadêmico, mas de forma tímida, com número muito reduzido de produções. De maneira geral centram suas análises em dados que recaem sobre os aspectos econômicos ou étnicos da questão. Essas análises, no entanto, carecem de uma discussão mais ampla sobre o preconceito e sua correlação com sexo, sexualidade, identidade de gênero e orientação sexual.

Marcelo Ricardo Prata, em recente dissertação de mestrado, defendida na PUC-Rio com o tema A discriminação contra os homossexuais e os movimentos em defesa de seus direitos, registra:

A ideia central [da dissertação] é traçar um contexto histórico social da formação do movimento homossexual brasileiro e suas conquistas no que diz respeito à garantia de direitos fundamentais para os homossexuais. Os conflitos gerados por conta da orientação sexual na sociedade como um todo e no núcleo familiar, trazendo à reflexão uma questão social. A violência – seja física ou simbólica/psicológica – contra homossexuais é entendida como fator determinante que dificulta a garantia dos direitos destes indivíduos. A presente dissertação apresenta também uma breve discussão acerca da relação entre amor, poder e proteção entre pais e filhos. É fundamental que a reflexão em torno da homossexualidade permeie todos os espaços profissionais relacionados ao campo da assistência social, ou áreas afins, para que se possa combater a homofobia e garantir o acesso a todos os espaços da sociedade.

Por outro lado, a mídia tem contribuído para a massificação da exposição de imagens de indivíduos homossexuais de ambos os sexos no mundo contemporâneo, mas as escolas, ao lado das religiões (com algumas exceções), continuam sendo das instituições de maior resistência à visibilidade do indivíduo homossexual. A mídia tem ocupado um papel significativo nessa divulgação. Não só através de campanhas contra a homofobia ou ligadas às doenças sexualmente transmissíveis. Há grande interesse comercial no poder aquisitivo desse segmento, o que tem, de certa forma, contribuído para dar transparência à existência e levado à aceitação de outras formas de orientação sexual que não seja a heterossexual, como estas peças publicitárias:


Campanha “Famílias mudam”.

A propaganda da pomada Nebacetim, veiculada recentemente pela TV Globo sob o título "Famílias mudam”, tem como mensagem central os cuidados que os responsáveis devem ter com a saúde e o bem-estar dos bebês, e não a abordagem família tradicional ou família gay. Esse comercial apresenta duas famílias com filhos pequenos fazendo piquenique num parque. A cena mostra uma conversa acerca dos benefícios do uso da pomada. Durante a projeção do vídeo, as legendas pai e mãe se superpõem às imagens. Logo depois dessa cena, passa um trio de mulheres; uma delas é mãe solteira; depois, um casal gay, em que os dois pais levam uma criança na mochilinha finalizando a mensagem sobre a eficiência da pomada curativa. O comercial está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=FVfy4_tAnOA&feature=related


Outdoor com propaganda do plano de saúde Unimed.

Por acreditar na necessidade de trazer essa discussão para o espaço escolar, o projeto Pro Dia Nascer Feliz se justifica principalmente numa escola de formação de professores, como é o caso do IESK - Instituto de Educação Sarah Kubitschek.

Alunos e alunas participaram da elaboração do convite para o projeto, em que foram utilizadas fotografias.


Estudo de convite 01, 2008.

Estudo de convite 02, 2008.

Estudo de convite 03, 2008.

Convite final, 2008.

A diversidade de expressão e orientação sexual é um tema difícil e polêmico do nosso tempo; precisa ser abordado com dignidade, respeito, conhecimento e cidadania por professores e professoras e por seus alunos e alunas – no caso do IESK, futuros professores e professoras.

É inaceitável, do ponto de vista político e ético, o crescimento da violência e da discriminação ao segmento LGBT, quer pela omissão, quer pelo desconhecimento.  O Grupo Gay da Bahia (GGB) apresentou seu relatório anual de crimes de ódio no ano 2008. Esse relatório é organizado desde 1980 pelo professor Luiz Mott. Houve no ano passado a vergonhosa marca de um crime de ódio a cada dois dias! Ou seja, a cada dois dias, neste país, um cidadão foi assassinado por ser gay, lésbica ou travesti. Esse número corresponde a um aumento de 55% em relação aos crimes de 2007. É preciso considerar os direitos legítimos de todo ser humano, de ser livre e feliz. Esse sentimento de indignação e a certeza da importância de lidar com a sexualidade de forma sadia e livre de estigmas acabaram contribuindo para a concepção e a execução deste projeto.

Em minha troca de correspondência com amigos e profissionais envolvidos com as questões de educação para a cidadania, recorro a um fragmento de e-mail trocado

com o prof. Dirceu Castilho, da UERJ. Disse-me ele:

A ignorância ou o desconhecimento geram o preconceito, o racismo, a discriminação. Colocar para os alunos e alunas que a vida é como é, com sua multiplicidade e que não existe uma forma específica para viver, mas existe sim um objetivo que se pode dizer comum ao ser humano: "buscar ser feliz", mas que a felicidade é encontrada de diferentes maneiras, todas importantes se elas cumprem sua missão, nos tornar felizes e humanos frente ao mundo e às demais pessoas. Para isto serve o saber: para nos tornar livres e felizes, cuidando cada um de si, mas, ao mesmo tempo, de todos.

O Instituto de Educação Sarah Kubitschek, apesar de ser uma escola de formação de professores, como muitas outras instituições de ensino, encontra na prática muitas dificuldades para lidar com as questões de diversidade sexual e de violência de gênero em suas salas de aula. Alexandre Bortolini, coordenador do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou, na reportagem “A rede educacional brasileira encara os homossexuais e não o preconceito, como problema”, da revista Época, que “é comum a reação das escolas que ainda tratam o homossexual – e não o preconceito – como problema. A falta de preparo é grande. Os professores e diretores precisam saber separar o que pensam do modo como agem quando a questão é alunos homossexuais”.

Tenho vivenciado uma situação limite com colegas professores e professoras, funcionários, responsáveis e até com mesmo alunos e alunas. Acusações como “Está incentivando a homossexualidade” ou “Falar sobre homossexualidade com alunos e alunas pode ser prejudicial para a formação deles e delas?” têm sido corriqueiras, servindo como argumento para banalizar, minimizar ou desqualificar o trabalho que venho realizando.

Uma das grandes dificuldades encontradas para execução do projeto encontra-se nas questões de ordem ética, moral e religiosa, pois a escola, enquanto instituição conservadora, perpetua preconceitos enraizados em nossa sociedade. A escola, com sua “horda de gente a ser corrigida”, utiliza mecanismos de controle social semelhantes aos da igreja e da família, numa ordem social predominantemente heteronormativa.

Há dificuldades de diferentes ordens para articular uma unidade de trabalho junto com os professores e professoras. Tem sido difícil estimular a participação mais efetiva na realização de atividades de reflexão e de intervenção no campo dos direitos humanos, principalmente no que tange à valorização da diversidade sexual, abrangendo de forma maior a comunidade escolar.

É preciso superar preconceitos e a falta de informações para entender que a sexualidade é muito mais do que relação sexual. Ela é parte importante do conjunto de aspectos do nosso ser e da nossa vida cotidiana.

Uma aluna da turma 4008 denuncia uma das situações-limite que eu e a turma vivenciamos na 2ª edição do projeto no IESK.

Assisti ao desenho que o professor passou para a turma 4008. Depois de um debate com a turma, foi solicitada a confecção de uma história infantil abordando o assunto. Infelizmente parece que a escola e seus gestores ainda têm bastante preconceito sobre o assunto, porque, apesar de deixarem ser apresentadas as palestras, não permitiram que os cartazes e outros trabalhos fossem expostos. Como está escrito no próprio blog, o não-preconceito contra homossexuais deve ser trabalhado numa escola de formação de professores, para que nós passemos essa mensagem para nossos alunos e, quem sabe, construir uma sociedade livre de preconceitos.

A escola reproduz a sociedade em que está inserida e é por ela influenciada. Vivemos numa sociedade em que predomina a homofobia; dessa forma, diariamente, em todos os lugares e independente de sexo, idade, cor, religião, status social e financeiro, ela se mostra presente, humilha e mata e, na maioria dos casos, se mantém impune.

A escola e seu corpo docente podem e devem ter papel de grande importância na desconstrução de mitos e preconceitos, na aquisição de valores e sentimento de respeitabilidade para com o outro. Entretanto, a escola, como muitas outras instituições, tem seguido no caminho inverso; assim, é possível detectar o preconceito e a desinformação, a incompreensão e a ignorância onde deveria, por tradição de suas lutas políticas, haver respeito e compreensão com a diferença.

Creio que ações como a do projeto Pro dia nascer feliz, assim como outras em algumas escolas do país, servem como momento de reflexão sobre nossas as práticas pedagógicas, buscando construir novas e outras formas de perceber e agir em relação aqueles ou aquelas que representam “o legítimo outro”. Procurar respeitar todos os tipos de vivências sexuais e culturais deve ser a bandeira política do compromisso de todos nós professores e professoras.

O Instituto de Educação Sarah Kubitschek é uma escola de formação de professores. Logo, seu compromisso deve ser com um ensino de qualidade, que se faz pela atualidade do seu currículo, sabendo que os processos educacionais são dinâmicos, sem se omitir das discussões e debates acerca de questões polêmicas, como a da diversidade sexual e da violência de gêneros. Essas são questões cuja discussão torna-se indispensável para a adoção de modelos educacionais efetivamente inclusivos, já que a escola lida e aprofunda conteúdos geralmente marginalizados e que se constituem em tabu por diferentes ordens, no e durante o processo de formação – que se mantém tradicional – de professores e professoras, gestores e gestoras e demais profissionais que animam o espaço escolar.

Projeto Purpurina

O Projeto Purpurina é um exemplo que dificilmente aconteceria dentro de um espaço escolar. Ao invés de a escola quebrar seus muros para o mundo, ela cada vez mais se engessa e se institui como um modelo de exclusão; não se articula com os anseios do mundo contemporâneo. O Purpurina é um projeto multicultural de iniciativa do GPH – Grupo de Pais de Homossexuais, sem vínculos religiosos ou políticos, criado para adolescentes e jovens gays (garotos e garotas) de 13 aos 24 anos.

Segundo a representante do GPH Edith Modesto, seus objetivos são: 1. aumentar a autoestima dos jovens, oferecendo-lhes a possibilidade de socialização, em contato com outros jovens como eles, através de edições mensais, coordenadas pelos próprios jovens (incentivando o protagonismo juvenil), em que conversam à vontade sobre suas dúvidas e anseios, sem se sentirem julgados; 2. aproximar os filhos e as filhas gays de seus pais e familiares; 3. atuar na prevenção a DST/AIDS.

São realizadas conversas sobre assuntos polêmicos de interesse dos jovens, além de haver exibição de filmes, teatro, musica, dança, passeios em grupo, oficinas e cursos profissionalizantes. Os encontros acontecem todo primeiro domingo do mês, na Rua Major Sertório, 292, na Vila Buarque - São Paulo-SP.

Pro dia nascer feliz e o contexto

O Brasil é um país que apresenta taxas alarmantes de violência contra lésbicas, gays, travestis e transgêneros. A maior parte dessas agressões não alcança a mídia por fatores de diferentes ordens. Desse modo, a área da educação se configura como daquelas de fundamental importância, em que a intervenção deve possuir caráter estratégico e essencial. Vivemos numa era de mudanças na ordem econômica, política e cultural. Não dá para ser coerente durante todo o tempo, sentindo-se protegido por pensar como a maioria das pessoas. As contradições são fundamentais no ato de viver e elas nos movem, permitem criar, sair do lugar em que acreditamos estar imunes, onde quase sempre nos abrigamos para nos sentir seguros das críticas e da violência.

Pro dia nascer feliz surge então como uma campanha, uma luta quase pessoal para sensibilizar e mobilizar o corpo escolar do IESK – docentes, discentes, gestores, pessoal de apoio e responsáveis – para a discussão e a ampliação da visibilidade das sexualidades humanas naquele espaço. As edições já realizadas têm ambicionado trazer informações pertinentes a essa temática para o seio da unidade escolar, com o objetivo de dirimir dúvidas, pôr em discussão as “receitas prontas e fórmulas” de se ser feliz, relativizar conceitos como o de certo e errado, fomentar novos questionamentos e reflexões sobre o tema, produzir novos entendimentos sobre a questão da sexualidade, contribuindo para a reflexão na condução de ações pessoais de cada um dos envolvidos, despertando o sentimento de cidadania em nossas atividades e práticas educativas profissionais ao reduzir as incompreensões, preconceitos e discriminações em relação ao outro que possui uma orientação sexual que não a minha.

Retomo a minha conversa, por e-mail, com o prof. Dirceu Castilho. A certa altura ele me escreveu:

Não basta eu estar bem, é preciso criar condições para que todos estejam bem com suas escolhas cotidianas, com seus modos de existência. (...) Às vezes eu penso que o mundo seria muito melhor se as pessoas desaboletassem de cima dos muros, onde a maioria delas – por covardia, individualismo ou comodidade – parece ter escolhido ficar para sempre.

Assim, buscando “sair de cima do muro”, o projeto vem sendo realizado a duras penas, sem nenhum apoio institucional interno e sofrendo resistências significativas. Apesar das muitas dificuldades, em suas três edições (que podem ser conhecidas nos sites: http://iesk.multiply.com – 2006; www.iesk-2007.blogspot.com – 2007 e www.iesk-2008.blogspot.com – 2008), o projeto tem encontrado apoio junto a uma parcela significativa de alunos e alunas e reunido, em torno de sua ideia, pessoas, movimentos sociais, instituições da sociedade civil e ONGs e órgãos dos vários níveis de governo.

A dificuldade para conseguir financiamento para um projeto mais sofisticado, com melhor infraestrutura, não me desestimulou porque sei da relevância do tema. Passei a produzir eventos mais modestos, com poucos recursos e mobilizando grupos internos e externos à escola (mas poucos colegas). O importante, eu creio, foi não deixar de ter feito acontecer.

Como observo nas três avaliações que se seguem:

A palestra que teve na escola, os vídeos mostrados foram importantes para discutir esse assunto, porque as pessoas não podem ter preconceito com as pessoas, têm que entendê-las do jeito que elas são, não discriminá-las. Por exemplo, ‘aí ele é viado, ela é sapatão’. Eu achei muito interessante, nós temos que viver em uma sociedade mais justa e paciente com esses tipos de casos. Diga não ao preconceito (Alexandre).
Eu, Monica, tive a honra de conhecer o (...) professor Antonio Pinheiro, que nos mostrou, com varias atividades, filme, debate, o livro que foi escrito e ilustrado por seus alunos, que devemos respeitar uns aos outros, que cada um é especial e ninguém é igual a ninguém. Como futura educadora, devo ensinar os alunos a conviver com harmonia com todos. Deus nos amou e nos aceita como nós somos. E assim devemos amar a todos sem discriminar (Monica).
Nesta palestra pude adquirir mais conhecimentos sobre alguns outros fatos, como a diferença entre travestis e homossexuais. Nem sempre o que é homo também é trans. E o mais absurdo foi o preconceito. Além do mais, cada um tem sua vida e suas escolhas. Cada um sabe o que quer (Juliane).

As imagens contam parte da história do projeto Pro dia nascer feliz. Seguem fotografias que demonstram a intensa participação e o engajamento de convidados externos e a presença de alunos e alunas no evento, justificando sua importância e sua pertinência nesse espaço-tempo.


Palestra da Edith Modesto, Grupo GPH e escritora, 2008.

Palestra de Barbara Graner, do Programa Nacional de DST/AIDS, 2008.

Oficina sob coordenação de Sandra Regina, do 8º período de Serviço Social da PUC-Rio, 2008.

Projeção de desenho animado, prof. Antonio Pinheiro, IESK, 2008.

Tem sido um trabalho de formiguinha. Há as dificuldades, os entraves, que vou contornando. No nível pedagógico, é importante a entrada dessa discussão na escola. É um tema contemporâneo, de grande relevância, que está presente em nosso cotidiano, queiramos ou não. Está nos diferentes meios de comunicação e invade as escolas. A postura de impedir que aconteça, adotada pela direção da escola, pode comprometer noções caras à democracia, como a autonomia e a liberdade do professor ou professora.

O projeto tem contribuído para refletir sobre a naturalização das ações preconceituosas que vivemos em nossas práticas cotidianas, dentro e fora da escola, sem que nos apercebamos de muitas delas, por estarem naturalizadas. Esse processo conduz à negação do outro, de suas escolhas, oprimindo-o, dominando-o, estigmatizando-o.


Pátio do IESK, 2006.

Quem afirma é Bourdieu (1998):  

A dominação, neste caso [dos homossexuais] como em certas espécies de racismo, toma a forma de uma negação de existência pública, visível. A opressão como invisibilidade traduz-se por uma recusa de existência, legítima, pública, isto é, conhecida e reconhecida – notadamente pelo direito – e por uma estigmatização que não aparece nunca de maneira clara quando o movimento reivindica a visibilidade. Nós os chamamos explicitamente "à discrição" que eles são obrigados habitualmente a se impor (p. 45).

Avaliação

Nos três anos em que o projeto Pro dia nascer feliz ele foi realizado na época da primavera, buscando contextualizá-lo com esta estação do ano, que na sua mais pura tradução inspira o sentido do (re)florescimento, do (re)nascimento, da mudança que se supõe seja para melhor. Foi com essa expectativa que encaramos, eu e alunos e alunas, o primeiro dia do evento, como se fosse o equinócio de primavera.

Tomar a metáfora do equinócio é remeter as ações educativas ao sentido etimológico da palavra latina - aequinoctiu, que significa, "noite igual", referindo-se ao momento do ano em que a duração do dia é igual à da noite. E poder dizer como Cazuza: Pro dia nascer feliz.

Num balanço dessas três edições, acredito que, apesar de todos os transtornos e dificuldades, o projeto é um sucesso e tem contado com a presença maciça de alunos e alunas e de alguns colegas do corpo docente. É importante considerar nesta avaliação a presença de ONGs, de instituições governamentais e da sociedade civil e de pessoas que acreditam que pela escola, pela educação, é possível ter um mundo melhor, menos preconceituoso e mais feliz.

Pro dia nascer feliz caminha agora para sua quarta edição. Neste processo, o projeto vai sendo compreendido por uns, incompreendido por outros, parabenizado aqui, repudiado ali, mas fazendo as pessoas pensarem sobre o tema que se propõe a discutir. O apedrejamento ainda é inevitável; vamos nos desviando de umas, sendo atingidos por outras, mas conscientes de que este é o papel que me cabe como educador.

Bibliografia

ABRAMOVAY, Miriam. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2003.

AMARAL NETO, Castúlio. Diários Escolares: fragmentos e memórias de homossexuais no cotidiano escolar. Disponível em: http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=Di%C3%A1rios+escolares%3A+fragmentos&btnG=Pesquisa+Google&meta=lr%3Dlang_pt&aq=f&oq=

BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

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PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Diversidade Sexual Combate ao preconceito e a Discriminação. Cadernos de Assistência Social. vol. 13. Escola Carioca de Gestores da Assistência Social. Rio de Janeiro, 2008.

Diversidade Sexual na Escola: uma metodologia de trabalho com adolescentes e jovens. São Paulo: Ecos/Corsa, 2006.

FACCHINI, Regina. Sopa de Letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1. A Vontade do Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

GRUPO CORSA. Educando Para a Diversidade: os GLBTs na Escola. São Paulo: Corsa, 2003.

LOPES, Denílson. O Homem que amava rapazes. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.

MODESTO, Edith. Vidas em arco-íris. Rio de Janeiro: Record, 2006.

____________. Mãe sempre sabe? Rio e Janeiro, Record, 2008.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 2007.

____________. A rede educacional brasileira encara os homossexuais, e não o preconceito, como problema. Revista Época Online: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI69793-15228-1,00-ESCOLAS+AINDA+NAO+SABEM+LIDAR+COM+OS+ALUNOS+GAYS.html>

Sites interessantes

DVDs (filmes)

  • Medo de quê? – Instituto Promundo
  • Pra que time ele joga? – Programa Nacional de DST e AIDS
  • Café da Manhã em Plutão – Neil Jordan
  • Madame Satã – Karim Aïnouz
  • Meninos não choram – Kimberly Peirce
  • Minha Adorável Lavanderia – Stephen Frears
  • Minha vida em cor de rosa – Alain Berliner
  • Morte em Veneza – Luchino Visconti
  • O Segredo de Brokeback Mountain – Ang Lee
  • Renato Russo – Entrevistas MTV
  • Saindo do Armário - Simon Shore
  • Transamérica – Duncan Tucker
  • Delicada Relação – Eytan Fox
  • Burbble – Eytan Fox
  • Ritos e Ditos de Jovens Gays – Vagner de Almeida
  • Borboletas da Vida – Vagner de Almeida
  • Basta um dia – Vagner Almeida

Publicado em 9 de junho de 2009

Publicado em 09 de junho de 2009

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