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O inferno somos nós

Mariana Cruz

Não faço parte dos Alcoólicos Anônimos, o AA; inclusive aprecio bem uma cervejinha nos fins de semana. Mas uma amiga que pertence a tal associação me falou sobre um lema que utilizam (não sei se é algo oficial ou se simplesmente é utilizado na unidade frequentada por ela) que achei genial: “O inferno somos nós”. Contrariando a famosa frase de Sartre (“O inferno são os outros”), de sua peça Entre quatro paredes, que conta a história de três pessoas que morrem e vão para o inferno. O local é bem diferente daquela representação tradicional cheia de fogueiras, fornalhas e diabinhos com tridentes a espetar as nádegas dos hóspedes. O inferno descrito pelo Pai do Existencialismo é bem mais sóbrio: trata-se de uma sala sem espelhos, cujos três habitantes não sentem fome nem sono e têm que ficar confinados lá por toda a eternidade. Não bastasse isso, são pessoas com características muito distintas, que com a convivência forçada acabam se odiando e se agredindo; entretanto, nem matar uns aos outros eles conseguem – já estão mortos. Assim, a todo instante deparam-se, através do olhar de seus companheiros, com um lado insuportável de si.

Tal alegoria mostra as dificuldades da convivência ininterrupta com o outro, na medida em que ele pode servir de espelho das coisas que menos gostamos em nós. Daí ser muito comum colocar no outro a culpa por tudo que nos acontece de ruim: nossos fracassos, decepções, tristezas. Por vezes, tal inimigo é um o pequeno sabotador que vive em nosso interior e, diante de qualquer estímulo externo (pressão, ofensa, pilhéria etc.), torna-se um gigante, pronto para nos derrubar.

Exemplos famosos não faltam

No mundo dos esportes, o que dizer do tombo de Diego Hypólito na última diagonal nos Jogos Olímpicos de 2008, quando a medalha de ouro já estava praticamente garantida? E da cabeçada de Zidane no italiano Materazzi, na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, quando o meia francês, a cinco minutos de encerrar sua carreira de forma brilhante, foi expulso de campo? Ainda nos gramados, como esquecer de Ronaldo, o Fenômeno, na Copa de 1998, quando, horas antes da final contra a França, sofreu uma convulsão? Pode ter sido uma infeliz coincidência... Ou não. Por que justamente quando temos que mostrar o melhor de nós muitas vezes falhamos?

Isso não vale apenas para os grandes astros. Tenho um exemplo de minha infância: eu, então uma nadadora mediana, numa competição que não valia muita coisa, fiz um tempo ótimo, ganhei medalha de ouro e virei a promessa do clube no meu estilo: nado de peito. Um mês depois, pronta para ser sucesso no campeonato carioca, ao cair na piscina do Parque Aquático Júlio Delamare, não sei o que me deu na hora que quanto mais rápido eu nadava menos eu saia do lugar. O nado de peito, para quem não sabe, tem um tempo para o deslize (ou pelos menos há vinte anos era assim, os estilos mudam tanto...), tempo esse que eu, na minha afobação, na minha autocobrança de preencher as expectativas que todos tinham sobre mim, ignorei e fiquei lá esbaforida, sendo ultrapassada por todos. Da esperança de um lugar no pódio fui arremessada para a lanterninha do campeonato. Lamentável. Pelos menos tal episódio serviu para ver que eu não tinha o menor saco nem vocação para natação competitiva.

Casos como os relatados acima são como os brancos na hora do teste sem importância ou mesmo no vestibular. É como deixar o carro morrer na hora da prova prática da autoescola, mesmo nunca tendo cometido tal vacilo antes; é o gaguejar ou falar coisas tolas na hora de uma entrevista ou diante de uma banca; é perder a cabeça no meio de uma discussão em que a pessoa se sabe correta e, por tal atitude descontrolada, perde a razão e, junto com isso, a credibilidade.

Não somos mônadas fechadas, livres de qualquer influencia externa. Salvo os autistas e alguns estoicos em ultimo grau, é muito difícil não se influenciar pela opinião alheia – nem tal atitude deve ser a ideal, pois muitas vezes o olhar do outro serve como um limitador de alguma postura exagerada nossa. O grande perigo é deixar que tais cobranças nos prejudiquem, ao invés de nos impulsionar. Aí é que entra o autocontrole, pois, além de dar cabeçadas, a cabeça pode ser usada para pensar.

Publicado em 16/06/2009

Publicado em 16 de junho de 2009

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