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O empenho e o desempenho dos alunos
Mariana Cruz
Este texto não pretende elaborar uma teoria nem ditar regras sobre qual a melhor forma de avaliar alunos. Longe disso. A avaliação, como se sabe, é um tema bastante discutido na área da Educação: teorias e teorias, e ninguém consegue avaliar qual o melhor tipo de avaliação. Mas a dúvida aqui exposta é elementar, para não dizer primária. Dúvida essa que, de tão básica, deve passar despercebida por muitos professores na hora de lançar a nota dos alunos. A questão é esta: a nota. O que vem a ser essa entidade numérica tão importante na vida dos estudantes? É uma espécie de premiação ou castigo que traduz o número de erros ou acertos que tiveram naquele bimestre.
Caso tenham acertado todas as questões e feito todos os trabalhos de forma impecável, receberão a nota máxima; caso contrário, a nota recebida será a mínima. A dificuldade está em avaliar de forma igual um mundo tão heterogêneo como o dos indivíduos que pertencem a uma sala de aula: cada um com um tipo de talento, de predisposição, de vontade, de gosto, de problemas, de história de vida.
Por outro lado, pensar dessa forma traz uma relativização sem fim. Mas aí vem a dúvida: qual seria uma forma justa de avaliar os alunos?
Pensemos neste caso: tenho uma aluna que está sempre presente, nunca chega atrasada, presta atenção nas aulas, pergunta quando tem dúvida, não faz bagunça etc. Notei, porém, que, durante um trabalho em grupo, isolou-se. Pediu-me para fazer sozinha, consenti. Quando fui corrigir, esperava ter uma grata surpresa. Mas o que constatei foi o oposto: uma escrita péssima, frases sem nexo e erros grosseiros de português. Antes mesmo de corrigir, preferi pedir para ela refazer o trabalho e perguntei, da maneira mais natural possível, o que a professora de português achava do texto dela. Foi quando me disse que escrevia daquele modo porque tinha problemas e estava fazendo tratamento. Não conseguia escrever da maneira certa, trocava as letras, as palavras.
Não aprofundei muito, fiquei uma pouco sem ação diante da naturalidade com que me falou. Ela provavelmente é disléxica. Na aula seguinte trouxe outro trabalho bem caprichado, porém ainda com erros graves e palavras fora do contexto. Outros alunos faltaram no dia do trabalho, mas nem se interessaram em saber como poderiam compensar. Eu é que tive de ir atrás deles, falar-lhes sobre o trabalho que deveriam entregar. No dia marcado, nenhum deles trouxe o trabalho: esqueceram. Estendi o prazo, e o “esquecimento” permaneceu. O único que trouxe (tirando a menina) demorou duas semanas para entregar. Os outros deixaram de lado. Afinal não valia “muitos pontos”.
O caso da aluna deixou-me intrigada; como avaliar alguém assim? Resolvi discuti-lo com outra professora, que disse que tal aluna tem sérias dificuldades, que suas notas são baixas e que, apesar da dedicação, nada poderá fazer caso não alcance o mínimo para passar. Ou seja, provavelmente repetirá o ano. Pensei sobre o caso. Alguma coisa não se encaixava. Trata-se de um problema psíquico; provavelmente, mesmo que repita o ano, não conseguirá acompanhar as outras turmas nos anos seguintes, e ano após ano irá repetir e ficará com turmas de pessoas com distância de idade cada vez maior, até que, por fim, fique desestimulada a ponto de deixar os estudos. O desempenho dela não é bom por uma dificuldade, mas... E o empenho, de nada vale? Ela me deu o outro trabalho, com os tais erros graves (menos do que no primeiro). Achei justo recompensá-la pelo seu empenho; ela deu bastante de si, esforçou-se, foi até onde pôde, tirou uma boa nota.
O oposto também ocorre: alunos com bom desempenho e pouco empenho. Conseguem conversar e entender a explicação do professor, compreendem a matéria com muita facilidade, terminam rapidamente os trabalhos e ficam atrapalhando os outros que ainda não acabaram os seus. Fazem isso sem pensar nos colegas que não apresentam tal habilidade. Normalmente, dou-lhes a incumbência de ajudar os outros alunos.
Tal questão de empenho e desempenho está nas mínimas coisas: no caso do aluno que, apesar de morar ao lado da escola, chega sempre atrasado, em oposição àquele que apesar de morar longe e pegar mais de uma condução para chegar ao colégio é sempre pontual, entre outras sutilezas.
Assim, seria justo dar a mesma nota para o menino que vai a todas as aulas, não se atrasa, participa, presta atenção, não atrapalha, ajuda os colegas e para aquele que falta constantemente, faz bagunça, chega sempre atrasado?
Uma solução possível talvez fosse não punir o mais displicente diminuindo sua nota, mas aumentar a nota daquele mais esforçado. Por mais que nas provas o desempenho dos dois tenha sido equivalente, o empenho, o que está por trás, o esforço de um deve ser reconhecido. Entretanto, tal conduta pode gerar polêmica. Havia uma parábola que minha mãe sempre contava quando eu era criança que, apesar de não me lembrar com fidelidade e ir contra meu ponto de vista, ilustra bem a questão “empenho & desempenho”. Jesus havia contratado três homens para fazer uma obra e tinha acertado que iria dar valor X para todos os três. Um homem chegou de manhã, trabalhou o dia inteiro; outro chegou duas horas depois; e o terceiro chegou no meio da tarde. No final do dia, Jesus foi lá e pagou o que havia combinado. O que chegou mais cedo ficou indignado: “não é justo você pagar a mesma quantia para mim e para os outros dois que trabalharam bem menos” e Jesus respondeu: “estou pagando o que havia combinado”. A história era mais ou menos assim, e nunca entendi muito bem a moral dela, pois achava que o cara que havia trabalhado mais devia ganhar mais. Mas estava errada, pois a moral da história era de que o certo é pagar o que havia sido combinado, independente do empenho de cada um. Jesus estava certo.
Penso nisso ao avaliar os alunos e não consigo ter o mesmo peso e a mesma medida que Jesus. Afinal, não passo de uma reles pecadora. Alguns de meus alunos, apesar de terem imensa dificuldade em interpretar um texto, entender uma metáfora, se esforçam, leem e releem os textos, me apresentam trabalhos bem organizados, enquanto outros entendem com mais facilidade, em uma única lida já captam a essência do que está escrito e talvez por essa facilidade não capricham tanto na feitura dos trabalhos. Como proceder em uma situação destas? Premiar um por ter talento, facilidade para isso e o outro deve ser punido por apresentar dificuldade?
Uma coisa é o desempenho, como ambos se saíram, mas o empenho também deve ser levado em conta. Isso me remete a outra fábula, a da lebre e da tartaruga. É certo que a lebre é muito mais veloz do que a tartaruga, poderia dar 10 voltas enquanto a pobre tartaruga terminava uma única. Mas, por fiar-se tanto em seu desempenho, a lebre acabou parando para descansar, e nisso a tartaruga, seguindo o lema do devagar e sempre, continuou, sem pausa, fazendo o máximo que seu pesado casco e suas curtas pernas permitiam, e acabou ultrapassando a lépida lebre. Assim, o empenho da tartaruga foi maior que o da lebre, que teria potencialmente um desempenho muito superior.
Quando ambos – empenho e desempenho – andam juntos, nós, professores ficamos orgulhosos de nossos alunos. Mas quando se encontram isolados, cabe a nós fazer com que o elemento ausente floresça. Acho que a sabedoria está em saber como avaliar com justiça o uso que cada aluno faz desses elementos.
Publicado em 23 de junho de 2009.
Publicado em 23 de junho de 2009
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