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A experiência e o pensar em Dewey e Freire: relações e influências apontando para a prática da liberdade

Ursula Rosa da Silva

Professora universitária, doutora em História e doutoranda em Educação

Gomercindo Ghiggi

Professor universitário, doutor em Educação

Introdução

Na percepção da influência de Dewey em Freire, estudos diversos apontam relações, com a particular mediação de Anísio Teixeira. Pela profunda admiração que tem por Anísio, Freire volta a Dewey. De Anísio, Freire considera-se discípulo, acompanhando-o na denúncia dos modelos autoritários da sociedade e da educação brasileira, particularmente defendendo que a educação deve ser pública e não privilégio de parcela da sociedade, educação esta que "já não pode ficar circunstanciada à alfabetização ou à transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida civilizada – ler, escrever, e contar" (Teixeira, 1994, p. 105), advogando pela formação do hábito de leitura na população. Para Teixeira e Freire, o conhecimento da cultura das comunidades é a principal na tarefa docente e para as políticas de educação. Assim como Freire tanto destacou, Anísio, falando do mundo rural, lembra que "isolada na sua finalidade alfabetizante, a escola rural (...) produz um involuntário desenraizamento das crianças" (1997, p. 99). Nesse quadro, o professor assume para si os atributos de um líder social, tema que será básico para Freire, pelo conceito de autoridade. É assim que Anísio, além de ser o influente pensador de Dewey no Brasil, torna-se leitura de Freire.

Partindo das percepções explicitadas, pretendemos realizar uma aproximação entre Dewey e Freire – dois teóricos da educação que consideram uma das bases educativas o “saber ensinar a pensar” – propondo a análise de duas categorias: a experiência e o pensar, essenciais, em ambos, para a prática da liberdade. É preciso enfatizar que as aproximações entre ambos tangem suas semelhanças nas críticas que fazem à escola tradicional e a seus métodos. Entretanto, Dewey e Freire se afastam no tocante à forma como propõem a prática da liberdade: o primeiro vê a educação como forma de instrumentalizar o indivíduo para a convivência na sociedade democrática; o segundo, por sua vez, só entende o sentido da educação como preparo para uma práxis transformadora, revolucionária.

Dewey acredita que aquele homem que não aprende a exercitar seu pensamento reflexivo e se deixa guiar pelos impulsos pode facilmente estar à mercê das influências exteriores. “A verdadeira liberdade (...) é intelectual; reside no poder do pensamento exercitado, na capacidade de ‘virar as coisas ao avesso’, de examiná-las deliberadamente (...)” (Dewey, 1959, p. 96). E explicita: “pois liberdade é poder de agir e executar, independentemente de tutela exterior” (idem, p. 93). É por meio da educação que o homem pode desenvolver o pensamento reflexivo, pois a escola deve dar ênfase e garantir este desenvolvimento e essa formação da capacidade lógica e disciplinada de pensar. Disciplina e liberdade são duas instâncias que podem e devem ser conjugadas no ato de educar para o pensar.

Refletindo autoridade e liberdade pelo conceito de experiência

Dewey discute a relação entre indivíduo e sociedade, disciplina coletiva e interesses individuais e formação para a liberdade. Na Universidade de Chicago, onde lecionou Filosofia, Psicologia e Pedagogia, organizou uma escola-laboratório, donde extraiu elementos à defesa do método científico a ser aplicado também na educação. Sua obra revela um pensador preocupado com o conceito de experiência, que constitui o fundamento da realidade, conceito este que, entendido em sentido lato, leva-o a romper com a perspectiva tradicional de entendimento de experiência: é o vínculo entre o ser vivo e seu ambiente, na dimensão física e social. Dewey investigou a experiência em seu aspecto essencialmente dinâmico: toda a experiência modificada ocorre pelo meio, concepção que leva o autor a admitir a existência de processo contínuo de criação de conexões e continuidades, propiciando permanentes recriações dos elementos envolvidos.

Fundamentalmente, é a experiência que provoca mudanças nas relações do homem com o meio. Defensor da Escola Ativa, Dewey apontou a importância da aprendizagem partindo da experiência. Da crítica à escola tradicional, instauradora de comportamentos de submissão e obediência, o autor propôs uma inversão de valores que considerasse iniciativa, originalidade e cooperação, possibilitando a liberação das potencialidades criativas do indivíduo, objetivando não a mudança social, mas o seu aperfeiçoamento – ponto em que notamos afastamento das ideias de Freire. O movimento pela liberdade era traduzido ou aplicado ao campo educacional, embora ainda carente de questionamentos mais radicais em torno das raízes das desigualdades sociais, com acentuada ênfase na dimensão psicológica na educação. Mesmo assim, como autores como Gadotti (1993), Luzuriaga (1984), Fullat (1994) e Cambi (1999), Dewey desenvolveu teorias pedagógicas progressistas, particularmente em relação à inserção do estudante, sujeito no processo de aprendizagem, na discussão em torno da importância fundamental da democracia na organização social e à defesa da escola pública.

Das concepções acima, Dewey desenvolve um método de compreensão da realidade denominado instrumentalismo: o que leva o homem ao conhecimento não é um fim em si mesmo, mas a necessidade de apropriação da realidade. Em última instância, o pensamento não busca o saber, mas a apropriação instrumental para ter domínio sobre as coisas. O meio impõe dificuldades, mas o pensamento humano serve de instrumento à sua adaptação. A verdade, razão da busca do pensamento, é o que leva o homem a superar problemas (1959, p. 166ss), bases que fazem Dewey produzir ampla reflexão política, particularmente em relação aos fundamentos filosóficos que justificam a defesa da tolerância na constituição das relações sociais, na dimensão pessoal e o caráter público organizado pelo Estado, a partir do que a democracia é a forma de governo defendida.

A esse respeito, Neutzling afirma que Dewey, manifestando-se "contra a mudança revolucionária de cunho violento e contra o uso de métodos de violência", empresta apoio à reconstrução social, política e econômica de "feitio ora mais radical, ora mais gradual, através da participação, da experiência, do livre debate, da educação, do empenho inteligente, ou seja, através de métodos democráticos." Para o autor, essa posição de Dewey

permite a manifestação de todos os segmentos sociais (...) dentro do processo democrático da participação. É (...) uma proposta de mudança que não é fruto de fatalidades, dogmas (...) ou métodos violentos, mas de uma mentalidade democrática, onde há lugar para a liberdade e a tolerância da diversidade.
(Neutzling, 1984, p. 115)

Essa afirmação considera a concepção filosófica de Dewey, da qual o autor também extrai a sua concepção de liberdade, designando "mais uma atitude mental do que a ausência de restrição exterior de movimentos, mas (...) esta qualidade espiritual não pode desenvolver-se sem grande produção de movimentos para os atos de explorar, experimentar, aplicar etc.". Uma sociedade escorada nos "costumes utilizará as variações individuais até certo limite, conforme seus usos; a uniformidade é o principal ideal no interior de cada classe". Por sua vez, uma sociedade "progressiva considera preciosas as variações individuais, desde que nelas encontre meios para seu próprio desenvolvimento. Por conseguinte, uma sociedade democrática deve (...) permitir a liberdade intelectual e a manifestação das várias aptidões e interesses" (Dewey, 1979, p. 337).

Discutindo teorias do conhecimento e perspectivas dualistas que tanto têm influenciado a história do pensamento e as relações humanas, Dewey reflete-as em sua presença na educação, particularmente na relação entre autoridade e liberdade. Partindo da concepção de saber resultante do ato de estudar ("operação ativa e praticada pessoalmente"), o autor afirma que o dualismo pode manifestar-se na concepção de conhecimento "como uma coisa exterior", objetiva, e o "ato de conhecer como coisa puramente interna, subjetiva, psíquica". Fala da existência de conjunto de verdades, já pronto e de espírito preparado para a faculdade de conhecer. A separação (que se fez frequente) entre matéria de estudo e método é o equivalente educacional deste dualismo. Socialmente, a distinção se prende à parte da vida que fica sujeita à autoridade e à parte em que os indivíduos têm liberdade de progredir. Dewey trabalha com a distinção que pode decorrer do processo educacional com o que cada um se envolve. Tais dualismos, em termos sociais, refletem "uma separação entre os que são dominados por interesses diretos pelas coisas e os que têm a liberdade de adquirir cultura" (Dewey, 1979, p. 368).

É assim que o autor aponta o método científico como principal instrumento a serviço do conhecer que deve exigir, de quem o deseja, esforço, dedicação e procura sistemática. A adoção desse instrumento justifica-se por duas razões principais: a primeira liga-se ao fato de o método significar que não se pode denominar alguma coisa conhecimento, a não ser que a atividade humana tenha produzido mudanças físicas nas coisas, as quais partem de uma concepção adotada, preexistente, verificam-na e a confirmam. Ao contrário, o conhecimento que dizemos possuir não passa de hipóteses, conjeturas e sugestões.

A segunda razão que justifica a adoção do método científico é que o pensamento torna-se útil à medida que possibilita a previsão de consequências futuras, a partir da observação completa das condições presentes. Ocorre que isso exige muito dos homens, pois é bastante difícil o processo do distanciamento do apoio do dogma, das crenças (impostas pela autoridade) tidas como verdadeiras, e entrar na atividade de pensar, assumindo a responsabilidade de dirigir sua própria ação pela reflexão. É por essa razão que as escolas se prestam a formar mais "discípulos do que pesquisadores. Mas é certo que todo o progresso da influência do método experimental contribui para o descrédito dos métodos puramente literários, dialéticos ou de imposições pela autoridade" (Dewey, 1979, p. 372). É assim que o autor busca colocar a serviço da educação e do ensino a sua metodologia: a compreensão científico-instrumental da realidade, objetivando superar a dicotomia entre teoria e prática.

Paralelamente ao reconhecimento de que os homens têm dificuldades para adotar o método científico, Dewey declara a falta de liberdade econômica da maioria – exposta na divisão entre classes trabalhadoras e não-trabalhadoras – o que reduz muitos homens à condição servil. A partir disso, Dewey pensa a liberdade na escola, que foi "a instituição que patenteou com maior clareza o antagonismo que se presumia existir entre os métodos de ensino puramente individualistas e a atividade social, e entre a liberdade e a disciplina social".O antagonismo deve-se principalmente a dois fatores: de um lado, a ausência de um meio propício e de motivos sociais para aprender; com isto, chega-se consequentemente ao segundo fator: a separação, na prática escolar, entre o método de ensino vivenciado na sala de aula e os métodos de administração determinados fora dela. Para todos os que defendem e os que são adversários da liberdade na escola, o autor denuncia a identificação da liberdade "com a ausência de direção social ou (...) com o simples não constrangimento físico de movimentos", o que o leva à seguinte delimitação conceitual:

a essência da exigência de liberdade é a necessidade de condições que habilitem o indivíduo a dar sua contribuição pessoal aos interesses de um grupo (...) de tal modo que sua orientação social seja o resultado da própria atitude mental do indivíduo, e não uma coisa imposta por meio da autoridade.
(Dewey, 1979, p. 332-3)

O autor manifesta-se contrário à ideia de que o indivíduo é a realidade mais essencial por não ser resultado da educação científica e moralmente sólida. O individualismo decorrente é "fruto do afrouxamento da compreensão da autoridade dos costumes e tradições como padrões de crenças e 'certezas'" (Dewey, 1979, p. 336). Preocupado com a tensa relação entre disciplina e liberdade, expõe a problemática a partir da reflexão em torno do ordenamento lógico do pensamento. Toma como ponto de partida duas concepções diferentes: uma que considera a disciplina essencial; outra que toma a liberdade como central à organização de processos formativos. O autor entende que ambas, cada uma a seu modo, têm uma concepção errônea do que realmente significa disciplina. Dewey afirma que disciplina pode ser

identificada aos atos mecânicos que têm por fim embutir, com repetidas pancadas, uma substância estranha num material resistente; ou comparável à rotina maquinal com que se emprestam a bisonhos recrutas o porte e os hábitos marciais que lhes eram, como de esperar, totalmente alheios.
(Dewey, 1959, p. 92)

Para Dewey, essa reflexão aponta na direção contrária à "disciplina mental", pois o objetivo neste caso não é desenvolver o "hábito de pensar", mas atingir maneiras "de agir uniformes". Ele conclui afirmando que

a disciplina é positiva e construtiva. É poder, poder de controle dos meios necessários para atingir os fins e, igualmente, poder de avaliar e verificar os fins (...). A disciplina é (...) um resultado, uma realização, não coisa imposta do exterior.
(Dewey, 1959, p. 93)

Em consequência, o erro na concepção de liberdade decorre do equívoco na recepção da disciplina, no sentido tradicional de divisa. Dewey afirma que é possível entender a liberdade como "poder de agir e executar, independentemente de tutela exterior. Significa domínio, capaz de exercício independente, emancipado dos cordéis da direção alheia, não simples atividade exterior sem peias" (1959, p. 93). Assim, a liberdade "não consiste em manter uma atividade exterior ininterrupta e desimpedida; é algo que se consegue (...) pela reflexão pessoal, sobre as dificuldades que impedem uma ação imediata e um êxito espontâneo" (Dewey, 1959, p. 94). Para a construção da liberdade é necessário passar por um processo de formação de pensamento e hábitos mentais que permite "observar cuidadosamente as coisas, ou olhá-las por cima, às pressas, com indiferença (...); seguir ordenadamente sugestões que ocorrem, ou adivinhar ao acaso e aos saltos" (Dewey, 1959, p. 94).

Embora perceba a insuficiência do conceito de liberdade atrelado às possibilidades intelectuais, o autor afirma que a "verdadeira liberdade (...) é intelectual; reside no poder do pensamento exercitado, na capacidade de 'virar as coisas ao avesso', de examiná-las deliberadamente". Coerente com o conceito exposto, ele afirma que, "se as ações de um homem não são guiadas por conclusões reflexivas, é que se deixam levar por impulsos inconsiderados (...), pelo capricho ou pelas circunstâncias do momento" (Dewey, 1959, p. 96).

Na perspectiva da formação para a liberdade intelectual, Dewey desenvolve uma reflexão atualizada sobre interesse e disciplina, ao discutir a tese de que disciplinado é o indivíduo que se formou aprendendo a exercitar a reflexão sobre suas ações e a empreendê-las de maneira resoluta: "disciplina significa (...) o domínio dos recursos disponíveis para levar adiante a atividade empreendida. Saber o que se deve fazer e fazê-lo prontamente e com a utilidade dos meios requeridos, significa ser disciplinado”. A disciplina é positiva,

é uma afirmação que permite concluir que não há valor educativo em atos impostos ou nos exercícios externos como domar as propensões, compelir à obediência, mortificar a carne, fazer um subalterno executar um trabalho desagradável, a menos que desenvolvidas na perspectiva da compreensão do que se tem em vista.
(Dewey, 1979, p. 141)

Ao defender o disciplinamento, em particular pela formação para o ato de pensar consistente, trabalha a indispensável relação com o interesse. Diferencia o espectador do agente que participa efetivamente de determinada ação. Destacando os equívocos ou a falsa concepção de disciplina, Dewey argumenta que:

o problema da instrução é (...) encontrar matéria à qual o educando aplique sua atividade especial, tendo um (...) objetivo de importância ou de interesse para ele, valendo-se das coisas (...) como condições para atingir fins, o que pode ser obtido por meio de "atividades" diversas como "jogos", ocupações úteis, em que os indivíduos tomem interesse, em cujo resultado reconheçam ter alguma coisa em jogo, e que não se pratiquem sem a reflexão, a análise, o uso do raciocínio no escolher e determinar as condições e o material a observar e a reter na memória.
(Dewey, 1979, p. 143)

Erros provocaram consequências negativas: protegeram estudos tradicionais, sem possibilidades de construção da crítica inteligente, por não mostrarem utilidade e por não contribuírem para o cultivo do espírito. Outra consequência foi "estabelecer uma concepção negativa da disciplina, em vez de identificá-la com o desenvolvimento da capacidade de realização" (Dewey, 1959, p. 146). A disciplina, posta a partir da definição de interesses que envolvem os homens, exige força de vontade. Dewey afirma que "um homem de força de vontade (...) é o que nem é volúvel nem se desalenta na prossecução dos fins que escolheu; tem capacidade de ação, isto é, esforça-se (...) para executar ou levar avante seus planos" (Dewey, 1979, p. 140).

Para a formação moral, Dewey atribui importância à educação e ao conteúdo que a escola desenvolve. Para ele,

o mais importante problema da educação moral nas escolas diz respeito às relações entre o conhecimento e a conduta. Pois se o ensino recebido num curso regular não influenciar o caráter, será inútil conceber-se o fim moral como o fim unificador e culminante da educação.
(Dewey, 1959, p. 395-6)

A desconexão entre "métodos e materiais do conhecimento e o desenvolvimento moral" desemboca na aplicação de "lições e métodos disciplinares particulares", separando o conhecimento de seu vínculo esperado a um programa de desenvolvimento e aquisição de uma série de virtudes consideradas especificamente. O humano é tanto mais capaz de participar de construção e práticas de liberdade quanto mais for conscientemente educado para a moral, e, segundo Dewey, a educação é a responsável pelo desenvolvimento da capacidade de participar eficazmente da vida social. A educação não apenas formaria um caráter que se envolva na prática dos atos particulares socialmente necessários mas também está na base da contínua readaptação do indivíduo ao meio social, que é essencial ao desenvolvimento de uma comunidade democrática. Consequentemente, "o interesse para aprender-se (...) com a vida é (...) essencialmente moral" (Dewey, 1959, p. 396).

Dewey preocupa-se com a superação da disciplina formal, embora reconheça seu valor: a teoria da disciplina formal tinha como meta realizar o ideal de um processo educativo cujo resultado seria o desenvolvimento de aptidões especiais para as realizações de atividades. Nesse sentido, a disciplina formal preparava uma pessoa “adestrada”, ou seja, aquela que poderia fazer melhor as coisas, salientando-se que "melhor", neste caso, significa poder fazer as coisas "com maior facilidade, eficiência, economia, prontidão etc." (Dewey, 1959, p. 65).

Mas o adestramento, ante a concepção de que o espírito possui certas faculdades, é repudiado por Dewey ao afirmar que outra teoria, também com graves falhas, entende que “o espírito possui, desde o nascimento, certas faculdades como a percepção, a memória, a vontade, o juízo, a atenção, o poder de generalizar (...) e que a educação consiste em aperfeiçoarem-se essas faculdades por meio de exercícios repetidos" (Dewey, 1959, p. 74).

Nesse sentido, concordamos com Rosa (1982) quando afirma que Dewey trabalha a sua pedagogia em favor da liberdade. É uma proposta que se firma contrariamente ao constructo autoritário da Pedagogia tradicional e contra o que Freire denomina educação para a licenciosidade. Na perspectiva tradicional, o conteúdo foi considerado um conjunto de informações e destrezas das quais o aluno, dócil e obediente, deveria apropriar-se. A proposta de Dewey, que fundamenta a escola ativa, tem base na relação entre experiência e educação. Embora reconhecendo divergências entre as duas perspectivas, não há em Dewey oposição radical entre as propostas tradicional e nova, o que faz dele um autor que, desde os princípios do método científico aplicado à educação, não descarta, por opções políticas, qualquer processo na formação do indivíduo.

Na analogia entre educação tradicional e educação libertadora, Freire aponta para a importância do pensar certo como mobilizador do conhecimento estabelecido, vinculando-o à realidade, não aceitando a verdade como algo estanque e dado. Freire enfatiza também a necessidade do perguntar, ato estimulador da curiosidade do educando, e forma de ler, olhar o mundo à sua volta como sujeito do conhecimento: aquele que olha e se pergunta, pois

somente a partir de perguntas é que se deve sair em busca de respostas, e não o contrário: esclarecer as respostas, com o que todo o saber fica justamente nisso, já está dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos por descobrir. O saber já está feito, este é o ensino. Agora eu diria: ‘a única maneira de ensinar é aprendendo’, e essa afirmação valeria tanto para o aluno como para o professor. Não concebo que um professor possa ensinar sem que ele também esteja aprendendo: para que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de aprender.
(Freire, 1985, p. 46)

A educação autoritária afoga a indagação e a curiosidade. Uma educação que visa à libertação do indivíduo deve contar com professores que se disponham a ensinar aprendendo, com o aluno, com a realidade em torno deles. Para Freire, “um dos pontos de partida para a formação de um educador (...), numa perspectiva libertadora, democrática, seria essa coisa aparentemente tão simples: o que é perguntar?” (Freire, 1985, p. 47). Salienta, no entanto, que o importante não é o ato em si de buscar o que significa perguntar, como mero jogo especulativo, mas sim “viver a pergunta, viver a indagação, viver a curiosidade (...). O problema que na verdade se coloca ao professor é o de, na prática, ir criando com os alunos o hábito, como virtude, de perguntar, de ‘espantar-se’” (Freire, 1985, p. 48).

Nesse caso, o educador estaria se colocando no movimento interno do processo de conhecer, envolvendo-se com a curiosidade do aluno, e não desrespeitando nenhuma pergunta. Essa metodologia, na realidade, contemplaria uma volta ao filosofar, ao início do conhecimento, ao espantar-se com o mundo e uma volta às origens da Pedagogia, do ensinar. Ligado ao perguntar está o pensar certo, que reflete a partir das relações com a realidade, do cotidiano, para buscar as perguntas essenciais:

se aprendêssemos a nos perguntar sobre nossa própria existência cotidiana, todas as perguntas que exigissem resposta e todo esse processo pergunta-resposta, que constitui o caminho do conhecimento, começariam por essas perguntas básicas de nossa vida cotidiana.
(Freire, 1985, p. 48)

Nesse sentido, o pensar certo está em saber ligar a pergunta e a resposta à prática na realidade, retornar ao mundo das pessoas e da vida para transformá-lo.

Freire: do pensar à experiência autônoma

Acompanhando Gadotti, é possível afirmar que "o que a pedagogia de Freire aproveita do pensamento de John Dewey é a ideia de ‘aprender fazendo', o trabalho cooperativo, a relação entre teoria e prática, o método de iniciar o trabalho educativo pela fala (linguagem) dos alunos" (Gadotti, 1996, p. 92). Conforme a perspectiva filosófica apontada, isso é o que leva Dewey a produzir ampla reflexão política, particularmente em relação aos fundamentos filosóficos que justificam a defesa da tolerância em sua dimensão pessoal e quanto ao caráter público organizado pelo Estado.

A aproximação pode ser efetuada também pela relação com a disciplina; em Dewey ganha reforço a tese da necessidade de que o interesse oriente os procedimentos comportamentais. Quando professores disciplinam seus alunos, pensando apenas na formação mental ou moral, criam aversão ao estudo. É assim que Dewey tem importância ao ser reconhecido como influência teórica básica, inclusive para a pedagogia crítica, que dá suporte à obra de Freire. Embora ainda sofrendo acentuada influência do clássico modelo liberal, que buscou a libertação das forças individuais, Dewey quer produzir bloqueios das forças que impedem o reconhecimento da autoridade docente, em particular a defesa da liberdade, que em Freire torna-se fundamental.

Outro elemento importante na teoria de Dewey que iremos encontrar em Freire é sua concepção pedagógica do pensar que valoriza o aprendizado e a capacidade de pensamento autônomo e reflexivo, sendo condição necessária para o exercício da vida democrática.

Em Freire, as categorias da conscientização e do pensar certo revelam que é por meio da educação que a autonomia do pensar pode intervir na realidade. Para Freire, “a melhor maneira de refletir é pensar a prática e retornar a ela para transformá-la. Portanto, pensar o concreto, a realidade” (Gadotti, 2005, p. 254). É importante, no entanto, salientar a grande diferença que esta formação autônoma e consciente terá na práxis efetiva em Dewey e em Freire. Para Dewey, o desenvolvimento de um pensar eficiente tem relação com o acesso de todos a uma educação que os instrumentalize a participar igualitariamente no processo de um regime democrático. Freire, por sua vez, só vê sentido no pensar ligado à ação, à práxis transformadora; por isso, define o pensar certo como aquele que deverá transformar a realidade do sujeito de forma concreta: é uma atitude do sujeito social que só é possível na medida em que este toma consciência e atitude frente a sua própria concretude.

Na obra Pedagogia da Autonomia, Freire define a autonomia como algo que

vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras de decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade.
(Freire, 1996, p. 107)

Desta forma, o pensar parte, desde sempre, da realidade, de problemas postos, de embates a serem resolvidos, do enfrentamento cotidiano com a vida para que a existência humana tenha sentido e se transcenda. Freire (1999, p. 48), tomando o sentido de Jaspers, define que existir ultrapassa o viver, pois existir é mais do que meramente estar no mundo: é estar nele e com ele, considerando toda a capacidade humana de discernir, dialogar e transformar este mundo.

A experiência autônoma fundada na liberdade é algo que se constitui desde no exercício de pequenas decisões cotidianas tomadas com responsabilidade. Assim, liberdade, para Freire, deve estar em sintonia com a responsabilidade, tanto quanto o sentido de autoridade deve ser sinônimo de limite necessário – e não de excesso ou autoritarismo. A liberdade não é, portanto, ausência de autoridade ou de limites impostos pelo outro ou por um elemento externo ao Eu. A própria existência e experiência com a alteridade impõem que existam convenções, regras para o convívio social, para que a relação social funcione, e Freire reconhece a necessidade dos limites e das regras.

A educação, então, desde a relação de ensino não formal estabelecida em casa, deve guiar-se pela importância do amadurecimento na realização das escolhas, das decisões com responsabilidade. “Ensinar exige liberdade e autoridade”, diz Freire (1996, p. 104): “uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos filhos que sua participação no processo de tomada de decisão deles não é uma intromissão, mas um dever, até, desde que não pretendam assumir a missão de decidir por eles”. A contribuição dos pais é orientar, principalmente analisando com os filhos as várias possibilidades de efeitos que poderiam ter seus atos.

Da mesma forma que os pais, o professor deve servir como guia, orientador dos passos a serem dados pelo estudante. Por sua condição de ser inacabado, o homem carrega em sua essência a educabilidade; necessita ser educado. Nesse sentido, é fundamental que o pensamento se estruture como algo ordenado e, ao mesmo tempo, que se constitua coerente e voltado a uma práxis. O pensar certo, reflexivo e crítico deve ser característico do verdadeiro professor, para que saiba orientar seu aluno na direção de um pensar consciente e autônomo, instigando desde a curiosidade nascente à constituição de uma curiosidade epistemológica.

A metodologia da educação para um agir autônomo deve partir da percepção de mundo e do diálogo, em que ambos, professor e aluno, respeitem-se e saibam escutar-se. Pois se alguém acredita que sua forma de ver o mundo é a única certa, essa pessoa não consegue escutar. “Quem pensa elabora seu discurso de outra maneira” (Freire, 1996, p. 121). É nessa relação de respeito e abertura ao outro que se torna possível o diálogo. E o professor deve se colocar numa situação de disponibilidade para esse diálogo, tendo certeza de que não detém o todo do conhecimento, não é dono do saber, mas, pelo contrário:

Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo, a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. (...) Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa. (...) Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. (...) O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade.
(Freire, 1996, p. 135-136)

Assim, acreditamos que a categoria do pensar certo, em Freire, instaura não apenas um saber necessário à prática docente, mas está na base de uma metodologia de ensino que se caracteriza pela abertura ao outro e ao diálogo como suporte para uma práxis consciente e autônoma, não desconsiderando nem negando os limites necessários e presentes em qualquer relação democrática, como defendia também Dewey.

Dewey e Freire: considerações sobre o conceito de pensar

Tendo como pressuposto que ensinar não é um mero ato de transferir conhecimento, Freire escreve Pedagogia da Autonomia, em 1996, para falar de sua concepção de educação, do que o ato de ensinar demanda e quais saberes necessários ao professor devem estar presentes desde sua formação até o exercício de seu ofício docente. Dewey, por sua vez, escreve a obra Como Pensamos, ainda na década de 1930, fundamentando o ato de pensar e atribuindo ao professor, à escola e à tarefa educativa o papel de estímulo ao pensamento, para instigar a curiosidade ingênua, base primeira para a investigação intelectual.

Segundo Dewey, assim como não é possível alguém dizer como seu sangue deve circular ou sua respiração deve se realizar, também o ato de pensar não pode ser explicitado de maneira exata. Porém, alguns aspectos gerais do pensar podem ser descritos, ou seja, podem ser indicadas as diversas formas pelas quais se pensa. Assim, Dewey define: “a melhor maneira de pensar a ser considerada nesta obra é chamada pensamento reflexivo: a espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva” (1959, p. 13).

Além do pensamento reflexivo, existem outros processos também nomeados pensamento, como consciência, crença, sonho, fantasia, devaneio, vigília, estados que podem estar relacionados a formas desordenadas e desregradas de produzir ideias. No entanto, embora não existam fronteiras claras entre as diversas formas de pensar, o que interessa a Dewey não é o pensar como uma mera sequência desordenada, mas o pensamento que demonstre sucessão, coerência, ordenamento, encadeamento de ideias que se originam uma da outra naturalmente, como no pensamento reflexivo: “a reflexão não é simplesmente uma sequência, mas uma consequência” (1959, p. 14).

Neste sentido, ocorre aqui já uma restrição à atividade de pensar: ela não se aplica ao que percebemos pelos sentidos, mas a coisas não vistas ou experimentadas por eles. As histórias contadas por crianças, por exemplo, são imaginárias e podem ser conexas ou desconexas. Dewey afirma que, quando são articuladas, são semelhantes ao pensamento reflexivo e constituem o primeiro passo para o pensamento coerente, encadeado. Para ele, “um pensamento ou ideia é a representação mental de algo não realmente presente; e pensar consiste na sucessão de tais representações” (Dewey, 1959, p. 15).

Diferenciando, pois, de outras operações também nomeadas de pensamento o pensamento reflexivo engloba duas fases: um estado de dúvida ou perplexidade, que origina o pensar; e um ato de pesquisa, busca, investigação que encaminha uma solução à dúvida posta.

Assim, o ato de pensar deve ser guiado por um objetivo, uma busca por solução: “a necessidade de esclarecer uma perplexidade controla também a espécie de investigação a proceder. (...) A natureza do problema a resolver determina o objetivo do pensamento, e esse objetivo orienta o processo do ato de pensar” (Dewey, 1959, p. 24). O pensamento precisa ser provocado, mas, mais do que isto, é preciso estar disposto a dar sequência à investigação, à pesquisa intelectual. Aqui surge o conceito do “pensar bem” em Dewey, que fará o pensamento reflexivo diferente do pensamento não orientado, desordenado ou mal orientado:

Para pensar verdadeiramente bem, cumpre-nos estar dispostos a manter e prolongar este estado de dúvida, que é o estímulo para uma investigação perfeita, na qual nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se afirme positivamente, sem que lhes tenham descoberto as razões justificativas.
(Dewey, 1959, p. 25)

O conceito de “pensar bem” ou de “pensamento eficiente” aparece em outros autores, como Matthew Lipman – autor da proposta de Filosofia para Crianças, no final da década de 1960 –; e com significado aproximado, como em Paulo Freire, como “pensar certo”. Assim como Freire, Dewey também acredita que o ato de pensar reflexivo emancipa, tornando as pessoas capazes de planejar as ações, prever as atividades, evitando, assim, a atitude impulsiva e obtendo domínio sobre situações distantes. O pensar reflexivo transforma ação impulsiva em ação inteligente.

Movido pela busca dos “saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou progressista” como conteúdo básico na formação docente, Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da Autonomia, apresenta de forma bem recorrente o conceito de “pensar certo”. Tendo certeza de que o ato de ensinar não existe sem o de aprender, Freire fala do papel do educador dando ênfase à tarefa de “não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo” (1996, p. 27).

Freire delineia as características e os saberes docentes que ele acredita serem importantes, a partir da concepção de que, sem o “pensar certo”, é inviável ser um professor crítico ou um verdadeiro professor, pois aquele que se restringe ao reproduzir mecanicamente ideias que passou horas a ler – o que ele chama de intelectual memorizador ou domesticado – pensa errado, pensa mecanicisticamente, pois não consegue relacionar o que leu com a realidade ao seu redor. Segundo ele, somente quem pensa certo pode ensinar a pensar certo.

Do exposto, podemos estabelecer um paralelo entre alguns traços mencionados por Freire e Dewey acerca do “pensar certo” e do “pensar reflexivo”, respectivamente. Freire afirma que, para pensar certo, é preciso que se esteja não muito “certo das certezas”; é preciso estar aberto ao conhecimento que se instaura como novo e não dar crédito demasiado ao saber que se “fez velho” (Freire, 1996, p. 28). Dewey fala da necessidade de evitar os preconceitos, a arrogância do saber tido como certo, de que é preciso ter o “espírito aberto”:

esta atitude pode ser definida como independência de preconceitos, de partidarismo e de outros hábitos como o de cerrar a mente e indispô-la à consideração de novos problemas e novas ideias. (...) A indolência mental concorre grandemente para que se entaipe o espírito contra ideias novas. (...) E bem penosa labuta é a de alterar velhas crenças. (...) Medos inconscientes também nos arrastam a atitudes puramente defensivas, que funcionam como cota de armas, não apenas para barrar novas concepções, mas para impedir a nós próprios o acesso a nova observação. O efeito cumulativo dessas forças é o de enclausurar o espírito e promover o afastamento de novos contatos intelectuais necessários à aprendizagem .
(Dewey, 1959, p. 39)

A maneira de combater essas atitudes defensivas, inibidoras do acesso a novas ideias, é cultivando o que Dewey chama de “curiosidade vigilante” – uma procura espontânea pelo novo, essência do espírito aberto. E é especialmente na infância que ela está presente: “para as crianças, o mundo inteiro é novo”. A curiosidade é, para Dewey, um dos fatores essenciais para a ampliação da experiência e aquisição dos elementos que formarão o ato de pensar reflexivo. Dewey classifica a curiosidade em três etapas: curiosidade orgânica, quando a criança conhece o mundo pela experiência dos sentidos; curiosidade social, quando o “por quê?” é característico de seu estar no mundo; e a curiosidade intelectual, quando o “por quê?” passa a ser interesse de descoberta. O papel do professor consiste em fazer as curiosidades orgânica e social tornarem-se intelectual: “a curiosidade assume um caráter definitivamente intelectual quando, e somente quando, um alvo distante controla uma sequência de investigações e observações, ligando-as umas às outras como meios para um fim” (Dewey, 1959, p. 47).

Pois é justamente a curiosidade a base de diferenciação dos dois momentos do processo de conhecimento ou do que Freire denominou “ciclo gnosiológico”. Freire afirma que “ensinar, aprender e pesquisar lidam com estes dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente” (Freire, 1996, p. 28). E a pesquisa – método científico necessário para o processo de conhecimento, em Dewey – torna-se, assim, fundamental para a prática desse ciclo, pois não existe, para ele, ensino sem pesquisa e vice-versa. Ensinar demanda a busca, a investigação. Ensinamos porque buscamos e indagamos; por outro lado, pesquisamos para constatar e para conhecer o que ainda não conhecemos. E Freire se aproxima dessa afirmação quando escreve:

Desta forma, pensar certo acaba sendo uma exigência do ciclo gnosiológico, no qual a curiosidade passa de um momento ingênuo para uma etapa epistemológica. A curiosidade ingênua, característica de um senso comum, produz um certo saber, não rigoroso, mas necessário como forma primeira ao desenvolvimento do processo do conhecimento: “pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando”.
(Freire, 1996, p. 29)

Segundo Freire, é dever do professor e da escola respeitar os saberes prévios do aluno, os saberes tanto histórico-culturais quanto os construídos socialmente, comunitariamente. E, destes saberes do senso comum, ingênuos, saber torná-los críticos. Pois é a mesma curiosidade ingênua que, ao tornar-se crítica, passa a ser curiosidade epistemológica, metodicamente rigorosa no processo de conhecimento. Relembrando a origem do filosofar, Freire diz que a filosofia começa com o espanto e a curiosidade frente ao mundo. O conhecimento começa com a curiosidade que já é pergunta. Assim, o professor, no ensino, deve antes de tudo “ensinar a perguntar” (Freire, 1985, p. 46).

Em Dewey, encontramos também a afirmação de que o professor deve conhecer “as experiências passadas dos estudantes, suas esperanças, desejos, principais interesses... Para que possa orientá-los no sentido de desenvolver ‘hábitos de reflexão’ ou ‘bons hábitos de pensamento’, pois para ele não é possível ensinar a pensar, mas a adquirir o hábito de refletir, necessário para a liberdade.

Os fatores humanos e sociais são, assim, os que passam e podem ser passados mais prontamente, de experiência a experiência. Fornecem o material mais adequado ao desenvolvimento das capacidades generalizadas do pensamento.
(Dewey, 1959, p. 75)

Desta forma, o ato de pensar reflexivo deve ser um objetivo educacional, pois constitui, para Dewey, a emancipação do homem, possibilitando sua ação consciente; a previsão de situações; inventar e aperfeiçoar coisas sistematicamente; e permite enriquecer o sentido de tudo no mundo, ou seja, o torna verdadeiramente humano. Quando há ruptura com as experiências de vida do aluno, a escola torna-se inútil para o desenvolvimento de atitudes reflexivas, pois abandona os valores e qualidades sociais já adquiridos pelo indivíduo. Da mesma maneira, Freire só vê sentido no ensino que se vincula a uma práxis social e se insere na realidade do educando, apontando, inclusive, caminhos para mudanças, pelo “pensar certo”.

Dewey e Freire acreditam que é preciso que o professor abandone a concepção de que pensar é algo estanque, imutável. É preciso que o docente reconheça que pensar é a forma pela qual todas as coisas adquirem significado para os indivíduos e que estes também diferem entre si. Enfim, pensar, para ambos, é um ato que ilumina a diversidade das coisas, tendo o poder de coordenar, unir, ordenar ideias despertas pelas coisas do mundo.

Referências bibliográficas

DEWEY, John. Como Pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

DEWEY, John. Democracia e Educação. Introdução à Filosofia da Educação. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.

GADOTTI, Moacir (org.) Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez; IPF; Unesco, 1996.

NEUTZLING, Cláudio. Tolerância e democracia: estudo da tolerância na filosofia política de John Dewey e suas razões lógico-éticas. Roma: Pontifícia Universitas Gregoriana, Facultas Philosophiae, 1984.

ROSA, Maria da Glória. A história da educação através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1982.

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.

Publicado em 21 de julho de 2009.

Publicado em 21 de julho de 2009

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