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O encanto do universo

Cláudia Sampaio

Olha pro céu, meu amor. Vê como ele está lindo...
Luiz Gonzaga

Outro dia, entusiasmada com as novidades que conheci a partir da conversa com o astrônomo Emmanuel Galliano, eu me pus a falar a um amigo sobre Andrômeda (nossa galáxia vizinha); contei o que tinha aprendido sobre o nascimento de uma estrela, e como algo em mim estava diferente desde que comecei a prestar atenção aos movimentos do universo. Sorriso irônico, ele me perguntou o que eu tinha tomado para estar naquela viagem, certo de que o papo era cria de algum entorpecente. “Nada além de café com leite”, sorri de volta, sentindo que a amplitude e o movimento do lugar que habitamos é, sem dúvida, embriagante. Uma proposta e tanto para tirarmos os olhos do nosso próprio umbigo e voltá-los para o céu. Este céu que, assim como a morte e o amor, é o que temos em comum.

Emmanuel Galliano chegou ao Rio de Janeiro há pouco mais de um ano. Trabalha atualmente como pesquisador do Observatório Nacional, em São Cristóvão, com uma bolsa de pós-doutorado, no Programa de Capacitação Institucional (PCI) do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. Ele é francês e, como grande parte dos astrônomos, fascinado por Santa Teresa. Nossa conversa aconteceu em um dos recantos do bairro, o Largo das Neves. De início, a justificativa para a entrevista eram os acontecimentos de 2009 – o Ano Internacional da Astronomia – quando, pela primeira vez, o Brasil será sede de uma assembleia geral da International Astronomic Union (IAU), que acontecerá em agosto, no Rio de Janeiro, reunindo importantes nomes da Astronomia mundial, e por ser o ano em que lembramos os 40 anos da viagem do homem à Lua.

Justificativas à parte, o mais interessante foi constatar o quanto a curiosidade em relação a este assunto contribui para o desenvolvimento da nossa percepção da vida e das relações com o outro e de como isso pode ser decisivo para o aprendizado em diversas áreas do conhecimento.

Com vocês, Emmanuel Galliano.

Educação Pública - O que significa, para o Brasil, sediar esse encontro da IAU?

Emmanuel Galliano - É um encontro entre astrônomos e astrofísicos que acontece a cada dois anos em um lugar do mundo. Serão cerca de dois mil pesquisadores, umas 30 conferências. É um evento grandioso. O Brasil não está entre os grandes países da Astronomia; por isso, foram muitas as dificuldades que tiveram que ser ultrapassadas para que o evento se realizasse aqui. É um projeto que existe há bastante tempo, resultado do trabalho de muitas pessoas. E uma das que lutou desde o início para que isto se realizasse aqui foi Francisco Xavier de Araújo, pesquisador titular do Observatório Nacional, responsável pela pós-graduação, que infelizmente faleceu há menos de um mês. Ele estava trabalhando nisso há anos. Era um cara muito legal, foi um dos que me incentivaram a vir para o Brasil. Acho que a conferência vai ser um pouco estranha sem ele; foi uma perda muito grande.

Educação Pública - O que levou você a querer ser astrônomo?

Emmanuel Galliano - Na escola, eu gostava de Física. Tinha 12 anos quando ganhei de presente da minha avó um livro de Astronomia. Comecei a me interessar e, aos 15, 16 anos – quando as pessoas te perguntam o que você quer ser –, eu respondia com o que me parecia ser o mais estranho que eu conhecia: astrônomo. Depois comprei um telescópio pequeno. Eu morava num lugar onde dá para ver o céu e costumava sair à noite para olhá-lo. Ao mesmo tempo, era interessante, porque eu gostava de estudar Física, então isso juntou as duas coisas. E na França havia bastante incentivo nessa época, porque tinha um cara de barba longa, parecia um deus, o Hubert Reeves, que era muito popular. É um pesquisador, mas também uma figura midiática. Ele falava do Big Bang... Eu ficava fascinado. Sempre me interessei pela ciência, apesar de todo mundo falar que era impossível, que tinha que ser um gênio... até os professores. Fui desmotivado por todos. Resolvi continuar mesmo assim e vi que, na verdade, era super possível. Todos os meus colegas que queriam seguir na ciência e que não se deixaram desmotivar pelos professores também conseguiram.

Educação Pública - Como foi sua formação profissional?

Emmanuel Galliano - Na França não tem faculdade de Astronomia, como no Brasil. Lá você tem que fazer Física. No início, temos aulas de Matemática, Física, Química; depois, Física e Matemática, depois só Física e, no último ano, Astronomia. Hoje a Astronomia é, na verdade, Astrofísica, uma disciplina da Física. Não sei exatamente como é a formação aqui no Brasil, na Faculdade de Astronomia na UFRJ, mas certamente tem muita Física.

Educação Pública - Prestar atenção ao céu pode mudar nossa percepção da vida?

Emmanuel Galliano - Na cidade ninguém olha muito o céu. Antes, o céu era muito presente na vida das pessoas. A Astronomia vem da Astrologia, tudo isso é muito antigo; as estrelas, o movimento do céu. E hoje é muito pouco presente por causa das luzes da cidade, do modo de viver. É a metade do horizonte das pessoas, do horizonte visual, que desapareceu. A gente vê a Terra; a segunda metade a gente não vê mais, é chato. Isso é ainda mais incrível hoje, porque a gente sabe o que tem no céu. Na nossa sociedade, não sei por que, falta essa curiosidade. Acho estranha a falta de curiosidade das pessoas para uma coisa que, para mim, deveria ser super instintiva, como a religião. O céu deveria ser presente nas vidas das pessoas, deveria num sentido natural. E acaba não sendo porque a gente está se fechando numa bola de luz, de contaminação, e numa bola mental.

Educação Pública - Mas essa curiosidade não pode ser estimulada?

Emmanuel Galliano - Conversar um pouco sobre Astronomia abre muito a curiosidade das pessoas. É um negócio que é enorme, muito presente; não é algo que as pessoas só falam, como o átomo. É uma coisa que todo mundo tem em comum, é essa sensação metafísica de ficar se perguntando onde estamos e lembrando que todo mundo está na mesma situação. Para mim é muito importante, é um vínculo entre os humanos, um vínculo muito óbvio para todo mundo e exatamente o mesmo para todo mundo. É como numa cidade grande, quando tem um terremoto. Nessas ocasiões, as pessoas percebem que estão no mesmo momento. A única vez em que todo mundo está ligado por uma coisa. E o céu é um negócio que, para mim, cria um vínculo entre as pessoas. Mas não cria mais, porque as pessoas não estão olhando. Eu sou astrônomo, tenho muitos amigos, mas quase ninguém me faz pergunta sobre Astronomia. O que acho que pode estimular as pessoas é elas não terem vergonha de se interessar por coisas científicas. Porque a ciência tem esse negócio de que é muito chata, intimida, porque na escola tem essa coisa das equações e tudo. Mas eu posso te explicar sobre uma galáxia em dez palavras, e vai ser mais ou menos 99% do que a gente sabe, o 1% que falta são os detalhes. Mas o que a gente descobriu nos últimos duzentos anos é super explicável para qualquer pessoa, não precisa ter nenhuma noção científica, nada. Só um pouco de bom senso.

Educação Pública - Então fala de uma estrela. O que é uma estrela?

Emmanuel Galliano - A estrela é como um sol. O sol é uma estrela como as que estão aí. É só uma bola de gás. A ideia é essa: tem uma nuvem de gás que está no espaço, no vazio. Um gás super simples, hidrogênio... um gás básico. De repente... Um negócio físico que você tem que saber, mas que todo mundo sabe porque vive isso todo dia, é a gravidade, que faz com que você fique na Terra. Então, cada parte do gás está dando uma atração gravitacional com a outra parte. São átomos de hidrogênio que por um momento vão se contraindo; como o gás se contrai, a temperatura dele vai aumentando. É como quando você está enchendo um pneu: a pressão aumenta e, se você toca, está quente. Tem um momento em que a temperatura aumenta tanto que os átomos começam a fazer muitas colisões, separa tudo e só ficam os prótons sozinhos e os elétrons sozinhos, formando um gás. Com a temperatura muito alta, os prótons ficam pequenos magnetos positivos; são como dois magnetos do mesmo signo. Se você bota dois magnetos, um perto do outro, eles se repelem. Então os prótons vão se repelindo. Mas um momento a temperatura reflete a velocidade dos prótons, então cada vez eles têm mais força para se aproximar mais. Tem um momento em que eles se aproximam tanto – por uma força da natureza chamada força nuclear, que é muito maior do que a força magnética – que faz com que eles se repilam. Nesse momento, eles se pegam um com outro e liberam uma energia muito grande na escala de cada átomo; é a energia nuclear. Essa energia vai contra a contração gravitacional que tinha o gás e aí, incrivelmente, fica um equilíbrio entre a gravitação que quer que a estrela colapse e essa força nuclear que dá uma energia para fora, e isso faz aumentar o tamanho, expandir. Fica um equilíbrio perfeito que, para o sol, por exemplo, dura dez bilhões de anos. E as estrelas funcionam assim: chega um momento em que todos os prótons se encontram e se transformam em hélio, um momento em que todos os prótons se unem na região em que a temperatura é suficiente para fazer essa reação energética, e um momento em que já não dá mais para sustentar o colapso da pressão gravitacional; e aí é a morte da estrela. O tempo que ela irá durar varia de estrela para estrela. O sol dura oito, dez bilhões de anos, e agora está na metade da vida. O bonito é que tem um equilíbrio incrível entre a gravidade e essa força, numa energia super contínua. O sol, daqui a dois bilhões de anos, será igual, terá a mesma luz. O que a gente sabe das estrelas é isso, o resto são detalhes.

Educação Pública - E Andrômeda?

Emmanuel Galliano - Todas as estrelas que a gente vê daqui da Terra, quando a gente olha só com os olhos, são estrelas da nossa galáxia. E, em particular, toda essa parte branca que cruza o céu, a Via Láctea. A gente está no meio; se olharmos perpendicularmente vemos só estrelas. Quando a gente está olhando na profundidade, a gente vê estrelas, mas tão longe que tudo se mistura e faz esse negócio branco que a gente está vendo. Essa faixa branca que cruza o céu são estrelas que estão tão longe que a gente não consegue vê-las em separado, isto na nossa galáxia. Nossa galáxia tem muitas estrelas, a cifra é de 100 bilhões, mais ou menos. As galáxias são universos bem separados no espaço. Uma galáxia tem forma muito característica. A nossa a gente não pode ver, porque estamos dentro, mas com o trabalho dos pesquisadores conseguimos saber como era a nossa galáxia, e Andrômeda é mais ou menos parecida. É bonita, deve ter braços espirais... Se a gente pudesse ficar fora, veria a nossa galáxia. Algum dia a gente vai ficar fora dela, porque a gente está no meio do plano da galáxia. O Sol está dando voltas, mas também está fazendo movimentos perpendiculares. Agora a gente está no meio, mas em algum tempo, não sei quanto tempo vai ser, a gente vai poder ver a galáxia de cima. Mas isso daqui a muito tempo! A nossa vizinha, Andrômeda, é uma galáxia-irmã, muito parecida com a nossa. E é conhecida há muito tempo. É a única galáxia grande que a gente consegue ver a olho nu, sem telescópios. É emocionante, para quem se emociona com esse tipo de coisa, porque ela está a dois milhões de anos-luz. A luz demorou dois milhões de anos para chegar aqui. Então você está olhando e o que está recebendo... É um negócio que saiu de lá em outra época. Ao olhar Andrômeda, você está se conectando com outra época a partir de seus olhos, materialmente, não é conceitualmente. Você está bebendo a luz que chega de lá e que demorou todo esse tempo, uma viagem que durou dois milhões de anos. É muito bonito.

Educação Pública - É difícil essa consciência do tempo como luz.

Emmanuel Galliano - Não, a consciência do tempo como luz não é difícil, é como qualquer coisa que tem uma velocidade, demora um tempo para chegar. Por exemplo, alguém que mora em São Paulo; tem uma mensagem para chegar, um cartão, tem um tempo para chegar. Se a gente estivesse com um telescópio para ver alguém fazendo um sinal em Andrômeda, demoraria dois milhos de anos para saber. Se a gente quisesse se comunicar, por exemplo, por rádio, demoraria dois milhões de anos. Isso é legal, mas é muito triste porque é como um isolamento temporal. Não é só porque está longe que (se lá tem pessoas) a gente não pode se comunicar. Se eles falassem com a gente, demoraria dois milhões de anos para chegar a mensagem... então, acho que a gente tem que aceitar o nosso destino.

Educação Pública - E o imediatismo em que vivemos?

Emmanuel Galliano - É uma ilusão, e isto é uma das coisas que a gente pode aprender hoje. Nos últimos 20 anos mudamos muito nossa temporalidade; a tecnologia, a internet, a maneira de aprender... Não sei aqui no Brasil, mas na Europa as pessoas tinham muito mais consciência histórica, dos séculos; na França, os reis, o império romano, os gregos... Tínhamos uma consciência temporal e histórica. Tenho a impressão de que hoje as pessoas estão perdendo muito disso. Não sabem muito de onde vêm, porque estão... Tipo O senhor dos anéis. Só inventaram isso porque a gente não tem a nossa própria mitologia. E a Astronomia dá uma sensação histórica muito forte do começo do Universo e das diferentes temporalidades que existem na História. As pessoas deveriam pensar em alguns momentos: “há quanto tempo o homem está escrevendo?”; “há quanto tempo existe a religião?”; “há quanto tempo os animais estão aqui?” – isto é nada na nossa escala. Toda criança deveria ver a distância que há entre o muito pequeno e o muito grande. Tem um filme muito legal, As potências de dez, que começa do super pequeno, ou do super grande, não lembro, e vai cada vez baixando dez vezes menos. O engraçado disso é que os humanos estão na metade. Dez vezes menor, você vai vendo coisas diferentes, as moléculas, os micróbios. Porque na verdade o mundo pequeno está tão longe da gente como as galáxias, tão inacessível um quanto o outro. É legal porque o negócio da distância entre nós e alguma coisa não é só a distância que é grande, é a distância que é diferente. Como astrônomo, a gente se acostuma muito a pensar com cifras que são impensáveis, totalmente fora da nossa experiência, potência 40, ou distâncias que não têm nenhum sentido para ninguém. Não tem jeito de eu viajar para a galáxia que estou estudando. E a gente se acostuma a ver essa distância como uma distância de ordem de magnitude. Todas essas coisas são muito boas para um adolescente conhecer, para levá-lo ao amadurecimento, ter essa consciência, porque tudo isso é parte da formação do sujeito, de nossa conscientização do mundo. Com todas as coisas super interessantes que o humano fez, a gente é mais consciente agora. Apesar de sermos exatamente os mesmos humanos, estamos mais conscientes do que cem mil anos atrás em muitas coisas. É como um amadurecimento. E uma das coisas que a ajudou a humanidade a amadurecer foi a Astronomia; ajudou politicamente a não ser tão vítima das pessoas que falam que são o centro do mundo, qualquer deus faz não sei o quê. Se você já sabe algumas coisas, se já se conscientizou, não aceita facilmente os dogmas. A Astronomia é muito importante para isso, para não deixar acreditar nas pessoas que querem reduzir o mundo; ela é para ampliar o mundo. Uma abertura muito grande. A maior parte da Astronomia na História foi Copérnico, a revolução que mostrou que a gente não é o centro do mundo. Com isso, para mim, a Astronomia já fez o seu trabalho. Depois, foram outras descobertas revolucionárias, mas a revolução enorme, no nível mental, como se a humanidade fosse um homem que está crescendo, primeiro você está falando de dentro da barriga, depois na adolescência, esse momento, a puberdade, o momento em que o menino deixa de ser tão egocêntrico, é tão importante, foi Copérnico. Mas também tem outras coisas tão importantes, sociais e tudo, que é difícil falar para as pessoas que isso pode trazer muitas consequências políticas. Para mim, a Astronomia trouxe importantes consequências políticas na História. O poder da religião diminuiu muito graças à Astronomia, foi um dos motores.

Educação Pública - Você relacionou Astronomia a abertura, amplitude...

Emmanuel Galliano - A gente vê o céu como uma superfície, um negócio bidimensional, como uma esfera em cima da gente, onde estão as estrelas, como se estivessem na mesma distância. É preciso se concentrar para olhar o céu por outra perspectiva. Ficar bastante tempo olhando, de repente deixar de ter essa percepção, tentar lutar contra essa impressão. Quando você chega a isso é muito legal, é uma viagem boa. É muito engraçado, psicodélico. Tem pessoas que têm medo, dá medo. Não precisa ir para um grand canyon, é só levantar o olho todo dia e você tem esse negócio potente. Eu sinto assim, essa vertigem. Mas acho que as pessoas estão perdendo esse sentido, por causa da cidade, da luz, do modo de vida.

Educação Pública - E o que você diria para os jovens brasileiros que já têm essa curiosidade e que gostariam de seguir nessa área?

Emmanuel Galliano - Não sei aqui no Brasil, mas na França a Astronomia tem uma reputação, como se o astrônomo fosse um gênio, caras super teóricos que fazem equações. Na verdade, isso era assim há 40, 50 anos. Na escola, tinha que ser bom para caramba. Eu nunca poderia ter sido astrônomo nessa época, mas agora a tecnologia fez com que haja muitos telescópios, muitos dados... E agente não precisa ser um supergênio. É legal ter um supergênio também, mas necessita de gente normal. Então, se alguém pode ser engenheiro pode ser astrônomo também; não tem esse negócio de ficar “Ah! Astrônomo!” Hoje isto é um mito falso. E me falavam isso, meus professores pensavam assim. Não é verdade, eu conheço astrônomos que são pessoas normais, tem alguns super inteligentes, mas não é a regra.

Educação Pública - E o Brasil?

Emmanuel Galliano - Está participando num telescópio americano que se chama Gemini, então a gente pode observar uma parte do tempo. São dois telescópios bem grandes, um no Chile e um no Havaí; o Brasil está se desenvolvendo bastante.

Educação Pública - 40 anos da chegada do homem à Lua. Há o que se comemorar?

Emmanuel Galliano - Esse negócio de conquista, conquistador... A América! Para mim, isso não ajudou as pessoas a amadurecer. Isso fala Al Gore, no documentário Uma verdade inconveniente (An Inconvenient Truth): o mais importante não foi a ida do homem à Lua, mas sim a primeira vez em que vimos uma foto da Terra. Foi então que tivemos a consciência de que moramos num lugar finito. Por isso a gente poderia comemorar: a primeira imagem da Terra vista de fora, como um negócio fraco, frágil. Sobretudo numa época em que não havia essa preocupação ambiental que há hoje. Mas chegar à Lua, plantar uma bandeira... Não vejo por que comemorar. Ter a consciência de onde a gente está no universo, para mim, não é orgulho humano; ao contrário, é humildade humana. A gente tem sempre a impressão de que já chegou ao momento em que sabe tudo. Mas não. Agora teve uma revolução muito grande, a partir de 1995, foi quando a gente começou a ver planetas ao redor de outras estrelas. Antes a gente não podia ver, e agora começou a ver e a ter provas científicas. E é verdade. Tão verdade quanto a árvore que vemos nesta praça. A verdade a partir do momento que você aceita o mundo como você vê com seus sentidos, ou sentidos melhorados. É tola a afirmação de que um átomo não existe. É o mesmo que perguntar se essa árvore não existe. Eu estou vendo com o meu olho ou com um aparelho mais sofisticado.

Educação Pública - Há vida fora da Terra?

Emmanuel Galliano - Agora está começando a se abrir o mundo de outros mundos iguais ao nosso, é muito interessante. Na verdade, tudo que a gente quer saber é se existe vida fora da Terra. Estamos sozinhos? Essa é a pergunta da Astronomia, que a gente não fica falando, mas está na fantasia de todo mundo. A minha opinião é de que está cheio de pessoas além de nós no universo. Todos os estudos mostram isso. Há uma hipótese de que é a mesma coisa em todo lugar, de que a partir de certa escala todas as galáxias são as mesmas, todas as estrelas têm a mesma quantidade de oxigênio, de carbono. Agora a gente está vendo que há planetas em volta das estrelas. Então esse negócio de não ter vida fora da Terra é como querer jogar jogo do bicho uma vez e ganhar; não vai acontecer. Para mim é óbvio. O problema é que a gente não se encontra nem no espaço, nem no tempo, isto é triste. Eu acho que a gente não se encontra, mas, quem sabe? Somos tão presunçosos, às vezes. A gente não sabe a que ponto de desenvolvimento possível estamos. Uma prova disto foi na década de 1880, quando aconteceu uma coisa muito importante na história da Física: as equações de Maxwell. Foi um físico inglês que não sei por que não ficou tão famoso quanto Einstein; ele fez uma teoria com quatro equações super simplificadas de toda a teoria da eletricidade do magnetismo da luz, tudo junto. Nesse momento os cientistas acharam que já tinham descoberto tudo, no mais eram detalhes. Vinte e cinco anos depois, descobriu-se a Física Quântica, a relatividade de Einstein, a gravidade; foi uma revolução total da maneira de ver, e antes os caras falavam que já tinha acabado tudo. Antes de 1920, a gente não tinha ideia do tamanho do universo, a gente achava que a nossa galáxia era o universo inteiro. Teve uma discussão famosa entre dois astrônomos dessa época, Harlow Shapley e Heber Curtis, porque eles estavam vendo Andrômeda. A pergunta era: qual é a distância de Andrômeda? Eles viam, mas sem saber muito o que era. Tinha quem falasse que ela estava dentro da nossa galáxia e outros que falavam, “não, é outra galáxia” e aí abria o mundo. Depois Curtis chegou e mostrou, ele conseguiu medir de um jeito bem certinho a distância dessa galáxia, observando algumas estrelas que a gente conhecia na nossa galáxia, que são mais ou menos brilhantes por um período temporal super definido. E o período temporal depende diretamente da luminosidade. Então, se você mede um tempo, você consegue medir a luz real da estrela, e aí você compara com a luz que você vê, e consegue determinar a distância. Ele conseguiu, e se abriu o universo, a gente entendeu que tudo o que estávamos vendo era super longe. Portanto, é há menos de cem anos que temos essa noção do tamanho do universo. É muito pouco. É interessante as pessoas saberem um pouco disso, foi um dos maiores progressos da humanidade. Tem muitas coisas legais para saber. É como olhar o mar, as montanhas, ter curiosidade para o que está no nosso entorno. Às vezes a gente se esquece de olhar para esse entorno. Os astrônomos se perguntam: “Ah, esse negócio de saber que você é tão pequeno não faz com que a vida perca o sentido?”. Claro que não. Não muda nada. É como se você não conhecesse as Cataratas do Iguaçu; sua vida não seria diferente, mas a vida é mais legal sabendo dessas coisas. Sem conhecer a literatura, a arte, vive-se; depois de conhecer, muda a vida, mas continua igual também. A Astronomia é tão antiga quanto a cultura, quanto a religião, é mais antiga do que a Física, apesar de ser Física hoje. E, estranhamente, a Astronomia não faz parte da cultura, porque tem essa cara de ser muito complicada, muito chata, coisa de nerd. A gente se protege de um negócio que parece muito agressivo, a ciência, mas foram os cientistas que provocaram isso. Para manter sua superioridade, querem explicar coisas simples de um jeito complicado, para os outros acharem que eles são mais inteligentes. Isso causa um trauma, mas a maioria das coisas dá para explicar facilmente, não dá para ter medo. A ciência é um negócio de bom senso, e todo mundo poderia ter um acesso muito maior.

Boa viagem!

Aqui, cada fonte da imagem é uma galáxia. E as mais vermelhas estão bem próximas do horizonte do universo. É a imagem mais profunda que temos. Precisa de um tempinho de meditação para acreditar, mas é assim, onde a gente mora se encontra e se desencontra.”

Simulações celestes

Bônus

Publicado em 4 de agosto de 2009

Publicado em 04 de agosto de 2009

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