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Sustentabilidade ambiental e serviços ambientais

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo, mestrando do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, UFOP.

O termo desenvolvimento sustentável foi apresentado em 1987 pelo relatório “Brundland” ou “Nosso futuro comum” que enunciou a definição básica de desenvolvimento sustentável: assegurar uma gestão responsável dos recursos do planeta de forma a preservar os interesses das gerações futuras e ao mesmo tempo atender as necessidades das gerações atuais (CMMD, 1991 apud NUNES, 2005). O desenvolvimento sustentável procura integrar e harmonizar as ideias e conceitos relacionados ao crescimento econômico, a justiça e ao bem estar social, a conservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais (IBGE, 2004).

A sustentabilidade ambiental, conceito associado ao desenvolvimento sustentável, envolve a utilização racional dos recursos naturais, sob a perspectiva do longo prazo. Esta utilização sustentável dos recursos naturais é aquela capaz de permitir a reposição dos recursos renováveis e a utilização de forma parcimoniosa e eficiente dos não renováveis. A sustentabilidade ambiental é caracterizada pela manutenção da capacidade do ambiente de prover os serviços ambientais e os recursos necessários ao desenvolvimento das sociedades humanas de forma permanente (IBGE, 2004).

Serviços ambientais são funções ecológicas e processos que asseguram o equilíbrio dos ecossistemas e possibilitam a sobrevivência e o bem-estar de todas as espécies no planeta. São serviços ambientais os bens produzidos e proporcionados pelos ecossistemas, incluindo alimentos, água, combustíveis, recursos naturais, recursos genéticos, entre outros. São também os serviços resultantes da regulação dos processos naturais, como a qualidade do ar, regulação do clima, regulação e purificação da água, controle de erosão, controle biológico e mitigação de riscos. Além desses, os serviços necessários para gerar todos os outros serviços ambientais, incluindo a formação e retenção dos solos, a produção de oxigênio, polinização, formação de habitats, a decomposição e reciclagem de nutrientes. A existência desses serviços depende, diretamente, de conservação e preservação ambiental, bem como de práticas que minimizem os impactos das ações humanas sobre o ambiente (ISA, 2009).

As compensações por serviços ambientais e a proteção às florestas

Os serviços ambientais ou ecossistêmicos não são completamente englobados pelo mercado comercial ou adequadamente quantificado em termos comparáveis com os serviços econômicos e capital manufaturado, eles frequentemente têm um pequeno peso nas decisões políticas. Esta negligência pode no fim das contas comprometer a sustentabilidade da humanidade na biosfera (COSTANZA et al., 1997). É importante notar que serviços e funções ecossistêmicos não necessariamente mostram uma correspondência um para um. Em alguns casos, um serviço ecossistêmico é produto de duas ou mais funções dos ecossistemas que contribuem para dois ou mais serviços ecossistêmicos. Este fato demonstra a interdependência entre muitas funções dos ecossistemas (COSTANZA et al., 1997).

Um exemplo desta integração entre funções e serviços ecossistêmicos é a preservação das florestas. Ao manter as árvores em pé, toda uma dinâmica ambiental será mantida; por exemplo, produção de água, proteção dos solos e manutenção da biodiversidade.

O valor de uma floresta é comumente medido somente pela madeira e combustível fornecido por suas árvores. No entanto, isso representa menos de um terço do valor econômico total, sendo que o valor total inclui serviços como o controle do clima pela absorção (sequestro) de dióxido de carbono, a proteção dos recursos de água doce (bacias hidrográficas) e o lazer. Como muitos destes serviços não podem ser comprados e vendidos, eles são comumente perdidos ou degradados, apesar de seu alto valor para a sociedade humana. A proteção de nossas florestas não se justifica somente pela riqueza de sua biodiversidade, mas também pelo papel fundamental que representam na regulação climática do planeta. As florestas são fundamentais para a proteção dos mananciais que garantem o abastecimento de água às cidades.

Nos casos em que a natureza precisa da “ajuda” dos seres humanos para produzir as coisas das quais necessitamos ou que desejamos, pode ocorrer que os benefícios de tal “ajuda” estejam sendo usufruídos por apenas uma parcela da sociedade que não foi a geradora da “ajuda”. Um exemplo disso é o esforço de um produtor para recuperar uma área degradada, atitude que permite, entre outros benefícios, a melhora do ciclo da águas, ou até da paisagem, da fauna ou sobre o sistema microclimático para toda a região.

Portanto, as pessoas que vivem ao redor dessa área estão se beneficiando dessa iniciativa isolada, apesar de não terem oferecido qualquer contrapartida ao produtor. Esse é, por vezes, o caso de pessoas que praticam a recomposição de matas ciliares com espécies nativas (BORN & TALOCCHI, 2002). Assim, os instrumentos de compensação ou prêmios pelos serviços ambientais têm como principal objetivo transferir recursos ou benefícios da parte que “ajuda” a natureza a produzir ou manter os seres vivos e as condições que garantem os processos ecológicos de que necessitamos (BORN & TALOCCHI, 2002).

Segundo Jenkins (2008), ambientalista e presidente da Organização Não-Governamental (ONG) Forest Trends, agora é que se percebeu que o apelo tem de ser mais pragmático. É necessário pagar para poder conservar. Ele afirma que é possível lucrar com a conservação do meio ambiente natural. Acrescenta ainda que a crise climática e a emissão de carbono estão colocando um preço real no desafio da preservação e da conservação ambiental, como se verifica no papel que as florestas desempenham no sequestro e no armazenamento de carbono.

As compensações por serviços ambientais (CSA) é o pagamento, com dinheiro ou outros meios, para aqueles que ajudam na adoção de práticas, técnicas e sistemas que beneficiem a todos os envolvidos em determinada área geográfica (SIPAM, 2009). As CSA são ferramentas que estão sendo muito utilizadas por conservacionistas, investidores, grupos comunitários e governos, dentre outras instituições, para reconhecer o valor dos serviços provenientes dos ecossistemas e o papel daqueles que mantêm esses serviços.

Os princípios por trás das CSA: poluidor-pagador, usuário-pagador e protetor-recebedor

O princípio do poluidor-pagador determina o pagamento de uma ‘compensação’ pelos responsáveis por empreendimentos, seja com possíveis, mas controlados, ou inevitáveis impactos ambientais e o principio do usuário-pagador determina que os consumidores que “tomam” algo da natureza devem ajudar a “repor” ou manter o “estoque” do recurso natural consumido (BORN & TALOCCHI, 2002). Por exemplo, o empresário que produz um móvel de madeira consumindo árvores que, se tiverem sido extraídas de floresta nativas (mesmo com os devidos cuidados e licenças), precisariam de alguém que garantisse sua reposição, assim como o comprador deste móvel está indiretamente consumindo árvores também.

O Protocolo de Quioto prevê uma CSA através do mercado de Carbono. O principal objetivo deste mecanismo é estabilizar as concentrações atmosféricas de gás que causa o efeito estufa em níveis capazes de evitar consequências danosas para o sistema climático.

O artigo 12 do protocolo de Quioto cria condições para que países do anexo 1 (relação dos países que assumiram compromissos de reduzir emissões) colaborem com países em desenvolvimento através de projetos regulados por um conjunto de regras acordadas multilateralmente.

Um dos mecanismos são projeto de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), que podem ser desenvolvidos em nações que não fazem parte do anexo 1. O MDL prevê (artigo 12, inciso 5) que a participação é voluntária, e que ocorram benefícios reais mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação da mudança do clima, e reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto (MCT, 2001).

Como a proteção das florestas são atitudes que deveriam ocorrer naturalmente, sem a necessidade de um projeto de MDL, não são contabilizadas para a comercialização de créditos de Carbono. No entanto, a proteção destas é essencial, apesar de não ser prioridade do poder público e nem da iniciativa privada no Brasil, com algumas exceções. Segundo Pádua (2008), as florestas tropicais, como mantenedoras de estabilidade no clima e de grande parte da biodiversidade planetária, se bem protegidas, representam um importante caminho para o equilíbrio.

Brasil e Indonésia estão em terceiro e quarto lugar entre os países mais poluidores, não por serem industriais como Estados Unidos e China, mas porque desmatam. Desta forma, a proteção de nossas florestas é a principal iniciativa para uma efetiva colaboração brasileira às reduções das emissões de gases de efeito estufa.

Sobre a CSA, o deputado Jorge Khoury afirma que “como os efeitos desses serviços são usufruídos por todos, é justo que as pessoas por eles responsáveis recebam incentivos”, e ainda argumenta a favor da ideia de que  “não basta apenas cobrar uma taxa de quem polui ou degrada, mas destinar recursos a quem garante a oferta dos serviços voluntariamente” (SIPAM, 2009). É baseado nesta ideia que surge o principio do protetor-recebedor que incentiva economicamente quem protege uma área, deixando de utilizar seus recursos, estimulando assim a preservação.

O princípio protetor-recebedor, virtualmente, poderia aplicar-se em escala internacional. A proteção da Amazônia e de sua biodiversidade pode ser considerada como uma prestação de serviços ambientais, garantindo para a comunidade internacional a proteção contra os desequilíbrios climáticos e o acesso a bens derivados da natureza que causariam um grande prejuízo se deixassem de existir, ou caso tais desequilíbrios se agravassem. Os países, estados e municípios da Bacia Amazônica deveriam, portanto, receber compensações econômicas por tal serviço de proteção de interesse global, evitando sua degradação.

Trata-se de um estímulo concreto para alguns segmentos da sociedade realizarem algo que é de interesse vital para toda a população. Essas transferências ou compensações para aqueles que ajudam a conservar ou produzir serviços ambientais podem ocorrer de diversas formas, entre as quais são exemplos: transferências diretas de recursos financeiros; favorecimento na obtenção de créditos; isenção de taxas de impostos; aplicação (alocação) de receitas de impostos em programas especiais; fornecimento preferencial de serviços públicos; disponibilização de tecnologia e capacitação técnica; subsídios a produtos; e, garantia de acesso a mercados ou programas especiais.

Atividades como ecoturismo, agricultura orgânica ou sistemas agroflorestais ainda não remuneram a população local, pois a sociedade em geral não quer pagar um preço justo por mercadorias e serviços que são oferecidos com o custo de proteger o ambiente, os monumentos históricos, a cultura e a paisagem.

Mecanismos internacionais podem contribuir para estabilizar os níveis de emissões, uns compensando outros. É aí que entra o principio conhecido como REDD (Reduce Emissions for Deforestation and Degradation), ou Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, proposta que tem sido discutida para o período pós-protocolo de Quioto (2012).

Diferentemente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo  (MDL), que não inclui as florestas naturais remanescentes, o REDD vai além de Quioto quando propõe compensações financeiras aos proprietários de matas naturais, que se prontificam a proteger suas florestas por 60 anos, ganhando durante todo este período (PADUA, 2008). Um aspecto interessante do REDD é que ele é voltado para a redução de emissões de CO2 e não para a conservação do ciclo da água ou da proteção da biodiversidade, mas que acabam sendo protegidos por causa da manutenção dos ecossistemas.

Avanços conceituais nas questões relacionadas à CSA têm ocorrido e estes são de extrema importância para a manutenção dos serviços ambientais. Umas das prioridades na agenda brasileira que vem despertando nos três níveis de governo é a adoção de políticas públicas que contemplem etapas a serem observadas para a implantação desse marco referencial, um “arcabouço regulatório” de viabilização do PSA. As etapas citadas são: a necessária definição dos serviços ambientais passíveis de remuneração, quem deve receber o pagamento, a quantia a ser paga e qual mecanismo de repasse a ser adotado.

Conclusões finais

As CSA podem ser consideradas como a alternativa de mais fácil aplicação atualmente com os melhores resultados, já que a presença do poder público nas regiões florestais tem sido limitada. Isto também é devido pela remuneração de florestas nativas, evitando assim o desmatamento e a proteção de vários serviços ecossistêmicos. A correta destinação das CSA, volta o foco para as pessoas diretamente responsáveis pela proteção dos ecossistemas, trazendo avanços sociais para estes cidadãos.

Bibliografia

BORN, R. H. & S. TALOCCHI. Proteção do capital social e ecológico: por meio de Compensações por Serviços Ambientais (CSA). Editora Peirópolis, 2002. pp. 27-46.
CMMD (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento). Nosso futuro comum. 2.e.d. Rio de Janeiro: FGV, 1991.
COSTANZA et al., “The value of the world’s ecosystem services and natural capital”. Nature, 1997. 387:253-260.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: IBGE, 2 ed. 2004. 332 p.
ISA (Instituto Socioambiental). O que é serviço ambiental?. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/servicos-ambientais/o-que-e-servico-ambiental, acesso em 30/06/2009.
JENKINS, M. Promoting markets that improve livelihoods of forest communities, 2008. Disponível em: <www.forest-trends.org>. Acesso em: 17 de junho de 2008.
MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia).
Protocolo de Quioto à convenção sobre mudança do clima, 2001. Disponível em: http://www.forumclima.org.br/arquivos/A0509124.pdf, acessado em 12 de abril de 2009.
NUNES, E. R. M. Alfabetização Ecológica: um caminho para a sustentabilidade. Porto Alegre: Ed. do Autor, 2005. 134p.
PADUA, S. M. O que é REDD e o que pode representar para a conservação de nossas florestas? Disponível em: http://www.oeco.com.br, acessado em 12 de abril de 2009.
SIPAM (Sistema de Proteção da Amazônia). Seminário discute compensação por serviços ambientais. Disponível em: http://www.sipam.gov.br, acessado em 12 de abril de 2009.

Publicado em 4 de agosto de 2009

Publicado em 04 de agosto de 2009

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