Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Ideias saídas do conselho de classe
Mariana Cruz
No conselho de classe da escola onde leciono, tantas foram as dúvidas, as questões, os pensamentos expostos que a discussão sobre as notas dos alunos teve que ficar para outro dia. Muito se falou das turmas problemáticas – três em especial. Por coincidência e – por que não? – por sorte, não dou aula para nenhuma delas. Aqueles que dão aulas para tais turmas foram unânimes quanto à indisciplina, o deboche, o desrespeito que certos alunos têm em relação aos outros colegas e aos professores. A professora de Inglês disse que assim que entra em tais turmas já começa a algazarra: os alunos não prestam atenção, não copiam, não têm a apostila. A professora de Física, além dessas reclamações, disse que em uma dessas turmas tem um aluno em especial que “leva a turma para o mau caminho”. Disse que quase toda aula ela se vê obrigada a tirá-lo de sala. Os outros professores que conhecem a referida turma, antes mesmo de a professora dizer de quem se tratava, já haviam falado em uníssono o nome do sujeito.
Surgem então as mesmas questões: é o professor que não sabe lidar com a turma, não tem empatia com ela? Ou é um determinado aluno ou grupo deles que desconcentra toda a turma? O que fazer? Jogo de cintura, empatia não são ensinados na licenciatura. Tirar da turma o tal aluno? Será que em outra turma ele não terá o mesmo tipo de comportamento? Separar o grupo? Mas será que em outras classes eles também não se reunirão com outros alunos indisciplinados? Tais perguntas são feitas, sempre feitas. O professor tenta mudar seu jeito, ficar mais simpático; por vezes, soa falso, não dá certo; outras vezes surte um efeito positivo. Alguns alunos indisciplinados mudam de sala. Resolve? Pode ser que sim, pode ser que não. Até então, nada de muito diferente dos conselhos anteriores, em que os alunos indisciplinados são alvo de diversos professores, cada um com uma historinha particular para ilustrar a acusação.
Foi então que o conselho deu uma virada. Ao invés de manter o script dos outros, com as mesmas críticas aos alunos bagunceiros, ao sistema de ensino, às adversidades da profissão e outras coisas que não passam do campo das reclamações, os professores começaram a refletir sobre as possíveis saídas, ideias para serem de fato aplicadas. Casos pessoais foram relatados e diversas sugestões foram dadas para tentar sanar um problema recorrente na vida do professor: a indisciplina de determinados elementos pertencentes ao grupo discente.
A lida com os alunos na sala de aula não tem fórmula, sobretudo se for uma turma numerosa, se há carência de professores, excesso de tempos vagos, se a escola não é bem cuidada. Talvez tais fatores influenciem a atitude descompromissada do aluno que, ao verificar o desleixo da escola, responde na mesma moeda. Ou não: a indisciplina pode continuar reinando, mesmo que seja uma escola bem equipada, sem carência de profissionais e com professores que nunca faltam. Docentes de um lado e discentes do outro. Para que essa relação dê certo, são diversas tentativas, diversos erros, acertos, surpresas e decepções. Pela primeira vez em um conselho vi a real vontade dos professores de aplicar certas ideias a fim de mudar tal relação viciada, se abrir para o novo, ter uma nova atitude, uma nova forma de dar aula. Não à toa que o conselho se alongou tanto e nenhum participante parecia se importar com a hora do término; nem mesmo saiu no intervalo para comer o lanchinho na sala ao lado.
Uma professora sugeriu fazer uma reunião com os pais dos alunos mais problemáticos. A outra achou isso um tanto discriminatório e propôs que o evento se estendesse aos pais do primeiro ano. Um terceiro professor observou que são muitos os alunos, seria inviável tal reunião e pressupôs que, caso acontecesse, os pais que compareceriam seriam os dos alunos mais responsáveis, que são mais preocupados com os filhos, já que os alunos mais bagunceiros têm, em sua maioria, pais ausentes. Considerei um tanto generalista a visão, mas opinião é opinião. Eu então disse que o ponto não era trazer os pais dos alunos, apesar da importância de conversar com os filhos. Achava que cabia ao professor tentar promover essa mudança no relacionamento com seu aluno, ou pelo menos dar chance para ele mostrar outro lado seu. Para isso, o professor deveria tentar sair do lugar-comum e trazer novas experiências para a sala de aula. Sugeri que a pedagoga fosse semanalmente a essas turmas problemáticas fazer uma dinâmica com os meninos, conversar com eles, promover debates, atividades extracurriculares. Ela declinou minha sugestão, alegou que sua corrente não era essa e que estava muito atarefada atendendo alunos e pais durante a semana. Bem sei que é verdade, e seria muito difícil para ela ter um horário fixo para cumprir tal tarefa. A professora de Matemática falou sobre sua longa experiência como docente e disse que nas vezes em que pegou tais turmas ultrabagunceiras tentou fazer programas diferentes, como um piquenique na Quinta da Boa Vista, e que deram certo. Os alunos adoraram, todos contribuíram, levaram lanches, chegaram na hora marcada. Lá, eles estabeleceram uma cumplicidade que perdurou o ano inteiro. Ela disse que pela primeira vez se sentiu amiga dos alunos. Para sua surpresa, os alunos mais indisciplinados tiveram um comportamento exemplar. Outra professora relatou uma ida ao cinema com algumas turmas, o filme tinha a ver com a matéria e fez com que os alunos ficassem muito mais interessados na disciplina depois do evento. Muitas vezes os alunos bagunceiros querem chamar a atenção e, quando são bem tratados, valorizados, tornam-se grandes aliados. Lembrei-me então do caso contado por um amigo do sul; o diretor da escola onde dava aula aplicava diversas teorias dos educadores. Certa vez esse amigo adentrou a escola e percebeu que todos os jarros de planta estavam em lugares diferentes. Ao perguntar o motivo daquilo, o diretor falou-lhe de uma teoria de Vygotsky que defendia que tal mudança no cenário escolar é um estímulo aos alunos. Foi inspirada nessa mudança de cenário que pensei na necessidade de uma mudança de atitude Assim, sugeri que nós, professores, mudássemos a dinâmica da aula quando sentíssemos que a relação com nossas turmas não ia bem. Tal mudança poderia ser feita de várias formas: pela modificação da arrumação das carteiras, pela realização de uma atividade artística com todo o grupo – uma colagem, um mural –, por uma aula dada em um lugar diferente – no pátio ou mesmo caminhando pela escola, como os peripatéticos –, enfim: experimentar, experimentar, experimentar. Tentar mudar o foco dos alunos e seu próprio, como fez Mr. Keating, o revolucionário professor do filme Sociedade dos poetas mortos, que depois de ler um poema sobe na mesa e fala aos seus alunos sobre a importância de mudar a visão constantemente. Ou como Mr. Thackeray, do filme Ao mestre com carinho, que até aulas de culinária dá para tentar mudar a comportamento de seus alunos rebeldes. Educadores são responsáveis pela formação dos alunos. Formação é dar forma; aliás, é mais do que isso: é transformar.
O processo é mútuo, bilateral, transformar o outro é também transformar a si. E para que tal mudança se dê é preciso estarmos abertos para o novo.
Publicado em 18 de agosto de 2009
Publicado em 18 de agosto de 2009
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.