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A maçã de Martim - I
Cláudia Sampaio
Lá estava ela, entre tantas outras, radiante, e Luana já nem lembrava qual tinha sido a última vez que sua língua e dentes mergulharam naquele instante vermelho. De trás da barraca, de toldo padrão como o das outras – numa quase fotografia de feira antiga –, um homem se movimentava inquieto.
– Maçã, melancia?
À espera da resposta, ele pisava de um lado e outro com o raio de sol a lhe cingir a face, enquanto ela arrancava rapidamente o fone do ouvido.
– Bom dia.
Hesitava entre tirar ou não.
Não ali, naquele momento, mas antes, quando vinha no ônibus nem cheio nem vazio, sentada no banco da janela, e um seu vizinho de rua passou na roleta. Deu preguiça, ou ela não conseguia mais falar? Resolveu não tirar o fone, mas ele veio, com tanta simpatia, lhe oferecendo uma espécie de castanhas... Ela até pensou em aceitar, mas já tinha comido bem no café da manhã. E ainda por cima teria que enfiar sua mão naquele guardanapo onde as castanhas se apinhavam no centro da mão do homem. Achou excessivo o gesto. “Obrigada, comi três pães agorinha mesmo.”
Ora, quantas palavras para se justificar! Mas aqui era outra a história; mesmo atenta aos excessos, sem preguiça de falar.
– Vai levar uma melancia, senhorita?
– Oi. Vou sim. Não... Quer dizer, uma maçã, não, meia dúzia.
Era estranha, e boa, a maneira como ele a olhava. Teve vontade de dizer alguma coisa, mas o quê? Perguntar seu nome? Se sempre vendeu maçãs? Teria sido seu pai tripeiro, e ele teria então rompido toda uma tradição familiar ao decidir vender frutas, ao invés de fígado? Terêncio, poderia se chamar o feirante. E se ele perguntasse alguma coisa? O que ela estava ouvindo, por exemplo?
O homem voltava com as maçãs no saco plástico.
– Tens certeza que não queres levar mais nada?
Um acento diferente o expunha mais do que gostaria. Ele não era dali. Mas haveria tripeiro em outras partes?
Pegou o troco e já recolocava o fone no ouvido quando ouviu do inesperado:
– Que ouves nesse walkman?
– Uma sonata.
E sorriu, por inteiro desconcertada, sem saber se devia ou não falar mais alguma coisa.
– Mas acho que hoje em dia não existe mais esse negócio de walkman, não, é mp3, mp4...
– Mp5...
Os dois riram.
Já com meia melancia em uma das mãos, facão na outra, o caldo a escorrer, ele refletiu:
– Então as coisas mudam e as palavras também?
– É, deve ser mesmo assim.
Agora o sol incendiava a barraca, as maçãs explodindo em seus vermelhos e aquela claridade que por um triz a ambos não cegava.
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Publicado em 1º/09/2009
Publicado em 01 de setembro de 2009
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