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60 segundos

Armando Correa de Siqueira Neto

Professor e psicólogo

O tempo é uma dimensão pitoresca, pois ele pode ser percebido conforme o gosto do freguês. Se a experiência é boa, o tempo voa. Se ela é desprazerosa, dura uma eternidade. Para o jovem, custa a passar. Para o idoso, anda a galope. Tempo de trabalho para a aposentadoria, então, nem se fale. Para aquele que labuta e não gosta do que faz, diz-se comumente: “Dá dez da noite, mas não chega o fim da tarde”. Quem dormiu tarde (sem contar o porre da noite anterior) e precisa madrugar para enfrentar o cabo do guatambu: que sina! O tempo é, pois, muito, pouco, bom, ruim, marcante, insignificante, coerente, insensato...

Todavia, há um intervalo de tempo que merece a nossa mais profunda reflexão: refiro-me aos sessenta segundos de duração das nossas preocupações relacionadas às penúrias que assolam o planeta. Ou seja, os jornais estampam a tragédia e nos sentimos mal e pensamos, por exemplo, acerca da pobreza que desnutre outros seres humanos – em 2009, o total de pessoas subnutridas deverá superar a marca de 1 bilhão, segundo a estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Tal atenção dura geralmente um minuto. Em seguida, sem qualquer cerimônia, voltamo-nos às amenidades e, em alguns casos, às queixas pessoais sobre todo tipo de situação que chateia, como a falta de dinheiro para comprar um novo celular (o quarto ou quinto, talvez), um tênis mais incrementado (apesar de já existirem outros tantos no armário) ou uma bolsa que combine com a sandália creme (afinal, o que os outros vão achar?), entre outros.

Assistimos atônitos aos noticiários que revelam os desmatamentos florestais, o uso desregrado da água e sua provável escassez futura e sobressaltamos o ânimo, apontando o dedo da culpa para todos os lados (menos para nós próprios), num gesto de revolta, que dura... Sabe quanto? Sessenta segundos! Lá está o tempo novamente, em sua elasticidade mais breve. Mas preferimos gastar as nossas energias e boa carga horária com a mesquinhez pessoal. Tal consumo, infelizmente, rouba a cena na qual deveria, de forma equilibrada, haver maior quantidade de tempo para a essencial ponderação que deve eleger assuntos inquestionavelmente mais relevantes.

Não se pretende aqui, contudo, encorajar o abandono das atividades pensantes corriqueiras. Sugerimos que haja um pouco mais de dedicação ao direcionar o foco das preocupações para a análise dos problemas que fazem substancial número de pessoas terem uma miserável qualidade de vida. E, para tanto, devemos ultrapassar os infrutíferos 60 segundos da atenção dirigida a tais questões, ampliando o tempo e a capacidade de pensar criticamente.

É preciso ir além das notícias e formar conceitos próprios cujo decorrente incômodo é capaz de estimular a autocobrança e, em maior escala, a cobrança sobre nosso estado com o passar do tempo.

Ah, o tempo! Tão bem estudado quão pobremente aproveitado. Quem sabe se alguns minutos reflexivos levem você a mudar de postura a respeito dos acontecimentos globais? Não demore; você sabe, o tempo urge.

Publicado em 15 de setembro de 2009

Publicado em 15 de setembro de 2009

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