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Brincando com as letras e as palavras: projeto interdisciplinar entre Educação Física e Pedagogia

Leonardo Augusto d´Almeida Barros

Pós-graduado em Educação Física e em Educação; mestrando em Educação

Bianca Medeiros de Toledo

Especialista em Educação Infantil, pós-graduanda em Psicopedagogia

Introdução

Com o surgimento da Escola Nova, os olhares voltaram-se para o aluno como centro do aprendizado, atribuindo a ele todos os instrumentos disponíveis para a absorção de conteúdos de forma significativa.

Quando pensamos em crianças, certamente vem à cabeça movimento, conhecimento, descoberta, interação; mas, ao nos depararmos com a educação atual, vemos que o ato de aprender demonstra-se mecânico, decorativo, passivo, com alunos recebendo grande quantidade de informação sem assimilações com o mundo ou sem sentimento, a nosso ver a base do aprender.

O ato de ler é fundamental para o reconhecimento do mundo, principalmente nas grandes cidades, com outdoors, placas, canais de TV passando três tipos de informação simultaneamente.

Embasamo-nos em autores como Freire (2004), que relata a importância da relação corpo e mente, e Fazenda (2001), que valoriza a união entre as diferentes disciplinas, levando o aprendizado para a vida e não apenas para passar em uma determinada prova.

Existe a discussão sobre alfabetizar ou não na Educação Infantil; com a inclusão do pré (até então pertencente àquele segmento) como primeiro ano no Ensino Fundamental, essa discussão sustenta-se ainda mais. Alguns professores dizem que as crianças têm desejo de aprender a ler e a escrever, e nós não devemos cerceá-lo; outros argumentam que as crianças pequenas não têm maturidade para essa ação e que precisam, sim, brincar. Então por que não juntar as duas opiniões e aprender a ler brincando?

Pensando na necessidade de alfabetização dos alunos e a importância do corpo e as emoções no processo de educação, pretendemos responder ao seguinte problema: como a Educação Física pode se unir à Pedagogia na alfabetização dos alunos, sem perder suas características próprias?

Na comunidade escolar, pretendemos auxiliar a absorção de atividades que auxiliem na educação significativa dos alunos. À sociedade, esperamos auxiliar na formação de pessoas que tenham prazer em aprender, fugindo do termo “eu tive que decorar para aprender”, criando ligações estreitas pelo saber; por fim, valorizar a Educação Física como um instrumento pedagógico com força na educação integral dos alunos, e não apenas ensinando corpos.

Descrição do projeto

O presente projeto talvez relate atividades que os professores realizem corriqueiramente com os alunos, relacionadas ou não a um contexto especifico. Devemos ter bem claro que essas atividades não são modelos a serem seguidos; são instrumentos para que cheguemos ao nosso objetivo. Cada projeto deve levar em consideração as características particulares do grupo.

Analisando, no início do ano letivo, os alunos em conjunto, verificando em algumas atividades propostas, pudemos perceber que alguns alunos viriam a ter dificuldades na alfabetização, certamente normais para as suas fases.

Nós, professores, decidimos minimizar essas dificuldades criando um projeto em que pudéssemos contemplar o aprendizado motor, o afetivo e o cognitivo dos alunos em atividades de sala/quadra, com abordagens diferenciadas para os temas propostos, surgindo o projeto Brincando com as letras e com as palavras, enfatizando o “brincar”, pois é o que a criança melhor sabe fazer.

Ao iniciar as atividades, realizamos avaliações para verificar as atuais características motoras, cognitivas e afetivas dos alunos. A partir dos dados coletados, iniciamos a segunda parte dessa fase inicial: elaboração dos objetivos e pesquisa de atividades condizentes com a faixa etária dos alunos.

Estipulamos como meta que, ao final do projeto de seis meses, os alunos teriam proximidade com as letras do alfabeto, fariam relações das letras com o mundo, teriam maturidade para participar de atividades coletivas, amadurecimento motor em saltar, correr, em ter velocidade, força e criar pequenas brincadeiras.

A primeira atividade proposta foi a estátua de letras: os professores pediam que os alunos imitassem uma letra com o corpo. Nessa etapa utilizamos as vogais, aproveitando o enfoque dado em sala de aula. Com essa atividade, estimulamos a compreensão corporal das letras, além de equilíbrio e planos alto, médio e baixo.

Trabalhando em sala de aula com as vogais, fizemos atividades de escrita, colagens nas letras, musicas e atividades de coordenação motora fina. Como, por exemplo, pintar as vogais maiúsculas, as minúsculas de fôrma e cursiva e descobrir qual desenho aparece, relacionando a exploração corporal à cognitiva.

Dando continuidade à atividade das estátuas das letras, com placas nas mãos, professores indicavam qual letra deveria que ser feita com o corpo, pedindo que os alunos levassem em consideração a forma correta da escrita da letra, posição da letra, o lado para onde está virada e logo após a escrevessem no papel. Com essa atividade simples, analisamos e estimulamos a correção de letras espelhadas e com formas erradas.

Continuando com o estimulo a criação, fizemos diferentes jogos de amarelinha, mas, ao invés de números, colocamos vogais cursivas, de fôrma, minúsculas e maiúsculas, proporcionando aos alunos estímulos ao equilíbrio, força, compreensão de perto e longe e conhecimento sobre a sequência das vogais. Como percebemos que os alunos obtiveram êxito nessa atividade, pedimos que, na aula seguinte, trouxessem “a amarelinha dos sonhos” criadas por eles, em formas variadas, com a seguinte regra: que tivessem vogais escritas.

Além de servir como avaliação contínua das atividades de escrita das letras e das habilidades motoras supracitadas, demos asas à imaginação dos alunos. Aí estão fotos das diferentes amarelinhas criadas pelos alunos.

Com as vogais exploradas, optamos por prosseguir o projeto abordando as consoantes, com uma brincadeira intitulada Salada de letras, usando os tapetes pedagógicos. Repartimos os tapetes entre as crianças; como o tapete se divide, deixamos os alunos com a parte de fora do tapete e, do outro lado da quadra, lançamos as partes internas, formando uma salada. Cada aluno recebeu um tapete com uma consoante. Inicialmente reconhecemo-las e estimulamos a relação com palavras que começassem com ela.

Ao comando do professor, os alunos deveriam correr até o outro lado da quadra, encontrar sua letra e encaixá-la em seu tapete dentro de um tempo estipulado. A cada rodada a criança era dona de uma letra, e a movimentação para chegar até a outra metade do tapete era de forma variada; estimulamos o reconhecimento das letras, já incorporando as letras K, W e Y. Nessa atividade, além de conhecimento das consoantes, estimulamos a velocidade dos alunos, mudança de direção, diferentes planos e motricidade fina, pois foi exigido dos alunos controle para encaixar rapidamente as consoantes.

Como o projeto educacional é feito no dia a dia, por termos uma quantidade maior de letras em evidência, optamos por enfatizar – tanto na sala de aula quando na quadra – atividades desse estilo, para maior fixação das letras. Simultaneamente, a professora regente apresentava aos alunos jogos relacionados às letras, como dominó de letras, jogo da memória e quebra-cabeça.

Após quatro aulas da atividade da Salada de letras, a relação destas com o mundo tornou-se mais clara; foi então apresentada a brincadeira das mímicas. Com os mesmos tapetes pedagógicos (o que nos deixa tristes é que, infelizmente, em algumas escolas esses tapetes servem apenas como decoração, atribuindo a essa ferramenta apenas a função de ser pisados), espalhamo-nos pela quadra e dividimos os alunos em dois grupos: o grupo A deveria fazer uma mímica para o grupo B. Se o grupo B adivinhasse a mímica, teria um tempo estimulado para trazer a primeira letra do que foi imitado. Com essa atividade, pudemos verificar o grau de relação entre as letras e o mundo das crianças, além de estimular a expressão corporal e a abstração dos alunos.

Em sala de aula foi feito um ditado das consoantes no caderno como forma de avaliação contínua, aparecendo bons resultados em relação ao reconhecimento e escrita das consoantes apresentadas.

Em conversa entre os professores, analisamos que os trabalhos estavam surtindo efeito; logo no início do projeto estimulamos a montagem da fila em ordem alfabética, dirigíamo-nos aos alunos pela letra inicial do nome, estilo de relacionamento que as crianças adotaram nas aulas. Muitos professores poderiam encarar como uma forma de relação fria ou apenas um apelido, por não tratar as pessoas pelo nome, mas, pelo contrário, estimulou o diálogo. Os alunos que se preocuparam em conversar com seu amigo da carteira do lado ou o amigo menor que ocupava o lugar da frente na fila começaram a perceber afinidades em outros alunos, sejam elas por ter a mesma letra do seu nome, pela nova disposição da fila, tendo mais contato, ou pelo simples interesse em chamar a atenção de todas as crianças pela grande quantidade de letras evidenciadas.

Dando continuidade à relação das letras no mundo, começamos a estimular a leitura de palavras relacionadas. Nesse sentido, fizemos um jogo de bocha com o alfabeto e fichas contendo palavras e desenhos, objetivando o controle da força, a capacidade visual de profundidade e concentração.

Com gizes, fizemos círculos no chão, partindo do grande para o pequeno, como uma espécie de espiral; entre os círculos, escrevemos o alfabeto. Logo adiante espalhamos diversas figuras com os nomes dos desenhos. O aluno deveria rolar uma bola pesada em direção ao campo da bocha. Quando a bola parasse em uma letra, o aluno deveria correr até as fichas e encontrar as figuras e palavras com a letra que ele acertou. No decorrer da atividade, colocamos em jogo diferentes bolas, de diversos tamanhos e peso, para estimular diferentes esquemas motores dos alunos.

Na sala de aula, fizemos atividades de cruzadinhas relacionando as letras e palavras com desenhos, atividades que reforçaram a compreensão dos alunos entre as letras e as palavras.

Até então, já havíamos estimulado o reconhecimento das vogais e das consoantes, sua forma de escrita e sua continuidade, relacionando-as ao próprio nome, aos animais nas mímicas e a pequenas palavras no jogo de bocha. Em todas essas atividades, as letras possuíam modelos trazidos pelos professores. A partir daí, a relação de letras, palavras e mundo com o aluno necessitou de atitudes espontâneas (e não mais guiadas) e direcionadas pelos professores.

Partindo dessa premissa, fizemos uma atividade cultural muito intensa em nossa vida de criança: pular corda, atividade que pode contemplar o objetivo de trabalhar o salto, tempo, espaço e a absorção de atividades culturais, além de nos aproximar do tema do projeto. Apropriamo-nos da canção “suco gelado”.

Suco gelado
cabelo arrepiado
qual é a letra do seu namorado
a, b, c, d, e...

De acordo com a brincadeira, quando o aluno pisa na corda, a letra corresponde é o nome do namorado ou namorada; no nosso caso, o aluno deveria relacionar com algum objeto ou pessoa do ambiente em que estávamos.

Nas atividades em sala de aula, fizemos uma caça às palavras: alunos deveriam circular e pintar as palavras escritas e numeradas, atividade que foi muito apreciada, pois, além de serem divertidas, ajudaram muito na compreensão de vogais e consoantes. No momento em que fizeram no papel, já haviam internalizado as letras para fazer a escrita, tornando-se muito mais fácil e prático, pois a forma correta já estava “na cabeça, no corpo e nas emoções” de cada um deles.

Como avaliação final do projeto, fizemos novas atividades para obter dados sobre os conteúdos apresentados. As avaliações permearam reconhecimento, leitura e escrita de vogais e consoantes, relação entre letra e palavra (letras iniciais e contidas nas palavras), jogos que exigiam do aluno poder de abstração, relacionando as letras a figuras e, por fim, nova avaliação motora contemplando equilíbrio, velocidade, força e mudança de direção.

Considerações finais

A partir do projeto Brincando com as letras e com as palavras, pudemos reafirmar a importância das relações interdisciplinares no processo de educação de crianças.

Conforme esta análise, os alunos permaneceram ativos por todo o processo de aquisição de conhecimento, quebrando o paradigma de aluno passivo, sentado, impaciente sem estimulo para aprender a ler.

As atividades motoras obtiveram conotações importantes; não foram tratadas apenas como atividades recreativas ou de ocupação do tempo livre dos alunos, mas como fundamentais ao fazer pontes sólidas entre corpo e mente, alegria e aprendizado.  

Referências bibliográficas

FAZENDA, I. Interdisciplinaridade. Um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1993.

FAZENDA, I. (Org.). Práticas Interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 2001.

FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989.

MOURA, Dácio G. Trabalhando com projetos. Planejamento e gestão de projetos educacionais. Petrópolis: Vozes, 2006.


Letra e cursiva minúscula

Letra E de fôrma maiúscula


Letra i cursiva minúscula

Letra i de fôrma minúscula

Leia também:

Educação Física e Pedagogia de Projetos: sua importância no contexto escolar

Publicado em 29/09/2009

Publicado em 29 de setembro de 2009

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