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Luiza Barreto Leite: Teatro e jornalismo para a Educação

Luiz Alberto Sanz

Luiza Barreto Leite foi uma educadora de mão cheia – em casa e na escola, no teatro, no jornalismo e no MEC. A revista Educação Pública tem em suas páginas vários de seus artigos, especialmente sobre a História da Educação no século XX. Agora, quando acabamos de comemorar o Dia do Professor, vale a pena divulgar um artigo de seu filho, Luiz Alberto – mais que nosso colaborador, um grande incentivador – que reúne não só fragmentos de textos de Luíza como opiniões de várias pessoas sobre ela.

Costumo dizer que 1º de outubro é uma data muito importante. Nela nasceram, em ordem cronológica, o Jornal do Commercio do Rio De Janeiro (fundado em 1827 por Pierre Plancher), Luiza Barreto Leite (1909, Santa Maria/RS; 1996, Rio de Janeiro/RJ) e a República Popular da China (1949, Beijing).

O primeiro me pariu e formou como jornalista; a segunda me pariu e formou como gente e a terceira mudou a cara da Ásia, influenciou e influencia o mundo – para o bem e para o mal.

Vou, aqui e agora, ocupar-me de Luiza Leite. Poderíamos dizer que ela seria muito adequadamente classificada como parte da tendência anarquista-cristã (ou cristã-libertária), à qual alguns pensadores ligam Tolstoi (sobretudo por seu livro O reino de Deus está entre nós e pelas atividades educacionais) e o comandante Camilo Cinfuegos, que esteve com Fidel e Ernesto Guevara, entre outros, à frente da Revolução Cubana. Mas Luiza ficou mais conhecida pela aplicação desses princípios ao Teatro, à Educação e ao Jornalismo do que pela atuação diretamente política (membro da União Feminina do Brasil e da Aliança Nacional Libertadora e colaboradora do Socorro Vermelho nos anos 30; ativista do Comitê Brasileiro de Anistia nos anos 70; diretora do Sindicato dos Artistas do Rio e dirigente do PSB/RJ nos anos 80). Não cabe aqui contar sua vida, mas expor um pouco do conteúdo que tinha sua luta por mudar o mundo mudando as pessoas.

Francisco Roberval Mendes, o "Chiquinho", guerrilheiro, ator, sindicalista e dirigente socialista, no prefácio a Tempo de Resistência, de Leopoldo Paulino, conta que  

Certa vez, conversando com a eterna transgressora Luiza Barreto Leite, ela com mais de 80 anos e eu quase chegando aos 50, comecei uma frase com o chavão “no meu tempo”. Luiza interrompeu-me de imediato: “No seu tempo? Você já morreu? Meu tempo, seu tempo é o hoje!”.

Heloísa Maranhão, educadora, jornalista, dramaturga, romancista, professora de teatro, no prefácio a O Teatro na Educação Artística (que Luiza escreveu com Duddu Barreto Leite, Yara Silveira e Niete Lima), tipifica:

Luiza Barreto Leite testemunha de vista, indispensável e rica de notícia, escrevendo a História e para a História do Teatro Brasileiro, é uma figura humana que se move de maneira muito especial na base do amor à vida e permanente bom humor com a vida. Ensaísta, professora, incansável autodidata, autora de artigos em jornais e revistas, livros, conferências, mantendo correspondência por este país afora e estrangeiro. Atriz de merecidos sucessos, crítica lúcida, frequentemente inventariando as massas falidas ou dando oportunas lições, operária das letras dramáticas, boa no garimpo, sempre na linha de frente, extremamente jovem por dentro...

Rosa Naltarelli Vianna, professora primária de Belo Horizonte, em carta manuscrita há quase 51 anos (14 de outubro de 1955), depois de ler uma brochura criada por Luiza para o MEC nos anos 50:

Li de um só fôlego seu pequenino livro Teatro e Educação, que, por um acaso feliz, caiu-me às mãos. Fiquei empolgada com as ideias que, tão humanamente, a sra. expressou. Suas palavras materializaram de maneira simples e precisa as ideias que sempre tive (...). É pressentindo esse mesmo espírito que eu, "pobre" educadora montanheza, me dispus a escrever-lhe pedindo material (...) que possa ajudar nossas professoras, antes de tudo, fazer com elas o que fez comigo sua palavra esclarecida, despertá-las para a realidade de uma educação mais consciente, que só pode ser conseguida através do teatro, acordar seus espíritos para a compreensão de que educar não é meramente ensinar a ler, escrever e contar, mas preparar as crianças para a vida...

Mas acho que foi ela mesma quem melhor escreveu sobre esse tal conteúdo de que falo.

Anotação de Luiza Barreto Leite, encontrada em um caderno, escrita provavelmente em meados dos anos 60

Estou sempre preocupada com alguém ou com alguma coisa. Parece-me estar sempre em dívida. Com a vida? Com a morte? Com as pessoas? Dívidas de dinheiro, jamais! Sempre pago todas em dia. Só atraso o analista e um ou outro milionário, e assim mesmo não por muito tempo. O analista é milionário? Sei lá, nem me interessa. Ou talvez seja. Milionário de ternura. Da ternura que ele sabe captar, pois conhece o segredo.

Sim, é isto: detesto dever e, por isso, até ternura dou mais do que me pedem. Mais do que as pessoas são capazes de suportar. Ou dava. Agora estou ficando diferente. Começo a só dar o que pedem e, então, noto o quanto as criaturas, emocionalmente, pedem pouco. Talvez desejem, mesmo ardentemente, mas não pedem e parecem sufocadas quando a gente insiste em dar nas horas fechadas.

Sim, é isto: há horas fechadas e horas abertas, como portas. Mas quem se interessa por penetrar através das portas sempre abertas? Mas, às vezes, as portas se abrem, ou são feitas de vidro, justamente para não despertar a atenção dos mexeriqueiros, dos ladrões ou da polícia. Pois só os mexeriqueiros, os ladrões e a polícia penetram onde ninguém os quer. (...)

Trecho de Teatro e criatividade, publicado em 1975

Quando a mãe cria o filho ou a professora cria o aluno, podemos estar certos de que a parte mais difícil é o autocontrole, a tarefa consciente de não nos identificarmos com Deus, embora sabendo que, como a natureza inteira, estamos dotados de uma de suas chispas. Podemos obedecer ao arquétipo da Grande Mãe quando damos aulas, mas nunca à ridícula figura da supermãe. Nossos filhos são livres e nossos alunos também.

Em Falta alguém no manicômio ou na primeira página de seu inédito Gregório: diálogo com Cristo, em que discute com Jesus, por intermédio de um alter ego, o monge Gregório:

JESUS,

Nossas confidências não deveriam ficar entre nós? Digo-Te, às vezes, coisas bem ousadas e, sobretudo, Te obrigo a dizer outras bem desconcertantes.

Evidentemente as coisas que coloco em Teus lábios não passam, agora e sempre, de pensamentos meus. Eu já Te disse. És eu e eu sou Tu. Nossos papéis podem inverter-se.

Mas, de qualquer forma, por que publicar estas pesquisas, estas tentativas?

Sou padre. Não deveria, então, ensinar uma doutrina segura, bem definida? Uma doutrina que minha mãe Igreja pudesse apoiar com todo o peso de sua autoridade? Uma doutrina que aqueles que me leem pudessem aceitar sem medo de tomar o caminho errado?

Sabes que aceito esta doutrina. Vou Te recitar o Credo.

Creio em Deus pai todo-poderoso...?

Amém. Assim é. Ou assim seja?

Amém, tudo isso é assim, tudo isso é verdadeiro.

Mas é assim para mim, é verdadeiro para mim?

Amém. Assim seja para mim.

SOU padre e grito: “Amém! Assim é!" Mas sou monge para que assim seja para mim. Para que aquilo que meus lábios proclamam meu coração possa viver.

E Tu o sabes demasiado bem, Jesus, não é nada fácil. É fácil dizer o Credo; é duramente difícil vivê-lo. É fácil dizer "eu creio", é duramente difícil crer.

Sou duro de coração, como Teus discípulos, como Teus apóstolos. Tem paciência comigo, como tiveste com Teus discípulos, com Teus apóstolos. Eles não acreditaram em Ti senão quando Te viram ressuscitado. Como irias querer que eu creia tanto quanto eles, sem Te haver visto ressuscitado, apenas porque Te creio ressuscitado? Tem paciência, Jesus, não poderei crer como eles senão quando Te houver visto ressuscitado. Enquanto espero, tateio em uma semiobscuridade, procuro em uma semiclaridade.

Publicado em 20 de outubro de 2009

Publicado em 20 de outubro de 2009

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