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Uma noite não das minhas melhores

Ieda Magri

Sem ao menos esperarmos, lá estava ele: um buraco grande, capaz tranquilamente de engolir um pneu. Agora estava cheio pelo pneu imprestável e meio escondido dentro da noite. Aliás, se não fosse de noite e não estivéssemos tão bêbados, poderíamos tê-lo previsto e, assim, desviado.

Agora estávamos, Armandinho e eu, irremediavelmente emboscados. Parados como estátuas olhando pra aquilo sem acreditar. Estávamos, numa palavra, no buraco. Num maior do que aquele ali, no meio da noite, causando um mal irreparável a um pobre fusquinha.

Só nós sabíamos o quanto precisávamos chegar à festa, e o pior é que estávamos bem longe de chegar a tempo se fôssemos a pé.

Tinha sido ideia do Armandinho pegar o fusca e dar uma volta antes. Era para parecer que não estávamos nem um pouco ansiosos com o encontro que tinha sido marcado. Pra valorizar, cara! Que bonito se elas chegassem e nós lá encostados na porta de entrada, esperando. Poderiam mudar de ideia se nos achassem babacas. Tem que ser macho! Mostrar que não estamos nem aí se elas desistirem, ele dizia, decidido e já dentro do Fusca. Eu, que tinha esperado muito tempo por esse encontro com Júlia, meu primeiro encontro com uma mulher bonita – e não que não tivesse tido boas oportunidades antes, é que tinha de ser a Júlia, só isso. Nesse ponto também não sou de desprezo, sei que sou bonito, pelo menos um pouco e sempre houve mulheres dando em cima. Mas estava obcecado pela Júlia e calculando a hora certa de agir. E agora aqui, no meio de uma estrada escura, com um amigo, o Fusca dele e um buraco. Nosso.

Restavam só duas cervejas e, no máximo, uma hora para chegarmos a tempo de não encontrar as meninas com outros, dois de nossos amigos, com certeza. E nenhum carro passava por ali. O Fusca sem pneu reserva, nós sem lanternas, nada (e na época adolescentes não usavam celular).

Ainda bem que mais gente das redondezas tinha marcado encontro naquela festa. Só por isso que conseguimos carona num caminhão. Meia hora depois lá estávamos, despenteados e sãos. Entramos e fui sozinho pro bar. Olhei ao redor, mas não vi a Júlia. Tínhamos combinado de nos encontrar na porta, e, sendo assim, paguei a cerveja e lá fui. Não consegui evitar me encostar numa das portas, uma mão no bolso e outra segurando a cerveja. Uma perna dobrada, sola do sapato na parede. Se Armandinho me visse me diria babaca.

Esperei por muito tempo e nada dela chegar. Entrei outra vez, poderia ser que estivesse lá sem nos vermos. Andei por todos os cômodos, mas não vi ninguém parecido com ela. Voltei à entrada e esperei muito tempo e várias cervejas.

As pessoas já estavam indo embora em pares quando me dei conta de que deveria ir até à casa de Júlia: não me encontrando na entrada no início da festa, ela poderia ter ido embora. Joguei uma pedrinha em sua janela, mas ela não se abriu. Sentei-me na calçada, munido de pedras e fiquei ali jogando uma e depois outra e outra. Percebi que alguém se sentava ao meu lado e que jogava pedras também. Era Armandinho. Não lembro bem, mas acho que chorei durante aquele tempo enorme que fiquei ali jogando pedra numa janela que provavelmente nunca mais se abriria pra mim.

E já estava amanhecendo quando ele me levou pra casa com um buraco enorme no peito.

Publicado em 20/10/2009

Publicado em 20 de outubro de 2009

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