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Na tábua da Beirada
A. Luiz Canelhas Jr.
Todo bom brasileiro é assim... É?
– Quando você tem que entregar esse serviço?
– Calma, tem tempo. É coisa fácil! Eu quero sua ajuda, vou precisar mesmo que você me dê uma força. Mas fique calmo! Você tem essa mania de querer sair fazendo as coisas de uma vez... Qual é?
– Mas é assim, né? Quando estiver faltando um ou dois dias para entregar o trabalho você vai querer que eu te ajude. Afinal, o que você está fazendo de bom que não faz logo essa titica?
O chato sempre é o cara que quer se livrar logo do problema. Acredite, quando esse meu camarada voltar querendo ajuda eu vou ser o primeiro a correr dele. O incrível disso é que o referido trabalho é uma justificativa para uma bolsa de estudos, daqueles cursos que custam uma baba, tremendamente concorridos e só vão melhorar a vida do camarada. Pasmem: ele foi convidado a fazer o curso! A pergunta é: se nós agimos assim, como vamos cobrar daquele em tenra idade trilhar outro caminho?
Hoje vivemos uma enorme falta de qualificação dos profissionais brasileiros. Isso não é alimento para aqueles que dizem que só queremos trabalhar para fornecer mão-de-obra mais barata para os privilegiados da nação. Fato é que o fenômeno está acontecendo com engenheiros, advogados e até com médicos. Quando falamos dos mais desprivilegiados, o assunto toma proporções endêmicas, com vias de se tornar epidemia nacional. A falta de vontade em fornecer educação de qualidade é visível a olho nu, não aquela que os moradores do Planalto gostam de enaltecer em sua época própria, e sim uma educação que passe pela grande prova da vida: o mercado de trabalho.
Pode acreditar, eu trabalho lá: uma menina teimou e queria apostar comigo R$ 10,00 que 2x = P era algo matematicamente diferente de P = 2x!!!???!!! Isso aconteceu no momento em que se estava discutindo a nota da sua prova de Física. A já cidadã brasileira, com seu título eleitoral em mãos, acreditando que, ao final daquele ano, já cursando a terceira série do Ensino Médio, poderia entrar no “mundo do trabalho”.
Quando o adolescente chega a minhas mãos ele já possui formação, está entrando no último segmento da Educação Básica, mas não sabe ler e interpretar textos, não conhece uma matemática contextualizada. Na verdade, a grande maioria está mais perdida que cego em tiroteio. Nesse primeiro momento mostro para eles que ainda é tempo de fazer algo, reverter o processo vivido até então. Os próximos três anos – se trabalhar com vontade, vencendo barreiras, usando todo o material disponível, apertando seus instrutores – poderão fazer diferença para seu futuro. Mas quem acredita nisso? Eles acham que você é um chato, um cara da antiga, linha dura... Não canso de ver aqueles que, ao chegarem as provas do Enem, vestibulares, concursos públicos, ainda lembram o que foi dito lá início; aí voltam, lamentando-se, dizendo: “É, professor... O senhor tinha razão!”.
Um simples gerador de estatísticas não pode sequer ser um instrutor! Onde entra o exemplo dos adultos que cercam esses seres? Não quero ficar batendo na mesma tecla, mas verdade seja dita...
– Chico, cadê aquele relatório que eu pedi para você fazer? Tenho que juntar com o levantamento das quantidades que o Paulo me entregou para poder começar a colocar preço nas unidades.
– Eu já vou fazer.
– Já vai fazer? Quando? Hoje?
– É pra hoje. Pode deixar comigo.
– Presta atenção, Chico, eu vou me reunir com o Carlos, o engenheiro, e com o Silva, dos recursos humanos, para analisar o levantamento do Paulo... Você tem de 3 a 4h para resolver isso, valeu?
Dr. Arnaldo saiu andando sem esperar resposta; ao passar pelo setor onde Chico trabalha, já foi olhando para um lado e para o outro. Convocou uma das auxiliares dele! Trancaram-se em sua sala por não mais de 10 minutos. Depois partiu para a sala de reuniões. Daniele não saiu da sala do Dr.; nada disso, quando o Dr. passou por sua secretária avisou para não perturbar a moça.
– D. Alzira, nada de ficar enciumada e entrar na sala para ficar oferecendo coisas para a menina, deixe ela trabalhar sossegada, já liberei o frigobar para as necessidades básicas dela. Nada de interrupções! Qualquer coisa, estou na sala de reuniões.
Passadas as tais quatro horas, o Dr. voltou e pediu a Daniele que se juntasse ao resto do pessoal na sala de reuniões e passasse para todos os resultados. Deixou sua sala e foi ter com Chico.
– O tempo acabou, Chico. Como ficamos?
– Ainda falta, Dr. Arnaldo.
– Quando fica pronto, então?
– O senhor pode me dar mais uns dias?
– Dias? Vou dar a você muito mais tempo, meu amigo! Vou lhe dar o resto da vida para acabar seu trabalho. O senhor pode ir limpando sua mesa agora e passar no Departamento Pessoal; aqui o senhor não trabalha mais. Da maneira como o senhor leva sua vida, vai acabar desempregando a todos nós. Por favor, não espere eu chamar a segurança.
É, meu amigo, um dia a calça arriada acaba chegando... Uma coisa é verdade: somos uma equipe, somos a sociedade; se não fizermos nada pelos mais novos, quem irá tomar conta de nossos futuros? Como reclamar daquele rapaz de “classe média” que espanca pessoas nas ruas? Será que existe vendedor para produto que ninguém compra? Então como existe traficante? “Polícia para quem precisa de polícia!” – já dizia o Lobão!!!!
– Qual é, camarada? Eu te falei que ia precisar de você para fazer a justificativa da bolsa de estudos, não vai me dar uma força?
– Está aqui no meu armário faz umas duas semanas. Este CD tem uns textos muito bons para você estudar, teses de mestrado e doutorado, reportagens... Se vire! E isso só porque sou seu amigo! Valeu? Quem tem filho barbado é gato!
Publicado em 03/02/09
Publicado em 03 de fevereiro de 2009
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