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Música nas aulas de Língua Portuguesa

Juliana Carvalho

A Lei nº 11.769, publicada no Diário Oficial da União de 19 de agosto de 2008, tornou obrigatório o ensino de música no Ensino Fundamental e Médio. Até 2011, uma nova política definirá em quais séries da educação básica a música será incluída e com que frequência.

Ao pensar em música, imediatamente a associamos ao ouvido, tratando-o como o mais importante órgão de sentido, e nos esquecemos de que o cérebro interpreta as ondas sonoras captadas por ele.

Como todos os sentidos do corpo humano, a audição é resultado de uma interpretação cerebral. Se uma música é rica e possui diferentes sons, ritmos, velocidades, timbres, intensidades e harmonias (combinação de sons simultâneos), isso estimulará o cérebro de quem a ouve.

Os sons podem ser agudos, médios e graves; entre os timbres podemos citar cordas, sopro e percussão; as velocidades incluem notas longas, médias e curtas; a intensidade pode ser forte, média e fraca; harmonia é a combinação de sons simultâneos de vários instrumentos.  

Para levar a música à escola, podemos pensar em faixas etárias. As crianças nas idades iniciais (0 a 6 anos) podem ouvir músicas eruditas ou clássicas, por exemplo. Elas auxiliam no desenvolvimento da acuidade auditiva cerebral, o que será de grande valia mais tarde para a aprendizagem de idiomas.

Na Educação Infantil e no primeiro segmento do Ensino Fundamental, é comum usar a música em sala de aula de forma lúdica, sem cobrança pedagógica do conteúdo aos alunos, salvo algumas exceções. A partir do segundo segmento do Ensino Fundamental a música é esquecida e raramente utilizada, mas o professor que se preocupa em enriquecer sua prática pedagógica deve selecionar um tema musical pertinente à matéria lecionada e fazer um planejamento considerando atividades de análise e interpretação da letra que permitam ao aluno fazer uma reflexão e se, possível, até acrescentar-lhe algo.

Antes da apresentação da música aos alunos, deve-se relacioná-la com o conteúdo a ser trabalhado e oferecer dados que supram a falta de conhecimento prévio. Um pouco da biografia do intérprete ou do compositor, o contexto histórico e a repercussão da canção na sociedade são informações que geram debates, produção textual oral e enriquecem a atividade.

No ensino de língua portuguesa e literatura, é possível utilizar a música relacionando-a a conteúdos variados, como para ilustrar a aula teórica sobre figuras de linguagem. É muito fácil analisar músicas diversas e encontrar inúmeros tipos de figuras. Algumas gramáticas escolares também trazem vasto material, mas a aula torna-se muito mais interessante quando levamos a música completa para a sala de aula e não nos conformamos em analisar apenas a letra, o que fazemos habitualmente. As músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso são ricas em figuras, e por isso as encontramos tão facilmente sendo analisadas nos livros didáticos. Mas também é preciso procurar músicas mais atuais e próximas da realidade das nossas crianças para começar o trabalho.

Por isso, selecionei algumas dicas de músicas antigas e atuais que podem ser utilizadas buscando não só a aprendizagem do conteúdo, mas também a ampliação do capital cultural dos jovens.

Para começar, lembremos que existem três tipos principais de figuras de linguagem: as de construção, as de pensamento e as de palavra. Elas estão presentes em diversos tipos de músicas. Neste artigo, vou citar algumas músicas que podem ser produtivas no trabalho com figuras de construção e de pensamento:

Algumas figuras de construção:

Elipse

Canto triste

Edu Lobo

Porque sempre foste a primavera em minha vida
Volta pra mim,
Desponta novamente no meu canto,
Eu te amo tanto... mais, te quero tanto mais
Há quanto tempo faz, partiste.
Como a primavera que também te viu partir
Sem um adeus sequer
E nada existe mais em minha vida
Como um carinho teu... como um silêncio teu
Lembro um sorriso teu... tão triste
Ah, Lua sem compaixão, sempre a vagar no céu
Onde se esconde a minha bem-amada?
Onde a minha namorada...
Vai e diz a ela as minhas penas e que eu peço
Peço apenas
ue ela lembre as nossas horas de poesia,
As noites de paixão,
E diz-lhe da saudade em que me viste
Que estou sozinho...
Que só existe meu canto triste...
Na solidão

Nessa música de Edu Lobo, podemos perceber um belo exemplo de elipse. No trecho "Onde a minha namorada?" está subentendido um verbo ("está", "anda" etc.).

Polissíndeto/Assíndeto

O polissíndeto se caracteriza pela repetição das conjunções coordenativas; o assíndeto, pela ausência delas. A música Não dá mais pra segurar (explode coração), de Gonzaguinha, é um ótimo exemplo para ilustrar essas figuras. Também podem ser feitos trabalhos de reescritura da música, tentando transformar as orações coordenadas em um período subordinado ou acrescentando as conjunções nas orações assindéticas:

Não dá mais pra segurar (explode coração)

Gonzaguinha

Chega de tentar
Dissimular
E disfarçar
E esconder
O que não dá mais pra ocultar
E eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar
Foi traidor e entregou
O que você tentou conter
O que você não quis desabafar
Chega de temer
Chorar
Sofrer
Sorrir
Se dar
E se perder
E se achar
E tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir
E que essa vida entre
Assim como se fosse o sol
Desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã
Nascendo
Rompendo
Tomando
Rasgando meu corpo
E então
Eu
Chorando, gostando
Sofrendo
Adorando
Gritando
Feito louca alucinada e criança
Eu quero meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar
Explode coração

Pleonasmo

O pleonasmo consiste na repetição de um termo ou de uma ideia, com o objetivo de realçá-la, torná-la mais expressiva. Se pedirmos um exemplo de pleonasmo aos alunos, certamente a música Chove Chuva de Jorge Ben Jor vai estar entre eles. Que tal perguntar aos alunos como ficaria a música sem o pleonasmo? E prepare-se para as diferentes versões criadas por eles.

Chove Chuva

Jorge Ben Jor

Chove chuva
Chove sem parar
Pois eu vou fazer uma prece
Pra Deus, nosso Senhor
Pra chuva parar
De molhar o meu divino amor
Que é muito lindo
É mais que o infinito
É puro e belo
Inocente como a flor
Por favor, chuva ruim
Não molhe mais
O meu amor assim
Chove Chuva
Chove sem parar

Podemos encontrar também algumas figuras de pensamento. Vejamos:

Antítese

A oposição entre uma ou mais ideias torna-se evidente, e por isso esta é uma das figuras mais fáceis na compreensão dos alunos. Minha sugestão é apresentá-la com a música Certas Coisas, de Lulu Santos.

Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...
Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão...
Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz.
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...
Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão
Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz,
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer

Gradação

A gradação consiste em dispor as ideias em ordem crescente ou decrescente. Quando o encaminhamento se faz em ordem crescente, temos o clímax; quando em ordem decrescente, o anticlímax. Os alunos devem perceber se a ordem é crescente ou decrescente. Podemos pedir-lhes que reescrevam a música com o clímax no início, se ela for crescente. Outra sugestão é pedir que criem e escrevam outro desfecho. Veja um bom exemplo de gradação.

Pato Pateta

Toquinho e Vinícius

Lá vem o pato
Pata aqui, pata acolá
La vem o pato
Para ver o que é que há
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela

Prosopopeia

Essa figura consiste em dar características de seres animados a seres inanimados. Para exemplificá-la, vou usar uma música bastante popular e de uma banda muito conhecida, porque acredito que isso possa despertar a atenção dos alunos para o tema.

A lua me traiu

Banda Calypso

Parece até conto de fadas
Mas assim aconteceu
Éramos dois apaixonados
Julieta e Romeu
Naquela noite encantada
Pedi pra lua dos amantes
Que iluminasse essa hora
Pra esse amor eternizar
Mas num passe de mágica
Você desapareceu
Um eclipse maldito
O encanto se perdeu
E o meu coração partido
Foi sofrendo e foi sofrendo
Tentando te encontrar
Na madrugada
Fria madrugada
A lua me traiu
Acreditei que era pra valer
A lua me traiu
Fiquei sozinha
E louca por você

A música, arte de combinar os sons, é uma excelente fonte de trabalho escolar porque, além de ser utilizada como terapia psíquica para o desenvolvimento cognitivo, é uma forma de transmitir ideias e informações, além de desenvolver a comunicação social dos nossos alunos.

Publicado em 27 de outubro de 2009

Leia também: Música pr'aprender brasileira, oficina que explora as possibilidades de utilização da música em sala de aula.

Publicado em 27 de outubro de 2009

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