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Hípias Maior e o belo-em-si
Nataraj Trinta
Mestranda em História da Arte (PUC-Rio)
A despeito de qualquer injúria, a Filosofia da Arte tem data de nascimento: século IV a.C., e filiação: Platão. São cinco os textos platônicos sobre Estética (palavra proveniente do grego aisthésis): Hípias Maior, Banquete, o livro X da República, Fedro e Íon. Interessa-nos, no entanto, a análise de trechos do primeiro diálogo dedicado a definição do belo.
O contexto filosófico do final da Grécia Antiga é marcado por questões não mais ontológicas, como outrora fora com a busca da essência do que existe pelos pré-socráticos, mas pela presença de sofistas que procuravam determinar o lugar de onde provinha o conhecimento.
Os sofistas acreditavam que o que regia o homem era a dóxa ou opinião e que o conhecimento seria pautado na antilogia, na controvérsia. O confronto de opiniões particulares teria um fim em si mesmo; esse fim seria a própria estrutura do saber. Os sofistas acreditavam no choque de verdades particulares, sem com isso buscar síntese ou conceitos consensuais.
Platão desenvolveu grande parte de seu pensamento em contraposição à fase retórica ou particularista dos sofistas. A partir de Sócrates – seu mestre oral e personagem principal de seus diálogos –, expõe a preferência pelo método baseado na argumentação, refutação e “busca” da construção de uma noção comum para a investigação sistemática da verdade.
De diferentes maneiras, Platão apresentou uma teoria (a metafísica) sobre o conjunto de tudo que existe (quer esteja ou não presente). Sua teoria das ideias postulava a existência de dois mundos ontologicamente distintos: mundo das sombras ou mundo das coisas particulares e mundo das ideias ou mundos dos seres genéricos (ele inaugurava, assim, a primeira metafísica dualista da história, antes mesmo do cristianismo).
O mundo das sombras é o mundo das coisas cuja existência podemos indicar, pegar e apalpar (cadeira, computador, mesa, lápis). Já o mundo das ideias é o mundo dos universais abstratos; ou seja, já não se trata mais de definirmos “esta cadeira” e sim “a cadeira”. A “a cadeira” é existencialmente diferente da primeira, pois ninguém viu ou a verá, mas sem essa abstração não seria possível proferir juízos de valor mimético ou estético, nem ao menos nos comunicarmos. Comunicamo-nos porque temos esses seres genéricos em comum.
Deve-se atentar para o fato de que, no século IV a.C., pensar e falar eram a mesma coisa, ou seja, a linguagem não estava por trás do pensamento. A linguagem era o pensamento – a clivagem entre linguagem e conhecimento surgiu no século XVIII.
Mas a população mais nobre do mundo das ideias não é a dos seres gerais, como “a cadeira”, pois esses seres gerais mantinham, ainda, um vínculo estrito com o mundo das coisas particulares. A parte nobre é outro tipo de ser geral que estrutura não o mundo das coisas particulares, mas estrutura o mundo humano do agir e do julgar como um todo. A essa categoria existencial, que trata de valores como a verdade, a justiça, o bem e a beleza, deu-se o nome de ideias em si.
Para Platão, uma ideia genérica vale muito mais, ontologicamente, que uma ideia particular, mas o que o interessa é, através da razão metódica, alcançar a população nobre do mundo das ideias, que são valores não criados pelo homem, mas valores em si.
No diálogo que será analisado, o que está em questão é a natureza do belo, ou a busca da essência do belo por parte de Sócrates. O interlocutor é Hípias, um famoso sofista da época.
Platão descreve a função social do sofista, identifica como a arte da retórica e argumentação era posta a serviço da política e ironiza a atitude de postular o saber da época à venda:
281a I – Oh! Ó belo e sábio Hípias! Há quanto tempo não vens a Atenas!
b Hípias – É que não me dão folga, Sócrates. Cada vez que Elide tem alguma questão para resolver com outra cidade, sou eu sempre o primeiro que ela escolhe como embaixador, por considerar-me o melhor juiz e relator dos assuntos debatidos em todas elas. Daí o ter sido enviado a vários lugares, nesse caráter, com tanta frequência, porém mais amiúde e em missões de maior responsabilidade à Lacedemônia. Essa a razão – já que falaste nisso – de não aparecer aqui mais vezes.
c Sócrates – (...) Mas, Hípias, por que motivo os varões antigos, de tão grande fama pela sabedoria: um Pítaco, um Biante, um Tales de Mileto e os que viveram até ao tempo de Anaxágoras, senão todos, a grande maioria se absteve de tomar parte nos negócios públicos?
d Hípias – Qual imaginas, Sócrates, que possa ter sido, senão a incapacidade de abarcar com a inteligência, a um só tempo, assuntos particulares e públicos?
II – Sócrates – Dessa forma, por Zeus, teremos de admitir que, assim como as outras artes se aperfeiçoaram, a ponto de fazerem figura feia os artesãos antigos, em comparação com os de agora: diremos também que vossa arte particular, a dos sofistas, progrediu, e que os antigos, em confronto convosco, são principiantes em matéria de sabedoria?
Hípias – É assim mesmo como disseste.
282b Sócrates – Acho que fazes muito bem, Hípias, em pensar e raciocinar dessa maneira. Posso dar-te o meu testemunho de que tens razão, e que, de fato, a arte de vós todos, sofistas, progrediu bastante no que diz respeito à capacidade de conciliar o bom desempenho dos negócios públicos com os interesses particulares.
c Górgias, por exemplo, sofista de Leontinos, que aqui veio como embaixador de sua pátria, por ser o mais indicado para tratar dos interesses dos leontinenses nas assembleias populares, não só adquiriu fama de orador primoroso como ganhou muito dinheiro em nossa cidade, tanto em dissertações particulares como em aulas
d para os moços. (...) Dos antigos, pelo contrário, nenhum se atreveu a exigir pagamento por suas lições nem a ostentar conhecimentos diante de uma multidão heterogênea, tão ingênuos eram todos, a ponto de ignorar o valor do dinheiro. Aqueles dois, no entanto, isoladamente, ganharam mais com sua sabedoria do que qualquer artífice em sua profissão, o mesmo acontecendo antes deles com Protágoras.
e III- Hípias – Como vejo, Sócrates, desconheces o lado belo de nossa profissão. Se soubesses quanto dinheiro já ganhei, ficarias admirado. Deixando de parte outras oportunidades, de uma feita cheguei à Sicília quando Protágoras lá se encontrava, no auge de sua fama e já bastante idoso. Pois, apesar de eu ser muito mais moço do que ele, em pouquíssimo tempo ganhei para mais de cento e cinqüenta minas, sendo que mais de vinte num único lugarejo, Ínicos. De volta para casa, entreguei tudo a meu pai, que ficou espantado e maravilhado com aquilo, ele e meus concidadãos. Creio que sozinho já ganhei mais do que dois outros sofistas juntos, à tua escolha.
Logo depois, o personagem Sócrates introduz a questão central do texto, ao questionar Hípias sobre o que é o belo. Sócrates ressaltou sarcasticamente que tal questão deve ser, para um sábio sofista, algo fácil de responder, e, caso não o faça, sua arte é carecente de valor:
286 c VIII- c (...). Porém agora responde a uma perguntinha sobre isso mesmo, que em boa hora me fizeste lembrar. Recentemente, meu caro, alguém me pôs em grande apuro, numa discussão em que eu rejeitava determinadas coisas como feias e elogiava outras por serem belas, havendo me perguntado em tom sarcástico o interlocutor: Qual o critério, Sócrates, para
d reconheceres o que é belo e o que é feio? Vejamos, poderás dizer-me o que seja o belo? – Com a ignorância que me é própria, fiquei atrapalhado e não pude encontrar resposta satisfatória. Ao retirar-me da reunião, senti-me irritado e formulei censuras contra mim mesmo, tendo firmado propósito de, na primeira oportunidade, quando encontrasse um dos vossos sábios, ouvi-lo e instruir-me, e depois de bem estudado o assunto, voltar a procurar o meu interlocutor para reiniciarmos nosso debate. E eis que chegastes na
e hora certa, como já disse. Explica-me com precisão o que é o belo e esforça-te por dar-me resposta tão exata quanto possível, para que eu não me cubra de ridículo com outra derrota. É fora de dúvida que conheces isso muito bem, matéria, aliás, de pequena relevância entre os inúmeros conhecimentos de que dispões.
Hípias – Sim, muito pequena, Sócrates, por Zeus, e carecente de valor, por assim dizer.
Sócrates – Tanto mais facilmente apanharei o assunto, sem que daqui por diante alguém possa contradizer-me.
287a Hípias – Ninguém o fará; ou teria de ser vulgar e carecente de valor a minha profissão.
Platão caricaturiza Hípias através da dificuldade do interlocutor de Sócrates em compreender a pergunta, assim desmerece seu saber. Evidenciam-se então as diferenças entre os dois métodos indicativos da verdade em choque – um exemplarista e outro que busca a essência.
287e Hípias – Como assim, Sócrates? O autor dessa pergunta deseja saber o que é belo?
Sócrates – Penso que não, Hípias; porém o que seja o belo.
Hípias – E em que consiste a diferença?
Sócrates – Achas que não há diferença?
Hípias – Nenhuma.
Sócrates – É certeza saberes melhor. Mas presta atenção, amigo. Ele não te perguntou o que é belo, porém o que é o belo.
Hípias – Compreendo, bom homem, e vou responder a ele o que seja o belo, de forma que não possa refutar-me. Fica, então, sabendo, Sócrates, para dizer-te toda verdade, que o belo é uma jovem.
A “bela jovem” será o início das diversas respostas particularistas que definem antes a aparência do belo e não sua natureza. Sócrates refutará essa argumentação através da multiplicação de exemplos (bela égua, bela lira, bela panela, belos deuses). Ou seja, o exemplo singular, a bela moça, só é belo quando considerado isolado. Esse exemplo, comparado com outros do mesmo teor, perde seu caráter singular e só o que seja universal e imutável pode dar conta da essência do valor questionado. A recusa de Sócrates à proposição “bela moça” expressa também a desconfiança com relação à beleza transitória das mulheres e parte do pressuposto de que as coisas belas devem permanecer belas.
289b Sócrates – Agora escuta, pois tenho certeza de que, depois disso, ele perguntaria: E a raça das virgens, comparada com a dos deuses, não estará nas mesmas condições das panelas em confronto com as virgens? A mais bela virgem não parecerá feia? (...).
Hípias – Quem poderia sustentar o contrario, Sócrates?
c Sócrates – Se lhe concedermos esse ponto, ele há de rir muito e nos dirá: Lembras-te, Sócrates, do que te foi perguntado? – Sem dúvida, lhe diria: o que vinha a ser o belo em si. – E sendo perguntado, continuara, a respeito do belo, sais-me com um exemplo que, segundo tu mesmo confessas, é tão belo como feio. – Realmente, lhe diria. – E agora, amigo, que me aconselhas a responder-lhe?
A segunda asserção de Hípias é a associação da beleza com a riqueza. Se o belo é o que adorna todas as coisas e as faz parecer belas, por que não será ele o ouro? Sócrates oporá a este exemplo o marfim e o mármore, que anulam a generalidade do ouro. Ora, as coisas feitas com marfim e mármore são tão belas quanto. Assim, Sócrates não apenas rejeitará a possibilidade de um exemplo geral como excluirá do domínio da definição do belo a matéria, ainda que preciosa.
289e Hípias – (...). O belo, a respeito do qual me interrogas, não é senão o ouro, (...). Todos nós sabemos que o objeto a que acrescentamos ouro, por mais feio que fosse antes, fica bonito com esse ornamento...
290a XII Sócrates – Tenho certeza, amigo, de que não somente ele rejeitará essa resposta, como ainda zombará de mim e me dirá: quanta cegueira! Então, és de parecer que Fídias seja mau escultor? –Ao que lhe responderei: De forma alguma.
b Sócrates – (...) E acreditas que Fídias não conhecesse o belo a que te referes? – Ao que eu diria: Como assim? – Por não haver feito de ouro, continuará, nem os olhos de Atenas, nem o resto do rosto, os pés e as mãos, para deixá-los mais belos com esse ouro, porém de marfim. É evidente que ele errou por ignorância, pois não sabia que tudo o que leva ouro fica mais belo. – Diante dessa pergunta, Hípias, que lhe responderíamos?
c Hípias – Não é difícil. Dir-lhe-íamos que Fídias acertou, pois o marfim, segundo penso, também é belo.
Sócrates – Por que motivo, então, voltaria a perguntar, não fez de marfim a parte mediana dos olhos, porém de pedra, e escolheu para isso, aliás, uma pedra muito parecida com o marfim? Uma bela pedra não será bela? – Admitiremos isso, Hípias?
Hípias – Admitiremos, desde que haja indicação para o seu emprego.
Sócrates – E quando não houver indicação, será feia? Concordaremos, ou não?
d Hípias – Sim, não havendo indicação, é feia.
Sócrates – Sendo assim, varão sábio, voltaria a falar, o marfim e o ouro deixam belas as coisas, sempre que houver indicação, como as deixam feias no caso contrário. – Negaremos ou afirmaremos que ele tem razão?
Hípias – Afirmaremos que o que convém a cada coisa é o que as deixa belas.
Sócrates – Então, perguntará: que convém mais à panela (...): uma colher de ouro ou uma de pau de figueira?
290b Sócrates – (...). – Se a colher de pau de figueira, dirá a outra pessoa, convém mais do que a de ouro, necessariamente terá de ser mais bela, pois tu mesmo reconheceste, Sócrates, que o mais conveniente é sempre o mais belo. – Teremos, então, Hípias, de admitir que a colher de pau é mais bonita do que a de ouro?
c Hípias – Se quiseres, responde que é a de pau.
Sócrates – (...). Por essa resposta, se eu disser que o belo é o ouro, não haverá jeito de provarmos que o ouro é mais belo do que o pau de figueira. E agora, qual é a outra definição do belo?
Por fim Hípias chega ao máximo de abstração que um sofista pode chegar: belo é a opinião geral sobre o que é o belo; ou seja, a vida humana feliz composta de uma multiplicidade de coisas belas particulares. Platão denunciará mais uma vez a dificuldade de Hípias em compreender a necessidade de definir o belo como um conceito universal e explicitará os valores sociais vigentes na Grécia Antiga.
291e Hípias – Direi, então, que sempre e em toda a parte, para qualquer pessoa, o que há de mais belo é ser rico, gozar saúde, ser honrado pelos helenos, chegar à velhice e, assim como sepultou condignamente os pais, ser sepultado pelos filhos, por maneira bela e suntuosa.
292c XV - Sócrates – Vou dizer-te, recorrendo ao mesmo processo de que me vali há pouco, quando imitei essa pessoa, para não dirigir-te expressões duras e desagradáveis, como ele certamente poderia. Pois fica sabendo que ele se expressaria da seguinte maneira: Sócrates me diria, achas que recebeste injustamente essas pauladas, depois de haveres cantado um ditirambo tão comprido e desafinado e que tanto se afasta da questão? – Como assim? Lhe
d perguntara. – Como? Voltaria ele a falar; já te esqueceste de que te interroguei a respeito do belo em si, que confere beleza a todas as coisas a que se agrega, ou seja pedra ou madeira, homem ou deus, qualquer ação ou conhecimento? Isso, homem, o que seja o belo em si é o que eu pergunto; porém não consigo fazer-me compreender; é como se falasse a uma pedra, uma pedra de moinho, sem ouvido nem cérebro.
293a Sócrates – Talvez tu mesmo, ele diria, te encontres nesse caso quando afirmas que é sempre belo para toda a gente ser sepultado pelos filhos e sepultar os pais. Ou não estaria Heracles incluído nesse número, e todos aqueles a quem há pouco nos referimos?
Hípias – Porém eu não me referi aos deuses.
b Sócrates – Nem aos heróis, ao que parece.
c Sócrates – Pensas agora, diria ele, o contrario do que declaraste há pouco: que sepultar os pais e ser sepultado pelos filhos, por vezes é vergonhoso para algumas pessoas. Mais, ainda, quero crer: é impossível que isso tenha sido ou seja belo para alguém, passando-se com esse exemplo o que se observou no caso da virgem e da panela, apenas com maior dose de ridículo, a saber: de ser belo para alguns e feio para outros. Nem hoje, Sócrates, por conseguinte, concluiria, estás em condições de responder à pergunta sobre o que seja belo. – Serão desse teor, aproximadamente, as censuras que me fará, e com razão, se lhe responder conforme disse.
Após a teoria da exemplaridade definida através das três respostas de Hípias, Sócrates inicia suas proposições acerca da questão mostrando sempre a insuficiência delas. Iniciará se questionando sobre a relação da conveniência com o belo e concluirá que o ornamento ou enfeite são a causa da aparência do belo; portanto, não podem estar na origem da beleza. Serão o ornamento e enfeite considerados inclusive moralmente suspeitos, pois quanto mais nos atemos à aparência mais nos afastamos da beleza.
293e Sócrates – (...) É preferível considerares se não te parece que o belo seja aquilo de que tratamos há pouco em nossas respostas, quando afirmamos que o ouro é belo onde for conveniente e feio onde não o for e assim com tudo mais a que ele se juntar. Investiga isso, precisamente: a conveniência em si mesma e sua natureza, para ver se, porventura, não é isso o belo (...).
294a Sócrates – É o seguinte: diremos que o conveniente é o que faz parecer belos os objetos a que se junta, ou o que os deixa realmente belos, ou não será nem uma coisa nem outra?
Hípias – É o que faz parecer belo. Seria o caso de alguém, embora ridículo, que usasse manto ou calçados adequados: pareceria belo.
b Sócrates – Se a conveniência faz as coisas parecerem mais belas do que são na realidade, não passa de uma burla com relação à beleza, não o que procuramos, Hípias. (...) pois, conforme disseste, faz as coisas parecerem mais belas do que são, sem deixar que apareçam como são na realidade. O que deixa as coisas belas, como acabei de dizer, quer assim pareçam quer não pareçam, esforcemo-nos por descrever o que seja. É o que teremos de procurar, se quisermos encontrar o belo.
E o útil? Olhos incapazes de ver não podem ser considerados belos enquanto os capazes sim. Não poderíamos considerar belo o que é útil? A esta pergunta Sócrates responderá da seguinte forma: o útil não pode ser identificado ao belo, pois existem coisas belas para o bem e para o mal.
Devemos ressaltar que, para os antigos era impossível que uma coisa fosse bela sem ser boa ou verdadeira. O belo, o bem e o verdadeiro seriam, portanto uma tríade. Valores que não se opõem; são antes concomitantes.
Para finalizar, Sócrates sugere que o belo é o prazer do ouvido e da vista. Mas logo refuta essa ideia, pois existem também prazeres incontestáveis proporcionados pelo olfato, pelo tato e pelo paladar, assim como pode existir beleza sem prazer sensível.
Hípias Maior é um diálogo aporético; expõe um problema, mas não o resolve. Uma esgrima intelectual em que Sócrates evidencia a necessidade de critério para designar o belo e exige que toda a argumentação passe pelo crivo do conhecimento. Platão introduz, com esse diálogo, a ruptura entre o belo em si e as coisas belas.
Enquanto Hípias instaura a questão do belo no interior da problemática da singularidade (a beleza é sempre particular, não existindo “a beleza”), Sócrates delimita onde não é possível encontrar o belo.
No final do diálogo, a definição de beleza não é alcançada, mas percebemos que, enquanto durar o classicismo estético, alguns postulados instaurados pela filosofia platônica se mantêm até Leibniz. Estão afastados da definição do belo o pensamento do exemplo singular, a matéria e o ornamento e adorno como fundamentos da beleza. Só o barroco se dará ao direito ao ornamento e adorno.
Platão comumente entrelaça seus escritos com histórias relativas à mitologia grega ou mitos criados pelo autor. Hípias Maior está isento de qualquer ilustração dessa natureza. É um puro exercício conceitual, em que se dá a triagem das noções para refutá-las. No entanto, é um diálogo instigante para pensar não apenas a questão proposta pelo texto, mas exemplificar a metafísica platônica e sua busca pelo “mundo nobre” do mundo das ideias.
Ao tratar do conceito do belo, Platão reafirma que as questões são sempre coextensivas à problemática da busca da verdade em si e que pensar sobre os fundamentos da arte é pensar questões pertinentes à filosofia.
Referências:
PLATÃO. Diálogos. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA. 14v. [197-].
Anotações das aulas de José Thomaz Brum no curso História e Estética I – PUC-Rio (17/03/2008, 24/03/08 e 31/03/08).
LACOSTE, Jean. A Filosofia da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
Publicado em 17 de novembro de 2009
Publicado em 17 de novembro de 2009
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