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A flacidez das notícias: um trabalho sobre a ética e seriedade do jornalismo

Mariana Cruz

Alexandre Amorim

Janaina Pires Garcia

Mestranda em educação na UFRJ

Pablo Capistrano

Bonnie Axer

Henryane de Chaponay

Texto e ilustrações

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Hoje em dia, ao abrirmos o jornal ou darmos uma navegada por determinados sites de notícias na internet, é difícil identificar o que pode realmente ser considerado notícia e o que é encheção de lingüiça. Boa parte dos cadernos dedicados à cultura foi transformada em publicação de mexericos sobre a vida de celebridades, em que discussões acerca dos rumos da arte contemporânea têm importância secundária diante de acontecimentos relevantes como o fato de a apresentadora A não estar mais com o cantor B, de a modelo C ter ficado de pileque na festa da promoter D e de a atriz E ter escolhido o homem-aranha como tema da festa de aniversário de seu filho, F. O problema não são as fofocas em si, mas sim o espaço que elas vêm ganhando na mídia, tomando lugar das notícias que podem fazer alguma diferença, provocar uma reflexão, uma atitude, uma mudança em nossas vidas.

Sem radicalismos. Um escândalo envolvendo uma celebridade é noticia, mas essa mesma celebridade fazendo compras no supermercado definitivamente não é notícia. O que pode acrescentar uma foto desfocada de uma celeb (corruptela de celebridade) sentada em uma mesa de um badalado restaurante do Leblon – “um lugar para ver e ser visto” – mastigando seu almoço frugal? O fato de que tal pessoa também precisa se alimentar assim como os demais representantes da espécie humana? E que além de se alimentar, ela também mastiga? É preciso notar que há mastigações e mastigações; esta não leva a reflexão nenhuma, é bem diferente daquela exercida pelo cego do conto Amor, de Clarice Lispector, que, devido à movimentação mecânica de seu maxilar, que “fazia parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir”, acaba despertando na protagonista da história uma crise existencial, um descobrimento de si. Outra coisa é a mastigação exercida pela atriz da novela das sete, cuja única reflexão que levanta é sobre o caminho que a mídia está tomando ao transformar em notícia tal ocorrido e sobre qual caminho nós, leitores, estamos seguindo ao, além de digerir, buscar por mais noticias do tipo.

Outro dia, entrei em um site para ler as notícias do dia e vi a foto de uma atriz na praia; embaixo, uma manchete enorme dizendo que nem ela escapa das celulites. Como já diziam Tom e Vinícius: “Tristeza não tem fim”. De que forma tal informação pode mudar a vida de alguém? Ah, sim, fará com que todos corram para as academias, expulsem as celulites do corpo... Enquanto isso crianças dormem na rua, cheiram crack e morrem de fome. Mas isso não tem importância, não é notícia.

Sidnei Basile, em seu livro Elementos de jornalismo econômico,defende que quanto mais informada é uma sociedade melhor ela é. É preciso, portanto, saber o que é de fato informação. E, mesmo quando se trata de uma informação relevante, saber que o fato de estar ciente dela, como se fosse um fim em si, nada resolve. É apenas condição para que uma mudança se dê, para que as pessoas se mobilizem ou, ao contrário, fiquem de braços cruzados. O que também é uma forma de ação, uma vez que optar por nada fazer, ao serem informadas sobre algo que lhes tenha causado indignação, não deixa de ser um posicionamento.

Além dessa separação entre notícia e pseudonotícia, também há que se fazer uma investigação sobre as causas de determinados acontecimentos na sociedade. Muitas vezes, notícias de saques, revoltas, rebeliões são divulgadas sem que se mostrem as reais motivações, sem que haja aprofundamento histórico sobre o que desencadeou tais atos.  O espetáculo das cenas de violência fica em primeiro – e único – plano. E só. Quando vemos notícias sobre as manifestações dos sem-terra, por exemplo, mostrando as fotos de seus integrantes com os rostos escondidos por um lenço, tal qual bandido dos filmes de faroeste, a associação com os vilões é imediata. Para o leitor passivo, fica evidente que se trata de um bando de criminosos; afinal, vestem-se como tais e praticam atos de vandalismo, como a destruição da propriedade alheia. Tais leitores, porém, esquecem-se de perguntar a motivação do grupo para praticar tal ato. Suponhamos as causas: trata-se de um grupo formado por homens do campo, provavelmente trabalhadores de fazendas que tinham a mínima condição de trabalho, sem carteira assinada, direitos trabalhistas, férias, jornada máxima, insegurança e, diante da exploração a que eram submetidos; organizaram a manifestação a fim de conseguir independência. E mais: muitas vezes, sabe-se lá como tais fazendeiros obtiveram os títulos de propriedade de suas terras – grande parte delas improdutivas. Tal grupo organizou-se por não aceitar tais condições. Se for constatado tal quadro, quem de fato será o bandido e quem será o mocinho? Pode ser uma leitura.

Nada que justifique atos de vandalismo, nada também que justifique a existência de terras abandonadas, improdutivas, havendo tantas pessoas sem espaço para plantar. Dessa forma, antes de acusar tal grupo de criminoso, é preciso que se investiguem as causas, sejam os sem-terra ou qualquer outro grupo. Movimentos ou indivíduos só podem ser condenados de alguma coisa se algo for provado. Muitas vezes a imprensa, por sensacionalismo, para aumentar as vendas ou defender uma posição política, deixa as causas de lado e parte para a acusação.

Essa falta de exploração das causas parece justificar o desinteresse maior pelas notícias sobre economia do que, por exemplo, pelas notícias sobre a violência. Muitos não percebem que, em muitos casos, elas estão estreitamente ligadas; uma é o desdobramento da outra. Assaltos, tráfico de drogas, greves, meninos de rua, qual a causa disso?

A despeito de qualquer mau uso ou manipulação que se faça acerca de determinados acontecimentos, o mais importante é que não haja censura, que todos falem como bem entenderem. Após o trauma da ditadura, nada mais justo do que todos terem direito de escrever com liberdade suas opiniões. Mas é importante alertar que, ao estimular o culto a celebridades e a um jornalismo sem investigação das causas, a imprensa pode estar se afastando demais de seu objetivo inicial, de assegurar o direito sagrado de informação e mostrar os vários lados da questão. É cada vez mais frequente a troca de informação séria e consistente por entretenimento, fofoca e sensacionalismo sem averiguação das fontes.

É dever daquele que passa a informação exercer sua profissão de acordo com princípios éticos, pois tais princípios são fundamentais para a vida em sociedade, ainda mais para aqueles que trabalham com informação, pois se trata de valores sociais.

A pessoa, caso viva como eremita, sem contato com nenhum outro ser humano, não precisa obedecer a nenhum principio ético, pois tudo que ela faz diz respeito somente a ela mesma. Mas, a partir do momento em que passa a estabelecer contato com outra pessoa, os princípios éticos já passam a valer. Tais valores, porém, variam de época e lugar, de acordo com o grupo social em que se vive; trata-se de um conjunto de valores que, porém, não são absolutos. Há, assim, que fazer diferenciação entre ética e etiqueta, palavras que, apesar de terem a mesma raiz, têm significados bem distintos. Etiqueta tem a ver com boas maneiras, com a manutenção daquilo que foi estabelecido como o correto; não questiona o poder, a hierarquia, reitera uma ordem cujo objetivo é eternizar-se. A ética pretende mexer nas bases sempre que necessário, pois está em busca da justiça, do bem comum. O jornalismo da atualidade ganhou corpo a partir das revoluções que fundaram as democracias modernas. Foi a vitória da ética sobre a etiqueta. Por isso, é inconcebível que, depois de tantas conquistas, o jornalismo continue sendo tendencioso, manipulador, agindo de acordo com seus interesses, ora maquiando a noticia com cores fortes, ora empalidecendo-a. Cabe aos próprios jornalistas manterem-se atentos para não colocar sua profissão a serviço das etiquetas, dos poderosos e da indústria do entretenimento. Depois de tantas conquistas, cabe ao jornalista ter bom senso, respeito à sua própria profissão, à sua ética profissional, e não deturpá-la divulgando notícias tendenciosas nem banalizá-la fazendo estardalhaço sobre as estrias da atriz da novela das oito.

Publicado em 24/11/2009

Publicado em 24 de novembro de 2009

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