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O processo da criação artística
Andersen Viana
Maestro-compositor, professor e produtor cultural
Desde as mais remotas eras o ser humano procurou um meio de expressar-se. Ora para aplacar as forças da natureza, para invocar as divindades que as governavam, ora para celebrar algo que fosse importante para o grupo, representando de formas variadas fenômenos e seres ao seu redor. O canto de um Xamã invocando as divindades, esculturas entalhadas em pedra, imagens e pinturas representativas de animais, deuses e semideuses são os primeiros passos da grandiosa aventura criativa da civilização. A priori não poderia existir uma única fórmula que fosse apreendida e ensinada como um padrão efetivo no processo da criação conceitual e artística. O dilema e a grande dificuldade de qualquer forma de expressão de arte atualmente existente – ou a ser ainda desenvolvida – residem na multiplicidade e diversidade da natureza do meio do realizador, bem como de seu modus operandi.
Se hoje vemos uma pintura rupestre ou o entalhe em rocha da Vênus de Laussel (28.000 a.C.) e "sentimos" que é uma arte dita "primitiva" – e, por essa razão, extremamente pura e despojada de pretensão (?) –, podemos presumir de forma errônea que esses homens e mulheres tinham a intenção de ritualizar o que para eles era considerado algo mágico, sobrenatural, religioso – e posteriormente cívico, político e social. Então, essas expressões não tinham o olhar estético que hoje desde a mais tenra idade possuímos, pois seu modo era fundamentalmente ritual, o que permaneceu desse modo por milênios. Há pouco mais de sete séculos vivemos a era estética. Desde J. S. Bach (e durante todo o século XVII, quando o processo de criação musical estava subordinado a uma ordem e regras muitas vezes restritivas, o próprio Bach subverteu essa mesma ordem, enriquecendo sobremaneira a herança musical da humanidade –, até o presente momento, em que sofisticados softwares e hardwares, gerenciados por tecnologias de última geração, realizam complexas operações), os inventores da arte atual deparam-se com grandes dilemas.
Se por um lado as facilidades trazidas pela moderna tecnologia realizam tarefas de extrema complexidade nunca antes imaginadas a um custo de produção muito baixo, a profunda compreensão dos meios de criação e produção de nossos antepassados não está tendo a devida atenção. Essa constatação remete-nos a uma padronização conceitual e intelectual de baixo nível, superficial, com pouco conteúdo, baseando-se em valores que se estruturaram e se consolidaram nos últimos trinta anos. Esses mesmos valores e conceitos são direcionados exclusivamente pelo mercado, com suas relações de investimento e retorno financeiro, gerenciados pela fórmula dos quatro pês (do marketing). Por detrás do "conteúdo atrativo" de alguma criação artística – produto ou serviço, pessoal ou coletiva –, de modo especial em música e cinema, existe um elaborado plano de promoção e venda. Claro que a cena atual está repleta de exceções, devido principalmente a esforços pessoais e de pequenos grupos organizados. Comparativamente, a relação entre a proporção aritmética desses oásis criativos e a proporção geométrica dos produtos de consumo de massa impostos por poderosos grupos econômicos detentores de organizadas estruturas comerciais e promocionais não chega a ser significante, mas o processo de pasteurização da arte e da cultura atuais influencia diretamente os criadores, que infelizmente acabam, com o passar do tempo, por fazer mais e mais concessões, desfigurando por completo algo que poderia ser diferencial. Fórmulas padronizadas estão sendo amplamente difundidas através dos mais variados meios. Que essas criações estereotipadas, essas meias verdades, objetivam o lucro não resta dúvida – o que não acontecia nos séculos passados, mesmo se uma obra fosse encomendada ou se o artista fosse um simples empregado que deveria produzir arte para o consumo do patrão.
Ao fruir os quadros de um Bruegel, um Boticelli ou de um Archinboldo, as esculturas e formas arquitetônicas de um Michelangelo, um Bernini ou um Borromini, os sons proféticos de um Gesualdo da Venosa, a fantasia das Mil e uma noites ou as maravilhosas aventuras do Quixote de Cervantes, deparamo-nos com algo desconcertante, pois se constata que todos esses fazeres e meios vieram de um único local: a imaginação humana. Claro que a ideia inicial – matéria-prima do todo criativo – foi, pode e deve ser filtrada, trabalhada, exaustivamente estudada, calculada, transformada, variada, adicionada e tantas vezes modificada e repensada. Mas mantém-se inalterada a sua essência: a engenhosidade da invenção. Podemos, hoje, visualizar uma página da web – através dos pré-fabricados templates – e o "pai da criança" garantirá que é uma obra de arte do mais alto nível, que não pode ser mudada em nada, e ai daquele que discordar ou fizer alguma sugestão...
Outro grande dilema: o que é arte hoje? Claro que o exemplo extremo acima citado deixa transparecer claramente o pouco ou nenhum conhecimento dos grandes mestres do passado – alguns de talento tão grande que algumas obras chegam a ser incompreensíveis para o público leigo.
Loops, templates, samplers, copy and paste são alguns exemplos do processo criativo contemporâneo. A técnica – computacional ou não – substituiu a criatividade e o processo de "artesanato artístico" por algo já esperado, padronizado e pasteurizado. Os fazedores de arte e de cultura reproduzem padrões, as agências anunciam, os comerciantes vendem e o público consome. Uma cadeia que nos remete a um conto de João do Rio, do início do século XX: O homem de cabeça de papelão. Felizmente, na "contracultura da mediocridade" anda a grande maioria dos escritores e dos cineastas, teatrólogos, pintores, companhias de balé e alguns músicos e grupos musicais alternativos, os quais desenvolvem produtos, ideias e conceitos inovadores que podem trazer visões realmente diferenciadas em um mundo em constante transformação.
Sobre o autor
Maestro-compositor, professor e produtor cultural brasileiro. Estudou em diversas instituições no Brasil, Itália e Suécia: UFMG, UFBA, Accademia Filarmonica di Bologna, Arts Academy of Rome, Accademia Chigiana di Siena e Royal College of Music - Estocolmo. Especializou-se na Itália em música para cinema com Morricone e Polizzi. Frequentou também seminários sobre cinema e música com Ettore Scola, Giuseppe Tornatore, Armando e oficinas de roteiros cinematográficos, textos e cinema com Paulo Halm, Claudio MacDowell, Ana Miranda. Por sua obra musical recebeu dezenove premiações nacionais e internacionais. Tem desenvolvido projetos artísticos e culturais no Brasil, Suécia, Itália, EUA, Rússia, República Tcheca, Honduras, Reino Unido, Portugal, Grécia e Bélgica.
Publicado em 10 de fevereiro de 2009
Publicado em 10 de fevereiro de 2009
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