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Universidade, ciência e desenvolvimento

Roberto Carlos Simões Galvão

Mestre em Educação pela UEM, professor de Sociologia no Paraná

O ensino superior privado cresceu muito no Brasil nos últimos anos – e não apenas no sentido quantitativo: as instituições privadas estão ganhando também em qualidade. Engana-se quem continua acreditando que as faculdades particulares estão interessadas apenas no lucro. Há educação de qualidade em muitas dessas instituições; grandes centros de ensino e pesquisa começam a se firmar, e a migração de professores doutores para as universidades privadas é uma constante. Algumas das melhores universidades do mundo são pagas – Harvard (fundada no ano de 1646) é um exemplo –, e o Brasil caminha nesse sentido (a barreira do vestibular há de ceder lugar a um novo obstáculo, o preço das mensalidades. Só estudará em algumas das melhores instituições quem puder pagar, como já acontece em boa parte do mundo). 

O governo brasileiro investe pouco no ensino superior público; há centros de pesquisa de ponta abandonados; os professores continuam muito mal remunerados. Se tudo continuar como está, no prazo de algumas décadas o país terá nas particulares algumas de suas melhores universidades.

Em Raízes do Brasil, o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1995) expõe a origem do descaso para com a universidade e a ciência no Brasil. Enquanto os colonizadores espanhóis fundavam universidades em Lima (Peru) e na capital do México já no ano de 1551, a Coroa portuguesa temia as possíveis consequências da implantação de uma universidade no Brasil (esse tema é abordado também em Cunha, 1986).

Na atualidade, o abandono das universidades públicas, onde se produz a maior parte da ciência nacional [72% dos pesquisadores brasileiros estão nas universidades), gera consequências lamentáveis (a maior parte das inovações científicas e tecnológicas desenvolvidas no Brasil sai dos laboratórios das universidades públicas, ao contrário do restante do mundo globalizado. Nos EUA, somente 13% dos pesquisadores são docentes em universidades, enquanto 7% estão em institutos de pesquisa e 79% estão em empresas (Senapeschi, 2003)]. Entre outros prejuízos, acarreta a perda gradativa de pesquisadores para universidades do exterior ou para instituições privadas do país. Essa migração desmonta grupos de pesquisa formados em décadas de trabalho com recursos do poder público.

O investimento no potencial científico das universidades públicas é uma necessidade inadiável. A ciência ali produzida oferece a possibilidade de criar conhecimentos e tecnologias que permitirão diminuir a miséria do país, além de ser uma condição indispensável para o sucesso das políticas sociais (Dagnino, 2007).

Segundo Senapeschi (2003, p. 26), “o progresso científico obtido pelo desenvolvimento tecnológico tem demonstrado ser o principal instrumento de geração de riqueza e bem-estar social de uma nação”. O avanço tecnológico desenvolvido é sobretudo um bem que pode ser usado em benefício de todos, além de poder ser exportado.

Na era da globalização, o que diferenciará um país desenvolvido de outro subdesenvolvido será precisamente a quantidade de conhecimento ou de ciência e tecnologia que possuem. A realidade internacional tem demonstrado ser cada vez mais clara a relação entre investimento em ciência e desenvolvimento econômico e social de um país.

Nos Estados Unidos, o crescimento da atividade industrial a partir de meados do século XX fez com que muitos laboratórios que antes ficavam restritos a universidades ou organismos governamentais se deslocassem para as empresas particulares, as quais passaram a investir em pesquisa científica como meio de se manter à frente na corrida tecnológica (Senapeschi, 2003).

Entre os americanos, menos de 10% dos novos produtos apresentados por empresas têm alguma participação de pesquisa acadêmica, e a tendência mundial está justamente em concentrar a maior parte das investigações científicas e tecnológicas nas empresas privadas.

No Brasil, a industrialização tardia criou um empresariado conservador, sem a visão de que é necessário fazer pesquisa. Ademais, o país forma pesquisadores há não mais que 40 anos; é natural que um sistema ainda jovem forme pesquisadores para a academia, como pensa o ex-ministro Sérgio Rezende (Billi, 2006, p. B1). “Aqui existiu sempre a noção de que quem faz pesquisa são os centros especializados e as universidades”, pontua Ronald Dauscha, presidente da Associação Nacional de Pesquisa (apud Billi, 2006, p. B6).

O Brasil ainda não aprendeu a transformar ciência em riqueza, permanecendo alheio ao fato de que, na era pós-industrial, o valor econômico de um produto está no valor agregado a ele pelo conhecimento, pela informação e pelas tecnologias que incorpora. Há vários fatores que distanciam ciência e setor produtivo no país, mas já existe consenso de que as empresas brasileiras precisam investir mais em pesquisa e desenvolvimento.

Sim, as empresas podem e devem investir em suas próprias pesquisas ou em pesquisas acadêmicas direcionadas para o setor produtivo. Na Europa e nos Estados Unidos, a participação do setor empresarial no financiamento de pesquisa acadêmica representa o dobro do que é verificado no Brasil (Levy, 2007). De sua parte, a universidade pública não deve restringir o conhecimento ao mundo acadêmico. A transferência de conhecimento aplicado para a indústria é primordial para atender seu papel de extensão junto à comunidade.

As políticas governamentais voltadas para as universidades públicas, para a industrialização e o desenvolvimento científico devem estar muito bem articuladas, produzindo resultados que atendam os interesses nacionais de soberania e independência. Será cada vez mais sombrio o futuro de um país que dependa do conhecimento produzido no exterior.

Referências

BILLI, Marcelo. Ciência avança no país, mas não gera riqueza.São Paulo: Folha de S. Paulo, 12 fev. 2006. Caderno Dinheiro, p. B1.

__________. Poucas empresas fazem inovação tecnológica. São Paulo: Folha de S. Paulo. 12 fev. 2006. Caderno Dinheiro, p. B6.

CHASSOT, A. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 1995.

COLLINS, Harry; PINCH, Trevor. O golem: o que você deveria saber sobre ciência. São Paulo: Unesp, 2000.

CUNHA, Luiz Antonio. A universidade temporã. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.

DAGNINO, Renato. Ciência & Tecnologia para o desenvolvimento social virou prioridade. E agora? Campinas: Jornal da Unicamp, 16 set. 2007. Opinião, p. 2.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LEVY, Clayton. Participação de empresas no financiamento de pesquisa acadêmica é tímida, conclui pesquisa. Campinas: Jornal da Unicamp, 07 out. 2007. p.09.

NASSER, Carlos. Melhores universidades. Curitiba: Gazeta do Povo, 20 nov. 2005. Caderno Brasil, p. 22.

SENAPESCHI, Alberto. Ciência, tecnologia e cidadania. In: MARTINS, J.; CASTELLANO, E. (orgs.). Educação para a cidadania. São Carlos: Edufscar, 2003.

VIEIRA, Enio. A semente dos negócios. Brasília: Revista indústria brasileira, n. 78A, p. 46-47, ago.2007.

Publicado em 17 de fevereiro de 2009

Publicado em 17 de fevereiro de 2009

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